O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, era a grande esperança de Ricardo Salgado para salvar o Grupo Espírito Santo (GES). De acordo com o jornal i, o plano delineado por Salgado, José Maria Ricciardi e José Honório – um homem que Salgado queria ver como consultor externo e maestro de um “programa de salvação” – passava por pedir a Durão Barroso que intercedesse a favor do GES junto de Passos Coelho, de Cavaco Silva e na Comissão Europeia.
A decisão do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, de afastar a família da Espírito Santo da administração do BES foi o tema de uma reunião entre Salgado, Ricciardi e Pedro Mosqueira do Amaral, a 2 de abril de 2014. A família tinha de deixar o banco após uma assembleia-geral e um aumento de capital (marcado para maio) e era essencial nomear alguém de confiança para tomar as rédeas da holding Rioforte. A escolha de Ricardo Salgado recaiu em José Honório, antigo presidente da Portucel, uma empresa do rival de Salgado Pedro Queiroz Pereira.
“[Ricardo Salgado:] Tenho vindo a ter conversas com ele e ele está a analisar o dossiê da Rioforte. Acho o tipo brilhantíssimo e com uma capacidade de atuação extraordinária. Seria uma pena para nós perdermos este homem”, pode ler-se nos documentos a que o i teve acesso.
Ricardo Salgado iniciou, então, as negociações com José Honório para que ele ocupasse o cargo de presidente da Comissão executiva da holding. Honório aceitou o convite de Salgado, mas preferiu tornar-se consultor (“senior adviser”) do grupo, pelo menos numa primeira fase. Porém, as condições e o salário impostos por José Honório, na altura administrador não-executivo do CTT eram motivo de discórdia entre os três líderes do grupo: “2,1 milhões de euros por ano, divididos por 14 meses, além de seguro, carro e eventuais bónus”, segundo o i.
“As condições de remuneração que [Honório] impõe são pesadas (…) Estamos quase pobres mas se é preciso investir em alguém com estas qualificações é este tipo e não é outro. Não conheço outro em Portugal”, garantia Salgado nessa reunião.
José Maria Ricciardi considerava José Honório um “muito bom gestor” mas queria que ele assumisse de imediato a liderança da Rioforte, porque “estando escondido não tem esse peso [institucional]”. Pedro Mosqueira do Amaral foi mais longe: “Pelo que vai ganhar devia assumir [imediatamente]”.
No entanto, Salgado prosseguiu na sua intenção de contratar Honório. Nos bastidores, o homem que viria a ser braço-direito de Vítor Bento no BES e no Novo Banco, traçou um cenário muito pouco animador sobre a saúde financeira do GES.
“[O plano passa por] contactar os mercados, ajudar a vossa reputação porque não há assim contas muito bonitas para se mostrar”, considerava José Honório.
Mas o plano ia muito para lá dos mercados. Estava “na hora de o grupo cobrar favores (…) Fazer uma relação das entidades e das pessoas a quem podem cobrar valores e o montante que podem cobrar” e procurar apoio institucional. Apoio de quem? Durão Barroso, Cavaco Silva e Passos Coelho.
“Para pormos em prática o programa temos de falar com o Durão Barroso. Ele está cá hoje e depois vai para fora. De maneira que vou aí pedir uma chamada”, afirmou Salgado.
Em primeiro lugar, Salgado queria uma “conversa preliminar”. Depois um guião a partilhar por todos os elementos do Conselho Superior e usado com “Durão Barroso, com o Presidente da República, com o Banco de Portugal, o primeiro-ministro”, para ter “a segurança de que os partidos que estão no poder percebem a situação”.
O discurso teria de ser dramático ao ponto de passar a mensagem que o fim do GES e a queda do banco representava uma ameaça séria para o país e a punha em cima da mesa um eventual segundo resgate da troika. Caindo o banco, cairia toda a economia portuguesa.
“O que é que o país não pode ter? Não pode ter o seu maior grupo e o mais emblemático de repente com um problema que ninguém estava à espera que acontecesse. A leitura dos credores internacionais, das agências de rating e de toda a gente é que se isto acontece com a casa mais emblemática de Portugal então as outras hão-de estar muito pior. O efeito sistémico e de cascata pode ter consequências que não conseguiria prever. Estou convencido que Portugal não escaparia a um segundo resgate”, analisava José Honório.
Era este o plano que Honório queria vender: traçar um cenário catastrófico do GES e do banco para que o Governo e o Presidente da República fossem em seu socorro. E quem melhor para passar essa mensagem que Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia?
“Se [Barroso] entendesse o problema e estivesse na disposição de o resolver seria o maior apoio que esta casa poderia ter para que ele próprio falasse com o Presidente da República, o primeiro-ministro, o governador do Banco de Portugal. (…) Em cima disso, e atualmente o mais importante, [Barroso] é amigo desta casa e esta casa é amiga dele”, garantia José Honório.
Ricardo Salgado tentou, então, contactar imediatamente Durão Barroso, que se encontrava em Lisboa nesse dia, mas não terá sido bem-sucedido. “(…) se calhar vamos ter de ir a Bruxelas”, acreditava o presidente do BES. Era essencial garantir que Barroso estava do lado do banco e que ia convencer Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho a ajudar o grupo.
“Se esta casa conseguir que o Durão Barroso tenha uma conversa privada, sem mais ninguém, com o Presidente da República e com o primeiro-ministro a explicar que está muito preocupado, esse é o maior apoio que se pode ter”, sugeria o ex-presidente do BES.
Durão Barroso era, aliás, visto como “amigo desta casa e esta casa é amiga dele”, pelo que deveria interceder mais facilmente a seu favor. No trabalho publicado esta sexta-feira, o jornal i explica que Durão Barroso não respondeu a questões enviadas pelo jornal e também não foi possível contactar José Honório. Também não obteve respostas aos contactos a Cavaco Silva e Passos Coelho, numa tentativa de perceber se houve tentativa de contactos para que interviessem a favor deste “programa de salvação”.