“Hoje, o nosso sistema de imigração está destruído e toda a gente sabe isso”. Foi assim que Barack Obama iniciou esta quinta-feira (noite de quarta-feira nos Estados Unidos) o seu discurso à nação, na Casa Branca, onde anunciou a ordem executiva que vai evitar a deportação imediata de mais de 4 milhões de pessoas que vivem em situação ilegal nos Estados Unidos.
O novo plano de imigração de Obama – uma decisão tomada à revelia do Congresso e que está a merecer fortes críticas do Partido Republicano – prevê a regularização da situação das pessoas que entraram no país sem documentos há pelo menos cinco anos e que entretanto tenham constituído família já nos Estados Unidos – são 3,7 milhões de homens e mulheres nesta situação, pais e mães de cidadãos norte-americanos. Também as pessoas com autorização de residência permanente serão abrangidas por esta reforma.
O plano de Obama prevê, ainda, que os cerca de 300 mil jovens que entraram no país antes dos 16 anos à procura de um futuro melhor (os “dreamers”, como são conhecidos) e que hoje tenham no máximo 30 anos possam permanecer no país de forma legal.
Apesar das mudanças profundamente positivas na vida de milhões de pessoas – caso não tenham registo criminal, estas pessoas poderão obter um emprego de forma legal, por exemplo – os abrangidos por este novo regime não terão acesso direto à nacionalidade norte-americana, nem gozarão dos mesmos benefícios dos cidadãos naturais daquele país – como o acesso aos créditos fiscais de saúde, ao Medicaid (seguro de saúde para cidadãos norte-americanos) ou aos vales de refeição.
Barack Obama revelou, também, novas medidas para evitar a entrada ilegal de imigrantes no país e “mão pesada” para aqueles que cometam crimes graves – participação no crime organizado, por exemplo.
“Se preencheres os critérios, podes sair das sombras e acertares-te com a lei”, explicou Obama dirigindo-se diretamente aos imigrantes em situação irregular. “Se fores um criminoso, vais ser deportado. Se pretendes entrar nos EUA ilegalmente, as tuas chances de seres apanhado e enviado de volta acabaram de aumentar”, garantiu, no entanto, o Presidente norte-americano.
Num discurso em que Obama fez questão de lembrar o passado dos Estados Unidos enquanto país fundado por imigrantes, o presidente norte-americano desafiou os seus compatriotas a combater a “hipocrisia” do sistema de imigração.
“Nós não devemos oprimir um estrangeiro (…) nós sabemos o que é o coração de um estrangeiro – houve tempos em que também nós fomos estranhos [neste país] (…) Será que somos uma nação que tolera a hipocrisia de um sistema onde os trabalhadores que apanham a nossa fruta e que fazem as nossas camas nunca terão hipóteses de regularizarem a sua situação? (…) Somos um país que aceita a crueldade de retirar os filhos dos braços dos pais? (…) Se os nossos antepassados foram estrangeiros que cruzaram o Atlântico e Pacífico (…) só estamos aqui apenas porque este país os acolheu”, argumentou Barack Obama.
“Obama não é um monarca”
O senador Ted Cruz, uma das figuras mais proeminentes do Tea Party e apontado como candidato republicano às presidenciais de 2016, já tinha criticado duramente a reforma do sistema de imigração planeada por Obama.
Na passada quarta-feira, escreveu um artigo no órgão de comunicação social Politico, onde acusava Obama de se estar a comportar como um “monarca”.
“[A medida] é ilegal e inconstitucional. Ele [Obama] está a desafiar o povo norte-americano (…) Se continuar a agir por diktat executivo o Presidente Obama não estará a agir como Presidente: ele estará a agir como monarca”.
Ted Cruz propunha, ainda, que “caso o Presidente anuncie a amnistia executiva”, como aliás se veio confirmar esta quinta-feira, o Partido Republicano – que conquistou a maioria no Senado nas últimas eleições intercalares – “não deverá confirmar uma única nomeação – executiva ou judicial” – a não ser as que envolvam a segurança nacional, “até que a amnistia ilegal persista”.
O republicano sugeriu ainda que o novo Congresso deve usar o “poder da carteira”, aprovando apenas orçamentos essenciais e recusando todos os outros, de forma a “retirar a autoridade do Presidente para conceder amnistia”. Caso a ameaça republicana se venha a concretizar, tal conduziria à paralisação do Congresso norte-americano, com consequências semelhantes ao shutdown de 1 de outubro 2013.
O presidente do comité nacional republicano, Michael Steele, por sua vez, tinha afirmado que “se o ‘Imperador Obama’ continuasse a ignorar o povo americano e anunciasse o plano de amnistia, iria cimentar o seu legado de ilegalidade e arruinar as chances de ação do Congresso sobre esta questão”.
Já o presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, John Boehner acusou Barack Obama de, através desta ordem executiva (que ignora a vontade da maioria no Congresso), estar a “destruir a presidência” norte-americana e a “sabotar deliberadamente qualquer hipótese de celebrar um acordo bipartidário” sobre a reforma de imigração
O líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, já reagiu à decisão de Barack Obama e, num discurso ao país, prometeu “uma resposta dura” do Congresso caso Obama continue a “desafiar os norte-americanos e a impor a sua vontade ao país”.
Ainda assim, McConnell não revelou, ainda, que medidas a maioria republicana vai adotar para travar o plano de Obama. O partido, recorde-se, saiu algo fragilizado da última disputa com o presidente norte-americano – os republicanos tentaram congelar os fundos destinados ao plano de saúde conhecido como Obamacare. Por isso, agora, é imperioso “agir com firmeza”, mas “não cometer qualquer erro”, explicou McConnell.