Imagine um dia de calor. Está deitado na praia, com uma toalha super confortável, com uma paisagem de alto gabarito. O mar está na temperatura certa. A companhia é boa. Há coisa mais tranquila do que esta? Bom, agora imagine um jogador de futebol a sentir-se assim, mas enquanto conduz a bola. Brahimi é esse homem. O argelino tem um dom. Talvez tenha dois ou três. Vira do avesso as defesas adversárias, inventa espaços e golos. Esta noite, na jornada quatro da Liga dos Campeões, marcou e assistiu Jackson na vitória em Bilbau (2-0). Mais: conseguiu algo que não acontecia desde Mário Jardel, em 1999/2000.

Do meio-campo para a frente, o FC Porto contava com quatro jogadores que sabiam o que era atuar em Espanha — Casemiro, Óliver Torres, Tello e Brahimi. Os outros dois que restavam também conversavam em castelhano — Herrera e Jackson. Estava visto que Lopetegui quis equilibrar a balança nesta visita a Bilbau. O Athletic voltava a ser o rival, duas semanas depois daquela vitória por 2-1, na qual Quaresma foi o herói. O extremo voltou a sentar-se no banco de suplentes, a jaula indesejada e ingrata para os génios inconformados. Os bascos chegavam a esta partida com dois triunfos seguidos — Almeria e Sevilha –, por isso o orgulho e a confiança estavam num melhor estado. A diferença na experiência europeia entre FC Porto e Bilbao é gritante: 202 jogos dos portugueses contra 25 dos rivais.

A primeira vez que a baliza de Iraizoz esteve em cheque foi graças a Jackson (12′), que beneficiou de uma boa combinação entre Danilo e Tello no corredor direito. A jogada foi começada por Óliver e Brahimi na esquerda, o que foi um primeiro sinal da qualidade que se adivinhava para este primeiro tempo. Estes dois últimos foram os jogadores em destaque durante grande parte da partida. Um porque organizou e arrumou a casa muitas vezes (Óliver), o outro porque inventou espaços e jogadas para golo. Começam a faltar as palavras e as ideias para descrever o que o extremo argelino faz no relvado…

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este Athletic Bilbao é uma amostra do que foi com Marcelo Bielsa e, sejamos justos, com o que foi na época passada, quando conquistou o quarto lugar na Liga Espanhola. Os jogadores estão desligados, não há uma pressão eficaz, há poucas ideias e os criativos, Beñat e Susaeta, não estavam num bom dia. Apenas a velocidade de Guillermo causava algum transtorno à defensiva portista. Lopetegui agradecia.

Mikel Rico, depois de uma trivela de Ibai na esquerda, e Maicon, de livre direto, foram os homens que se seguiram a ameaçar o golo. Depois foi Jackson. O colombiano estava a assinar uma excelente exibição, sabendo servir como referência, sofrendo faltas, parando bolas impossíveis e possíveis, com a qualidade do costume, congelando o relógio e permitindo à equipa subir no terreno. Aos 35′, foi Brahimi a tentar de livre direto, tal como havia feito contra o BATE. Passou perto do poste esquerdo dos bascos.

Faltavam quatro minutos para o descanso quando o FC Porto teve a melhor oportunidade do primeiro tempo. Danilo caiu na área e o árbitro apitou para penálti após indicação de um colega. Jackson assumiu e… chutou à barra. Lopetegui levou a mão à face e desesperou sozinho durante uns segundos. É o segundo penálti falhado pelo FC Porto nesta edição da Liga dos Campeões (Brahimi vs. Shakhtar).

Descanso em Bilbau. Exibição muito sólida dos dragões, concentrados, bem posicionados, dinâmicos e comprometidos com o objetivo de manter a liderança do grupo. Ficou a faltar o golo, que esteve muito perto de acontecer por Jackson, de penálti. Casemiro começava a convencer finalmente. Óliver, Brahimi e Jackson foram os melhores. Herrera e Tello assinavam as exibições mais discretas.

Ernesto Valverde não gostava do que via e decidiu mudar algumas coisas: Muniain e Iraola entraram para o lugar de Benãt e Susaeta, os mais dotados tecnicamente. De Marcos, o número 10 dos bascos que atuou a lateral direito, passou para médio ofensivo, fazendo jus à camisola que usa. Lopetegui não alterou nada.

O Athletic entrou mais certinho, mais competente, menos submisso, mas quem festejou o golo foi a equipa visitante (56′). Brahimi recebeu a bola na esquerda, fingiu hesitar, enganou o defesa basco e arrancou em direção à linha final. O basco ficou a ver navios. Depois chegou outro e, após um toque sublime, foi também ele ultrapassado. É o fado desta gente que se coloca diante de Brahimi. Jackson esperava na pequena área para encostar, à espera da redenção, à espera de vestir a pele de herói. E foi isso que aconteceu: passe-golo, 1-0.

Brahimi, Indi e Jackson ameaçaram o dois-zero depois. Pelo meio, Guillermo assustou quando cabeceou de costas ao ferro da baliza de Fabiano. O vento estava a favor, apesar do relvado de má qualidade, com lama e buracos aqui e ali. O FC Porto estava melhor, muito melhor. Voltaram aquelas boas exibições europeias. Bom, a tal suposta crise que os dragões vivem é uma completa falácia: segundo lugar no campeonato a um ponto do Benfica e garantido o acesso aos oitavos da Champions. Se isto é uma crise…

Golo do Porto! Esperem, como isto aconteceu? O dois-zero (73′) nasceu de um lançamento para o Athletic perto da grande área basca: Laporte recebeu e tocou para o guarda-redes Iraizoz, que deixou a bola escapar e permitiu a Brahimi marcar o quarto golo em quatro jogos na competição — não acontecia desde Jardel, em 1999/2000. É um caso sério. Não bastava jogar à bola como quem caminha à beira-mar, ou bebe um gin numa esplanada com o por do sol como pano de fundo, como também sabe aproveitar o erro alheio.

Lopetegui decidiria pouco depois fechar a porta, fazendo entrar Rúben Neves por Óliver, que voltou a mostrar que é um verdadeiro jogador de futebol, que não vive apenas da técnica prodigiosa. O espanhol soube sofrer, correr, fechar, passar, arrumar a casa e como estar num jogo de Liga dos Campeões.

Os minutos finais seriam jogados com as bancadas a despirem-se de adeptos bascos. Chegou a ouvir-se “olé” a fugir da boca dos adeptos portistas. Exibição madura, sólida e muito interessante deste FC Porto, que começa a ganhar forma. Os oitavos de final estão confirmados, resta saber se será cabeça de série. A luta será ombro a ombro com o Shakhtar, que bateu o BATE Borisov por 5-0.