A proposta de Orçamento do Estado para 2015 quer que os crimes contra os funcionários do fisco sejam considerados públicos, como já acontece com os ataques a polícias.

Conduzia o jipe a caminho de casa quando um obstáculo impediu que prosseguisse caminho. O chefe das Finanças de Lagos parou para retirar o tronco de uma árvore caído na estrada quando foi atacado por dois homens. Um apontou-lhe uma arma à cabeça enquanto o outro, encapuzado, o agredia com um taco de basebol. Foi um irmão que apareceu para o salvar e enfrentou os agressores, que acabaram por fugir. A vitima ainda reconheceu um dos homens: era um empresário da construção civil que tinha sido alvo de uma penhora.

O caso ocorreu em 2012 e foi nesse ano, segundo o Sindicato dos Funcionários dos Impostos, que se acentuou a escalada de violência contra estes profissionais. Foi por esta altura que o fisco passou a poder cobrar as portagens das SCUTS que os contribuintes não tinham pagado. Foi também ano de estrangulamento económico e de aumento de impostos.

Segundo dados fornecidos ao Observador, entre 2007 e 2014, chegaram ao sindicato 23 casos graves de ataques a instalações e a funcionários de norte a sul do país. Fora destas estatísticas, estão os insultos que se generalizaram. Contam-se as situações mais graves como as de homens e mulheres que tiveram armas de fogo apontadas à cabeça, ou que foram sequestrados.

As dívidas, a revolta de pagar impostos são o rastilho na ira de muitos contribuintes. E também são muitos os que não conseguem controlar-se e partem para o insulto.

“Tornou-se um hábito. Já quase ninguém se queixa porque há casos desses diariamente em todos os serviços de Finanças do país”, diz o presidente do sindicato ao Observador.

Agora, a preocupação é com a própria integridade física, explica Paulo Ralha. Os funcionários das Finanças foram tomados pelo medo.

Uma quinta-feira de abril de 2014. No rés-do-chão das instalações das Finanças de Anadia, dois funcionários estavam a meia hora de fechar as portas ao público. Neste andar funciona a tesouraria, no andar superior havia mais colegas e mais serviços. Um homem armado e com um capacete na cabeça entrou e ordenou que o conduzissem ao cofre. Arrecadou o que conseguiu e, para não ser perseguido, obrigou os dois funcionários a enfiarem-se dentro do cofre, fechando-os lá dentro. Só foram encontrados pelos colegas uma hora depois. O caso foi comunicado ao sindicato para que seguisse para a justiça.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A administração tem ajudado a acompanhar os processos. Mas, neste momento e com a lei ainda em vigor, são os funcionários que têm de pagar as custas processuais do seu bolso”, lembra o sindicalista.

Dois meses antes, o caso que chegou ao conhecimento do sindicato não era tão grave. E podia ser irónico caso estes ataques não se tivessem multiplicado nos últimos anos. Aconteceu numa repartição de Finanças do Porto: quando o pessoal chegou para trabalhar, todas as fechaduras tinham sido barradas com cola. As mensagens de boas vindas são, por vezes, mais diretas. Como aconteceu, ainda em 2011, nas Finanças de Sintra. Desconhecidos colocaram uma placa na porta onde se lia “LADRÕES”.

O medo de ataques mais graves, no entanto, aumenta quando as situações envolvem armas de fogo. Foram já várias as repartições atacadas a tiro durante a noite, agravando o ambiente de receio entre estes profissionais. Como em Palmela, corria o ano de 2013, quando o serviço de Finanças foi atacado a tiro durante a madrugada

Mas há historias com armas de fogo ainda mais alarmantes. Em fevereiro de 2013, em Felgueiras, uma dupla entrou na repartição e apontou a arma ao peito do chefe do serviço. Atrás dos balcões 16 funcionários atónitos. Vários contribuintes assistiram, imóveis.

Quem se desloca às Finanças para tratar de assuntos fiscais também pode sujeitar-se a assistir aos mais diversos ataques. Como os contribuintes que, também em 2013, viram o adjunto do chefe das Finanças de Sacavém, arredores de Lisboa, ser agredido. Ou a funcionária do serviço externo de Penedono, em Viseu, também atacada e agredida. Meses depois, no Porto, o marido de uma mulher que tinha sido obrigada a um pagamento, no âmbito de um processo de execução, começou por injuriar o funcionário da repartição. O homem ainda pegou numa cadeira para agredir o funcionário, mas terá sido impedido por um outro contribuinte de passar à violência física. Todos estes acontecimentos sucederam-se no ano com registo de mais casos, o de 2013.

Nesse ano, também no Porto, os ânimos exaltaram-se entre contribuintes desesperados pelo tempo de espera. Na altura foi o próprio sindicato que denunciou a situação à comunicação social. Queria alertar para a escalada de violência e para o facto destes profissionais se sentirem inseguros no seu serviço. Neste serviço de Finanças, no Bom Sucesso, uma mulher começou a discutir com outro homem. A troca de palavras subiu de tom e acabou por alargar-se ao grupo de cerca de 30 contribuintes que esperavam ser atendidos. O funcionário que estava atrás do balcão viu-se obrigado a resgatar o contribuinte no centro da discórdia para dentro de uma casa-de-banho. A situação só se resolveu quando a PSP chegou. Na altura Paulo Ralha disse ao Expresso que a maior parte dos casos que geravam discórdia estavam relacionados com as notificações do Imposto Único Automóvel (IUC) e com divergências no IRS. Estes funcionários acabam por tornar-se o rosto das medidas do Governo.

A próxima medida é, por isso, para eles. Na proposta do Orçamento do Estado para 2015 o Governo prevê que o ataque a estes profissionais seja considerado um crime público, como já acontece com elementos das forças de segurança. Basta o conhecimento do caso, nem que seja por uma terceira pessoa, para apresentação de queixa e seguimento do processo judicial.

“Há profissionais que têm medo de represálias e preferem não avançar com queixa”, alerta Paulo Ralha, satisfeito com esta “vitória”.

“Para efeitos do disposto do Código Penal, os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, no exercício das suas funções que nessa qualidade lhes sejam cometidas, consideram-se investidos de poderes de autoridade pública”, lê-se no OE.