Entre as caves do vinho, as dezenas de hostels que apareceram no Porto e os novos tours que vão surgindo, o boom turístico da cidade tem servido de solução de curto prazo para muitos licenciados sem trabalho.
“Durante um ano tentei arranjar algo na minha área, mas a resposta era sempre a mesma: não tinha no meu portefólio traduções reconhecidas por nenhuma entidade”, contou à agência Lusa Ana Sousa, formada em Línguas, Literaturas e Culturas.
Foi este vazio de opções que, em março de 2013, um ano depois de ter terminado um mestrado em Estudos de Género, a levou a tentar a sorte nas caves Sandeman, como guia. “Aceitei por ter visto aí uma oportunidade de melhorar o inglês e o alemão”, explica, garantindo que todos os seus colegas, licenciados nas mais variadas áreas, viram ali um “escape”.
Ainda assim, agora que não lhe renovaram contrato por ter terminado a época alta, não esconde a frustração: “Andei quase 18 anos a estudar para arranjar um trabalho que não é, de todo, aquilo para que estudei. Sentia-me ainda pior por ser tão mal paga tendo tantas competências”, recorda, lamentando o facto de ganhar perto de 500 euros, apesar de trabalhar das 10h às 19h.
O cenário estende-se aos hostels que, ao longo da última década, se foram multiplicando na cidade ao mesmo ritmo que foi crescendo o número de turistas que fazem dela destino de eleição – em 2012 e 2014, o Porto venceu mesmo o prémio de Melhor Destino Europeu.
Segundo dados recolhidos pela agência Lusa, dos 10 hostels da cidade com maior pontuação no Booking.com – uma página na Internet que permite reservar alojamento e na qual os utilizadores podem avaliar os locais onde ficaram hospedados -, oito contam com jovens trabalhadores licenciados em áreas que vão desde a arquitetura, ao design, passando por engenharia, marketing, nutrição, educação, sociologia ou multimédia.
Para todos, o turismo vai servindo de “solução temporária”. É este o caso de Daniela Martins, licenciada em Ciência e Tecnologia do Ambiente que, para fugir ao desemprego, concilia um part-time num hostel com o trabalho numa empresa de free walking tours – visitas turísticas gratuitas, que se baseiam num sistema de gorjetas.
“Comecei a fazer tours um ano depois de me licenciar, quando vi que os currículos que enviava na minha área não mereciam qualquer resposta. Como estava à vontade no inglês e no espanhol, encarei isto como uma forma de ganhar algum dinheiro”, conta, garantindo que não quer “viver do turismo para o resto da vida”.
O caso da Pancho Tours, a empresa para que Daniela trabalha, em funcionamento no Porto desde 2009, é paradigmático: em sete guias, seis têm formação superior e destes apenas uma estudou turismo.
Uma situação que merece críticas aos guias profissionais. “Fiz um curso de três anos, passei um verão inteiro a estudar para o exame e agora vêm estes meninos tirar-nos trabalho”, lamenta Joana Rocha Leite, guia profissional a tempo inteiro desde 1988, pedindo que algo “seja feito” para corrigir a situação.
Apontando o dedo ao facto de estes “concorrentes” não pagarem impostos, a profissional de turismo não poupa críticas aos “jovens que agora acham que o turismo os pode salvar”: “Às vezes são eles que trabalham e nós ficamos em casa, sobretudo em época baixa.”
De acordo com números da Associação de Turismo do Porto e Norte, a hotelaria do concelho registou, em 2013, perto de 2,5 milhões de dormidas, um número que representa um aumento de mais de 100% face aos valores de 2004 (pouco mais de um milhão de dormidas).