O relatório-sombra da comissão parlamentar de inquérito a sete contratos de reequipamento militar, assinado pelo PS, PCP e Bloco de Esquerda, acusa o PSD de apresentar um projeto de relatório dessa comissão sem “condições de seriedade, de coerência e de consistência para poder ser aprovado”. José Magalhães, Jorge Machado e João Semedo, que assinam o documento, afirmam mesmo que “o Parlamento português será desprestigiado por um relatório viciado e um inquérito inacabado”, caso a proposta de relatório seja aprovada tal como está.

Neste relatório-sombra, os autores dizem que a maioria “abortou as investigações num ponto em [que] tudo justificava que as mesma fossem aprofundadas e ampliadas” e que, assim, “os ‘corrompidos’ em Portugal continuam protegidos por um manto de silêncio”.

As dúvidas da oposição

No relatório dos grupos parlamentares do PS, PCP e Bloco, os deputados apresentam aquilo que consideram ser “dúvidas graves” que ficaram por esclarecer na comissão e ainda fazem uma “análise crítica do relatório viciado”.

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  • “Em que estado se encontra o cumprimento dessas obrigações de prestação de contrapartidas?”, perguntam os deputados relativamente à aquisição de equipamentos militares por parte do Estado.
  • O relatório proposto pela maioria faz um “branqueamento das «pré-contrapartidas» dos submarinos”, acusa este documento, referindo que “a legalidade da aceitação [dessas pré-contrapartidas] nem é equacionada nem foi investigada” pela comissão.
  • O projeto de relatório que a maioria quer ver aprovado “omite deliberadamente aspetos essenciais dos processos de decisão e revelações que o caso Espírito Santo tem propiciado”, acusam os relatores, que, no entanto, dizem que tais omissões são “inúteis”, devido aos documentos consultados pela comissão, e “inaceitáveis (porque contrariam a missão definida pelo Plenário do Parlamento)”.
  • “Um relatório viciado pela vontade de abafar o debate estratégico sobre a compra de submarinos”, lê-se no documento, no qual se defende que devia ter sido descrita “a evolução da discussão institucional sobre o tema”.
  • A proposta fica marcada, ainda, “pela desvalorização da história parlamentar”, uma vez que omite outros debates já realizados sobre este tema em plenário, acusa este relatório. O projeto de relatório torna-se, assim, “numa peça de apologética vulgar, que tenta esconder factos selecionados segundo os ditames de uma cartilha de autoelogio e autoexaltação”, que é, afirmam os autores, “um hino de louvor aos decisores do PSD e do PP”.
  • Outra crítica é uma suposta “seleção tendenciosa de depoimentos obtidos”, segundo a qual, por exemplo, o custo dos submarinos terá sido “assente na importação de cálculos errados fornecidos por um dos autores da operação”.
  • José Magalhães, João Semedo e Jorge Machado afirmam ainda ter havido uma série de “tentativas de encobrimento”:
    • sobre o papel da ESCOM em todo o processo
    • sobre um “procedimento anómalo no «leilão bancário» referente ao financiamento da aquisição de submarinos
    • sobre o papel do ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira “no desfecho do julgamento do «caso das contrapartidas falsas»”

Os deputados levarão agora algumas destas dúvidas para a comissão parlamentar de inquérito à gestão do banco Espírito Santo, que começa esta quinta-feira. José Magalhães já o disse explicitamente: tomará lugar nesse grupo para encontrar o “sexto homem”, a pessoa que terá recebido dinheiro no âmbito do negócio dos submarinos, além de outras cinco do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo.

“Reescrever a História foi a obsessão dos relatores”, lê-se sensivelmente a meio do relatório-sombra. No fim, depois de explanarem as suas críticas, os autores garantem: “A História não será reescrita”.

Oposição vota contra documento de “lavandaria”

PS, PCP e BE assumiram esta quarta-feira votar contra o relatório da comissão de inquérito sobre equipamentos militares em vez do abandono dos trabalhos para denunciar tratar-se de um documento de “lavandaria”, com “buracos negros” para “proteger Durão e Portas”.

Os deputados socialista José Magalhães, comunista Jorge Machado e bloquista João Semedo apresentaram em conferência de imprensa, no Parlamento, o texto alternativo “Relatório viciado, Inquérito inacabado” antes da derradeira reunião, que servirá para votar o documento final defendido pela maioria PSD/CDS-PP.

“É um sinal de que não devemos desistir da descoberta da verdade e deixar reescrever a História. Esta proposta de relatório é viciada e o inquérito ficará escandalosamente inacabado, por vontade da maioria. A Assembleia não deve ser a lavandaria da República, não deve servir para branquear factos que todos podem documentar”, esclareceu o parlamentar do PS.

José Magalhães anteviu que a futura comissão de inquérito ao caso BES, da qual fará parte, não irá continuar a ignorar a “tentativa de asfixia”, além de admitir, como os restantes grupos parlamentares da oposição, enviar toda a informação apurada ao Ministério Público e de, aproveitar a classificação da comissão de “rapidinha”, por parte de João Semedo, para dizer que foi “rapidinha, mas profundinha”.

“Tivemos uma comissão de inquérito apressada. Este relatório não tem sequer a seriedade e credibilidade necessárias para ser aprovado. Elencámos um conjunto de matérias dos buracos negros que ficaram por esclarecer. Serviu como tentativa pífia de ilibar as responsabilidades políticas de PSD e CDS”, reforçou o comunista Jorge Machado.

O processo de aquisição dos submarinos, seguindo a Lei de Programação Militar de 1993, ainda Cavaco Silva era primeiro-ministro, foi preparado por sucessivos governos. A decisão final aconteceu em setembro de 2003, com o Governo, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas na pasta da Defesa, a optar pela proposta alemã em vez da concorrente francesa.

“Foi uma comissão que se destinou, pela força da maioria PSD/CDS-PP, a proteger Durão Barroso e Paulo Portas. Desde o início se percebeu que era esse o objetivo de PSD e CDS. Quando votaram esta comissão, fizeram-no por má-fé porque desde o início tentaram esvaziar o inquérito e torna-la sem qualquer interesse político para a história da democracia portuguesa”, concordou o deputado do BE João Semedo, declarando a sua convicção de que houve “malabarices” para favorecer o consórcio alemão dos submarinos e o sindicato bancário que integrava o BES.

O negócio suscitou dois processos judiciais – um centrado nas contrapartidas da aquisição dos submarinos aos alemães, que culminou na absolvição em primeira instância de todos os arguidos, outro, relacionado com o negócio da compra e venda do equipamento, ainda em investigação pelo Ministério Público. Na Alemanha já se verificaram condenações por crimes de corrupção.

Os submarinos portugueses Tridente e Arpão, começados a construir na Alemanha em 2005, custaram até agora ao Estado português mais de mil milhões de euros, embora houvesse a previsão de 100% de contrapartidas. O primeiro destes navios foi entregue à Armada lusa em 2010.

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