Ser defesa central é tramado. É uma profissão feita de opções, dúvidas e indecisões: ir ou não atrás do avançado, estar atento aos metros de relva que tem nas costas ou escolher bem o momento em que entra durinho e se arrisca a dar razões ao árbitro para soprar no apito. São mil e uma coisas em que pensar. Demora-se anos a dominar a arte e por isso se diz que um central trintão é um central sabichão. Até lá chegar será sempre um aprendiz. Ainda para mais, com 21 anos.

É a idade de Naby Sarr. O francês, novato, ainda não se terá habituado a pensar em tanta coisa em tão pouco tempo. O jogo até sorria ao Sporting. A bola era verde e branca, andava mais na metade do campo do Schalke 04 e os leões tinham energia para pressionar e fazer tudo em correria. Nani, embora sem tino nem pontaria, até já rematara a bola, dentro da área, mas por cima da baliza. Mas aos 17’, lá está, Naby Sarr escolheu mal.

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Saiu da área, foi atrás de Huntelaar, enrijeceu-se e encostou o corpo ao do holandês. Avançado ao chão. O árbitro apita. É falta — praticamente no mesmo local do relvado onde Maurício, há duas semanas, também fizera falta e dera um livre para os alemães marcarem golo. Parecia fotocópia. O pé esquerdo de Dennis Aogo bateu a bola para a área, Slimani saltou, esqueceu-se da gravidade e cabeceou a bola quando já estava a descer. Resultado: mandou-a para a baliza de Rui Patrício, que não a conseguiu parar. Falta de Sarr, auto-golo, 1-0 e Sporting a perder (a UEFA, porém, atribuiu o golo a Choupo-Moting).

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E a sofrer golos há cinco jogos seguidos. Aos 24’ podia ter encaixado outro, mas Neudstader, num canto, terá fechado os olhos quando encostou a cabeça à bola e a fez passar por cima da baliza. Aí não foi culpa de Sarr. Mas ser central é tramado. É um dia-a-dia de escolhas. A atacar até é mais fácil — quando há cantos ou livres perto da outra área, aí avança-se à vontade para tentar a sorte. Naby fê-lo quando Aogo derrubou Nani, à direita, e deu uma bola parada para Jefferson. O brasileiro cruzou, Sarr correu, saltou e marcou. 1-1, vindo do segundo estrangeiro mais novo a marcar pelo Sporting na Champions.

Um central a tramar e a redimir-se. Com isto o Sporting acalmou-se e acelerou de novo. Num contra-ataque aos 26’, William Carvalho até se aventurou, tabelou com Slimani e, na área, mostrou porque é um trinco guardador de defesas quando rematou fraco e rasteiro para Fährmann defender. Aos 34’ obrigaram o perito em ter a bola no pé a sprintar e João Mário, quando apanhou a bola junto à linha, passou-a sem olhar para a área, à espera que alguém o tivesse acompanhado, mas o comboio de Adrien chegara atrasado. Quatro minutos depois foi ele a tabelar com Mané e, à frente de Fährmann, rematar sem olhar e deixar o guardião defender.

Pelo meio o pequenote Max Meyer, na área, ainda rematou por cima da baliza de Patrício. E, mesmo à beira do intervalo, Carlos Mané ter-se-á pasmado com a calma, a finta, o levantar a cabeça e o cruzamento de Nani. Tanto que, ao invés de dominar a bola quando estava sozinho, a cabeceou de primeira e desviou por completo da baliza. E os defesas do Schalke a respirarem de alívio. Ser defesa também é isto: respirar quando os erros não dão em nada.

