O investimento público no projeto de uma rede alta velocidade ferroviária (TGV) ascendeu a cerca de 153 milhões de euros, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas divulgado nesta segunda-feira. A maior fatia, de 120 milhões de euros, corresponde à contratação externa de estudos e consultorias ao longo de 12 anos. A este montante somam-se 32,9 milhões de euros de custos de funcionamento da Rede de Alta Velocidade Ferroviária (RAVE), empresa pública criada para desenvolver o projeto e que se encontra em liquidação. Esta soma ainda não inclui o pagamento dos pedidos de indemnização dos privados.
Para além desta fatura, o Estado foi ainda confrontado com pedidos de indemnização por parte de grupos privados que participaram em concursos entretanto anulados. Os pedidos de indemnização dos concorrentes privados ao TGV somam cerca de 200 milhões de euros. Até agora o Estado pagou cerca de 12,2 milhões de euros, o que eleva os custos com o TGV a 165 milhões de euros.
O projeto do TGV foi cancelado ainda antes de se iniciarem as obras. O contrato para o primeiro troço da linha Lisboa/Madrid, entre Poceirão e Caia foi assinado em 2010 durante o governo de José Sócrates, mas foi anulado em 2012 depois do Tribunal de Contas ter recusado dar o visto e já por decisão do atual governo.
Antes tinha sido anulado o concurso para o eixo Lisboa/Poceirão, que incluía a terceira travessia do Tejo, o que suscitou pedidos de indemnização de 29,4 milhões de euros. No contrato já assinado, o Estado corre o risco de ter de assumir responsabilidade civil na sequência do pedido de indemnização apresentado pelo consórcio privado Elos. Nas contas dos impactos financeiros, a auditoria refere, ainda, o financiamento de 599 milhões de euros concedido a este contrato e que foi transferido para a Parpública, bem como os custos associados ao swap que cobria este empréstimo.
O pedido de indemnização mais elevado, no valor de 168,8 milhões de euros, foi apresentado pela Elos e está para decisão em Tribunal Arbitral. A Tavetejo, candidato mais bem classificado no concurso para a terceira travessia do Tejo, colocou uma ação contra o Estado em que pede 11,9 milhões de euros.
Estado não comprovou que projecto era comportável antes de o lançar
O projeto do TGV previa a construção de um total de quatro linhas das quais três previam ligações a Espanha. De acordo com o Tribunal de Contas, “o modelo para a implementação da rede ferroviária de alta velocidade em Portugal, sem paralelo em termos internacionais, assentava em seis contratos PPP (Parcerias Público Privadas) – quatro para linhas, um para o material circulante e outro para a sinalização e telecomunicações – cujos encargos para os parceiros públicos ascenderiam a 11,6 mil milhões de euros”. Este montante inclui o esforço direto do Estado, mas também uma fatia substancial de fundos comunitários que também financiaram parte dos estudos contratados externamente.
A auditoria a este projeto conclui que foi “iniciado sem ser possível aferir o custo-benefício para Portugal e o Estado não comprovou, perante o Tribunal, a comportabilidade dos encargos que decorriam do único contrato PPP assinado e ao qual foi recusado o visto prévio”.
O projeto do TGV começou a ser equacionado na viragem do milénio ainda sob o governo de António Guterres, quando começaram os estudos e foi constituída a RAVE, empresa controlada pela Refer que tinha como missão desenvolver a rede. Mas só no executivo Durão Barroso, na cimeira de 2003 da Figueira da Foz, é que foi possível chegar a um acordo com Espanha relativamente ao traçado que iria ligar Lisboa a Madrid, e que teria passagem por Elvas como exigia Madrid. Na altura foram aprovadas quatro linhas: Lisboa/Porto, Lisboa/Madrid, Porto/Vigo e Porto/Aveiro/Salamanca.
Excesso de otimismo e estudos de viabilidade desatualizados
O TGV foi objeto de decisão política e definição do modelo de negócio em 2006, no primeiro governo de José Sócrates, tendo ficado decidido que a primeira linha a avançar seria Lisboa/Madrid, seguida do Lisboa/Porto. O calendário inicial previa o lançamento de seis PPP com um intervalo de um ano, sem que tivesse sido obtida a experiência da execução inicial de um concurso. Perante a complexidade e a falta de experiência, o Tribunal conclui que houve “algum excesso de otimismo”.
A auditoria conclui ainda que os estudos preliminares demonstraram que o investimento não tinha viabilidade financeira. Apesar das generosas comparticipações de fundos comunitários na fase de investimento, na fase de operação o Estado teria de assumir o défice de exploração, assegurando a remuneração dos privados, através da CP e da Refer, duas empresas já altamente deficitárias.
Apesar da existência de estudos prévios de procura e análise custo-benefício que sustentavam a natureza estratégica do projeto, o Tribunal sublinha que a “atualidade das conclusões de tais estudos foi posta em causa quer pela conjuntura económica superveniente e pelos respetivos pressupostos metodológicos, quer pelos eventos supervenientes, como as derrapagens de prazos e o cancelamento de procedimentos de contratação do PAV (Projeto de Alta Velocidade)”.
A alta velocidade entre Lisboa/Madrid foi substituída pelo projeto de uma linha de mercadorias que ligará Sines a Espanha, aproveitando o traçado original que passa por Elvas. O investimento a cargo da Refer foi reduzido para cerca 764 milhões de euros e faz parte do Plano de Estratégico de Transportes e Infraestruturas com data prevista de lançamento para 2016.