Os nervos não o largavam. A ansiedade seguia o exemplo. Ainda era “um miúdo” e tremia ao ver quem estava do outro lado da rede. Mas as coisas corriam bem. As pancadas saiam, as bolas atormentavam a vida a Dmitry Tursunov, e os pontos apareciam. Mas o nervosismo continuava. “Demorava muito tempo entre os pontos, na respiração, a ir à toalha”, lembra hoje o então miúdo de 21 anos, na altura escondido no top-250 do ranking. O adversário russo, um tenista do top-20, dos melhores, não gostava. E mostrava-o. “Recebi vários warnings [avisos do árbitro] e percebi que ele se estava a chatear, por estar a perder com o miúdo”, recorda Frederico Gil.

O tenista, hoje com 29 anos, acabaria por vencer. E à medida que se aproximava do final do terceiro set do tal encontro, continuou a “fazer aquilo”. Até que ganhou, festejou e começou a encaminhar-se para perto da rede. Quando lá chegou, esticou a mão para cumprimentar Tursunov. Que reagiu mal. “Nem percebi bem, mas disse-me qualquer coisa como: “I kill you [Eu mato-te]”, diz ao Observador. Só falta acrescentar como acabou — com o russo a esticar o dedo indicador da mão e com Frederico, receoso, a pedir aos seguranças que o acompanhassem até ao balneário. E, claro, com o português a avançar para os quartos-de-final da edição de 2005 do Estoril Open.

Um momento “engraçado”. Assim o descreveu Frederico Gil, quando, pelo telefone, fala da memória do torneio que guarda com apreço. Esta até já tem idade. É anterior a 2014, ano em que a prova trocou o nome para Portugal Open — e à última terça-feira, quando João Lagos disse à ATP que não tinha condições para organizar o torneio no próximo ano. Fim da prova? Talvez sim, talvez não. A própria ATP, afinal, admitiu ao Observador, através de um porta-voz, que “está a estudar opções futuras para a licença do torneio, com o objetivo de o manter em Portugal”.

Frederico Gil of Portugal celebrates his victory over Guillermo Garcia-Lopez of Spain during their semifinal Estoril Open tennis match at Jamor Stadium, outkirts of Lisbon, on May 8, 2010. Gil won 6-2, 5-7, 6-3. AFP PHOTO/  FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

A festa de Frederico Gil, em 2010, quando venceu Guillermo Garcia-Lopez e se qualificou para a final do Estoril Open, que perderia frente a Albert Montanés.

Ou seja, haverá sempre esperança, como até o disse Frederico Gil, de “uma empresa ou um patrocinador” se “chegar à frente” e de ainda ir a tempo de cumprir “os prazos previstos pela ATP” para “receber verbas”, como suspeita o tenista. Só uma coisa parece ser certa: não será João Lagos a tratar disso. Ele que, após alertar a entidade que gere o ténis mundial, apenas admitiu ao Observador que foi “um dia de luto e de recato absoluto”, no qual o empresário, que organizou todas as 25 edições do torneio, “se deve ter sentido muito em baixo”.

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Quem o diz sabe do que fala. Carlos Ramos conhece bem João Lagos. E há muito tempo. Foi em 1990, ano em que, de repente, o ténis a sério aterrava no país. “Era eu, o Carlos Sanches e mais um ou dois árbitros portugueses da altura”, recorda o hoje juiz internacional, quando rebobinou a memória até à primeira vez que, no Jamor, em Oeiras, se brincou ao lego com estruturas, bancadas, pó de tijolo e raquetes. Aparecia então o Estoril Open. E que novidade. Carlos tinha 19 anos, era novo e, pela primeira vez, sentava-se como árbitro de cadeira num torneio com selo da ATP.

Lá voltaria mais vezes. Como em 1998, quando arbitrou a final masculina ganha pelo espanhol Alberto Berasategui ao austríaco Thomas Muster. Até 2000, último ano em que esteve presente no Estoril Open, como insiste em chamá-lo, Carlos foi também o juiz de cadeira em “quatro ou cinco finais femininas”. Depois foi descobrir outros courts. E nunca mais parou. Hoje, aos 43 anos, vai para a 25.º participação em Wimbledon, o “torneio favorito”, depois de, em 2012, ter arbitrado a final do torneio de ténis dos Jogos Olímpicos de Londres. Mas Carlos só considerava um torneio como sendo o seu — o português, de categoria 250, a que dá menos pontos aos tenistas do circuito.

Carlos Ramos, porém, sublinhou “a tradição” do torneio no circuito e lembrou que “praticamente todos os melhores jogadores do mundo” pararam no Jamor. Verdade: basta mencionar Roger Federer, Novak Djokovic, Rafael Nadal ou Thomas Muster. Todos nomes de quem já esteve sentado no trono do ranking ATP e, num ou noutro ano, competiu no torneio português. “A organização e as condições sempre foram evoluindo. É um torneio em que os jogadores sentiam que as coisas eram bem feitas. Além disso, estavam ao lado de uma cidade fantástica”, argumentou o árbitro internacional, servindo opiniões que foi ouvindo ao longo dos anos.

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E quem já, por várias vezes, esteve a correr e a bater bolas nos courts de terra batida do torneio, ali em meados de abril (como sempre aconteceu), foi pelo mesmo serviço. “Todos os tenistas sabiam que era um torneio ventoso e muito bem organizado. Era conhecido pelo catering, os hotéis e o player lounge [zona de convívio para os atletas], que era muito bom”, resume Frederico Gil, atual n.º 613 do ranking que, em 2010, perdeu na final contra Albert Montañés. A derrota que o manteve a perseguir “um sonho” — o de “ganhar um torneio em casa”.

Por isso confessou estar “um pouco triste” com a retirada de João Lagos. Mas continuará a ter o sonho. O tal que nunca lhe causou pressão, garante. “Sempre quis demonstrar às pessoas, aos amigos, a toda a gente, que sou capaz. Sempre me deu alento e motivação para me mostrar. E conseguir jogar melhor do que se estivesse no estrangeiro”, defendeu quem, aliás, também chegou por duas vezes aos quartos de final: em 2004, onde perdeu contra David Nalbandian, e 2008, quando foi derrotada pelo monstro Roger Federer, suíço que tem 17 torneios do Grand Slam (Open da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open,os quatro mais importantes do circuito) conquistados na carreira.

Em 2015, para já, não haverá recinto montado no complexo do Jamor. “Lamentamos que os desafios enfrentados por João Lagos e a sua equipa o impeçam de preencher as condições requeridas para operar um torneio ATP”, revelou um porta-voz da entidade, ao Observador. A organização, afinal, dá trabalho. E não é pouco. Além do “peso enorme” do lado financeiro”, enumerou Carlos Ramos, há “um ano de trabalho”, os jogadores “que vêm e depois já não vêm, que se lesionam de repente” ou a “dependência do clima”, que “tanto dá calor, chuva ou frio”.

O árbitro, que já viu, esteve e foi recebido por centenas de torneios, imaginou que, para João Lagos, terá sido como “perder alguém que nos é muito próximo”. Não era “como um filho”, prosseguiu, mas o torneio “pertencia à família há 25 anos”. É muito tempo e, quando começou, ainda Frederico Gil “era pequenino” e sentava-se nas bancadas a ver os graúdos da altura jogarem. Hoje, além de “ser amigo” de Dmitri Tursunov, o tal russo que conseguiu irritar, está à espera que “alguém se chegue à frente” — e não deixe o Portugal Open morrer.