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Quando se é lateral, aí há mais escolhas a serem feitas. Além das que surgem a defender, há umas quantas a atacar: quando subir, a que velocidade, como cruzar, quando apoiar o extremo e por aí fora. Jefferson gosta disto. É brasileiro, canhoto, marca livres e gosta de experimentar o remate. Nani sabe-o. E sabia quando, aos 52’, recebeu uma bola, guardou-a e esperou que dois adversários lhe tapassem os caminhos. Só aí passou a bola para trás. Para Jefferson, o defesa que a parou com a bola da bota, confiante de que teria tempo para tudo, e a rematou, como uma bomba, para a baliza. Só parou lá dentro. 2-1 e parecia que ser defesa no Sporting era sinónimo de marcar golos.

E de tremer, tambem. Aos 64’, na área leonina, Max Meyer parecia que ia fugir a Paulo Oliveira e Sarr, mas o alemão enrolou-se nas pernas do francês e caiu. Não se ouviu apito, mas parecia, pois Sarr já estava com as mãos no ar, a fazer-se de inocente. Dois minutos depois, nenhum dos centrais do Sporting ficou inocente quando deixaram Obasi sozinho, na área, para receber uma bola que só Rui Patrício lhe tirou dos pés, quando saiu disparado da baliza.

E disparar foi coisa que André Carrillo também fez, para mostrar outra coisa que faz difícil a vida de um defesa.

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Aos 73’, o austríaco Fuchs, lateral esquerdo do Schalke, tinha o peruano à frente. Já o conhecia. Ou devia. Quando o peruano meteu a bola metros para a frente, nem ele acreditou que lá chegaria. Não arrancou sequer. O problema é que Fuchs também não. Por isso o extremo do Sporting ativou-se, ultrapassou-o, chegou à área e cruzou a bola ao segundo poste. Lá estava Nani, sozinho para rematar e fazer o 3-1. E, oito anos depois, voltar a marcar um golo em Alvalade — o último fora contra o União de Leiria, em 2006. E a defesa do Schalke a olhar.

Agora sim, o Sporting acalmava. O resultado estava tranquilo e os alemãos nem fazia muito por alterar a coisa. Reclamaram a bola para eles, sim, mas pouco faziam com ela. Sidnei Sam, o extremo canhoto, ainda rematou à figura de Patrício, até que Roberto di Matteo, homem do leme do Schalke, resolveu colocar Dennis Aogo a defesa esquerdo (estava a médio). E pronto, o golo apareceu. O alemão percebeu as intenções de Kevin-Prince Boateng, sprintou para a área, o ganês passou-lhe a bola e Aogo, diante de Patrício, disparou para fazer o 3-2, aos 88’. Um lateral a saber subir. Ser defesa também é isto.

Faltava pouco e podia acontecer o pior. Ou o melhor, claro. E Slimani fez com que a vingança se servisse tardia, tal como a desfeita aparecera em Gelsenkirchen, há duas semanas, quando um penálti nos descontos derrotou o Sporting (3-2). Quando o Schalke procurara o golo do empate, junto à área dos leões, a bola foi recuperado e chutada para o meio campo alemão. Fo o tiro de partida para uma corrida entre Slimani, e Neudstäder. O avançado ganhou ao defesa, mais lento e preguiçoso a virar-se para a bola, e o argelino correu, correu e correu até chegar perto da área e desviar a bola de Fährmann. 4-2, vitória no bolso e, sobretudo, vantagem conseguida no confronto direto com os alemães.

Quatro golos e, seis anos depois, uma vitória para o Sporting na Liga dos Campeões — a última aparecera em 2008, contra o Basileia (1-0), ainda com Paulo Bento ao leme. Só Adrien Silva restava. O Sporting faz quatro pontos, fica um atrás do Schalke e outro à frente do Maribor (empatou 1-1, em casa, com o Chelsea). Resta-lhe vencer os eslovenos em Alvalade, esperar que o Chelsea faça o mesmo frente aos alemães, em Gelsenkirchen, e ir à aventura a Londres, na última jornada, esperando que o Maribor pare o Schalke na Eslovénia. É possível, claro. Mas não depende só de si. Mas ser jogador, defesa, médio ou avançado, é isto — estar na luta até ao fim.