António Costa disse, desdisse, e deixou o assunto a ferver em lume alto. Num curto discurso natalício que fez aos deputados da sua bancada, o líder do PS recordou os tempos do Bloco Central, liderado por Mário Soares na década de 80 em coligação com o PSD. Uma evocação que, disse depois, serviu apenas para elogiar o histórico socialista, mas que foi interpretada como uma abertura de portas a essa fórmula tabu de entendimento político. Entre os socialistas, no entanto, há mesmo quem não exclua essa hipótese, caso venha a haver uma “mudança no PSD”. Mas para já o PS mantém-se na linha reta rumo à maioria absoluta, e não quer falar em desvios. “Para quê falar de um plano B quando o plano A ainda está em marcha?”, pergunta Miranda Calha.
Uma mudança na liderança do PSD pode ser o suficiente para o cenário de um governo de bloco central, como o que houve entre 1983 e 1985, ser posto em cima da mesa caso o PS venha a ganhar as legislativas de 2015 sem maioria absoluta. Para o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, com a atual liderança do PSD as condições para esse tipo de entendimento são “zero”, o que não quer dizer que continuem a ser nulas se não houver alguma mudança política naquele partido.
“Se houver uma mudança na liderança pode ser que haja outro tipo de condições para conversar”, disse ao Observador o deputado socialista. Mas para já não: “impossível”. Para Sousa Pinto, “o que não pode acontecer é as pessoas votarem no PS e depois o PS acabar a fazer um acordo com os mesmos que governaram nestes quatro anos”. Ou seja, um entendimento com o PSD tal como está é impossível, mas a porta fica entreaberta para a eventualidade de uma mudança.
Nem todos, no entanto, querem deixar a porta entreaberta. Não por a querem fechar, apenas por dizerem que, para já, essa é a porta errada. “O caminho não é esse, o caminho é apenas a maioria absoluta, tudo o resto é especulação”, defende ao Observador o socialista e vice-presidente da Assembleia da República Miranda Calha, recusando-se a falar daquilo que dominou ser o “plano B”, isto é, o plano que terá de ser traçado no caso de o PS vencer as legislativas de 2015 mas sem maioria absoluta.
“Para quê falar de um plano B quando plano A ainda está em marcha?”, questiona Miranda Calha, recusando-se a tecer considerações sobre a possibilidade de haver um governo PS/PSD.
O coro socialista vai no sentido de que António Costa já “esclareceu tudo o que havia para esclarecer” sobre a polémica recordação do Bloco Central. “Foi só no sentido de elogiar Mário Soares, pela ocasião dos seus 90 anos, e os governos patrióticos que encabeçou, mesmo em coligação com o PSD ou o CDS, nos períodos mais difíceis para o país”, afirma Miranda Calha.
O mesmo defende Vieira da Silva, responsável da bancada socialista pelos assuntos económicos, para quem o “plano” continua a ser “a maioria absoluta e o diálogo com todos” – parceiros sociais e partidos. Ou seja, o caminho não é por aí, dizem. Mas se for, nem a porta do Bloco Central deixam fechada.
Na semana passada, Costa teve um encontro com Passos Coelho em S. Bento e, à saída, destacou a importância de se estabelecerem pontes e consensos, mas só depois das eleições legislativas. “Como diz o povo há vários caminhos para chegar a Roma e é natural que as diferentes forças políticas proponham diferentes caminhos para alcançar cada um dos objetivos, mas era desejável que o país pudesse ter objetivos comuns – e essa é uma diferença que neste momento existe e que é um fosso entre a alternativa proposta pelo PS e aquilo que tem sido a política deste Governo”, disse, acrescentando que a procura desse objetivo comum deve ser feita após as próximas eleições legislativas. “Os portugueses saberão julgar qual o melhor caminho e é sobre julgamento dos portugueses que se tem de construir uma estratégia comum”, acrescentou.
Há um mês, contudo, o mesmo Costa estava a ser acusado, mesmo no seu partido, de “esquerdização”. No congresso do partido, em novembro, encerrou os trabalhos com um discurso crítico para a maioria do Governo e de aproximação à esquerda que foi muito criticado. Os mais próximos de Costa diziam que tinha sido apenas um ataque mais veemente à direita do que um virar à esquerda e que, à medida que se aproximariam as eleições legislativas, o secretário-geral haveria de falar cada vez mais para o centrão – a entidade que em linguagem eleitoral significa a franja que determina as maiorias absolutas pois corresponde aos eleitores que mais facilmente mudam de orientação de voto. O próprio Costa acabou por dizer ao Expresso que a análise lhe dava vontade de rir.