“Estas hormonas deixam-me louca!”. Quantas vezes já pensou ou disse isto? Ser mulher não é fácil, que o diga a ginecologista e obstetra Marcela Forjaz, responsável pelo livro que roubou o título à referida expressão feminina. Em quase 200 páginas, Forjaz explica as influências das hormonas nas diferentes fases da vida de uma mulher, desde a temida adolescência, na qual as miúdas se comparam umas às outras, à menopausa, estigmatizada por questões culturais e familiares, passando ainda pelo normal quotidiano feminino.

“Só se deixarmos é que as hormonas podem ser nossas inimigas”, diz em entrevista ao Observador a também autora das obras Entre Barrigas, publicada em 2008, e Nunca Unca, um ano depois (ambas redigidas em parceria). Apesar de serem desculpa para muita coisa, como falhas de memória e de concentração, o importante é saber como encarar as hormonas numa base diária. Isto é, aprender a lidar com as alterações físicas e psicológicas que afetam a condição feminina.

Ter paciência parece ser o segredo. O conselho aplica-se tanto às mulheres como aos homens que as acompanham: “Eles não precisam de saber muito sobre as hormonas, só de nos saber ouvir. Estar atentos às mensagens que emitimos e que às vezes não são verbais, mas sim faciais — como o comportamento corporal ou o tom de voz. (…) Se eles estiverem verdadeiramente interessados, vão estar atentos. Para bem deles…”. Ainda assim, a ideia principal a reter é só uma: ” Não se deixe regular pelas hormonas, nós é que mandamos!”, apela Marcela Forjaz.

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Capa do livro “Estas hormonas deixam-me louca!” / Esfera dos Livros

– Que tipo de respostas é que as leitoras vão encontrar neste livro?
O livro tenta ser um pouco abrangente. Quando começamos a falar em hormonas apanhamos toda a evolução de uma mulher: desde a vida intrauterina, na fase embrionária, à puberdade e até ao período pós-menopausa. A ideia foi chegar um pouco a todas e ver, em cada fase da vida, o que é que preocupa a mulher, além de dar respostas de uma forma simplificada. Chegar, sobretudo, à conclusão de quais são os efeitos das hormonas e se haverá alguma forma de ultrapassar esses efeitos.

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– As hormonas podem servir de desculpa para quê?
Se nós quisermos, podem servir de desculpa para quase tudo, desde de falhar em questões de memória e de concentração até à perda de urina, considerando uma mulher que está grávida. Quase tudo serve para desculpar. Agora, nós somos racionais o suficiente para ultrapassar essas coisas. Usar as hormonas como desculpa uma ou duas vezes pega. Mas se isso acontece é porque elas andam aí, pelo que temos de saber controlar e lidar com essa situação e não deixar que elas comandem a nossa vida.

– Qual cenário associado a desequilíbrio hormonal?
Tem sobretudo que ver com oscilações de peso, ou magras de mais ou gordas de mais, e sobretudo quando isto acontece rápido de mais. As oscilações de peso são as alterações mais emblemáticas na mulher, assim como o aspeto – o acne e o pelo a mais nas zonas onde não é suposto, com uma distribuição masculina. Pelo na cara não é suposto, nem a meio da barriga ou das costas. Aí é preciso pedir ajuda.

– E o que acontece a nível psicológico?
Penso que pode ser mais uma resposta exagerada às alterações hormonais próprias dessa fase.

– Que decisões é que não podemos tomar nessas alturas?
Nós como vítimas dessas alterações? Se uma mulher tem a perceção de que realmente esse tipo de alterações mexe muito consigo e que vai para o trabalho sem paciência, não vai tomar nenhuma decisão importante nesse dia. Temos de sensibilizar os outros para que também tenham paciência connosco. Quando ela chega a casa e diz para o parceiro “Olha, hoje não me digas nada”, é melhor ele levar aquilo a sério. Se por algum motivo a relação já está um pouco instável, isso pode agravar estupidamente. E não é necessário. É melhor estar atento às mensagens que ela emite.

– O que é que eles, homens, precisam de saber sobre as hormonas femininas?
Eles não precisam de saber muito sobre as hormonas, só de nos saber ouvir. Estar atentos às mensagens que emitimos e que às vezes não são verbais, mas sim faciais — como o comportamento corporal. Às vezes uma mulher sente-se verdadeiramente miserável com o período e é incapaz de exibir aquele sorriso que a caracteriza. Se eles estiverem atentos, vão saber que aquele não é o dia para falarem da conta que ela se esqueceu de pagar. Pagam e calam-se. Passados alguns dias dizem, “Querida, esqueceste-te de pagar a conta da água”. Se eles estiverem verdadeiramente interessados, vão estar atentos. Para bem deles…

– Os homens também sofrem com as hormonas?
Também hão de sofrer, sobretudo com as oscilações de tiróide, de testosterona. Para os homens as preocupações também têm que ver com o seu aspeto externo; não está descrito tanto a alteração no humor, mas sim o cansaço mais generalizado.

– Como é a puberdade no masculino?
Não é muito fácil. As alterações no corpo do homem também acontecem de uma maneira rápida. Há uma fase incipiente, em que aparece um pelo ali, outro acolá. De repente, eles olham-se e sentem-se ridículos: têm os testículos enormes e uma pilinha pequena. Não é fácil lidar com isso no balneário de uma piscina. Ou, então, têm os braços enormes e o tronco esqueceu-se de crescer. Estas assimetrias causam transtorno. Eles sentem-se feios e desajeitados. Mudam de voz e têm medo que se note a diferença.

– Quais são os grandes momentos em que as mulheres são mais afetadas pelas hormonas?
Diria que os grandes momentos são a puberdade (adolescência), quando a mulher é menstruada pela primeira vez, a fase em que é mãe (maternidade e pós-parto) e, finalmente, a menopausa. São os três grandes pontos de viragem na vida de uma mulher.

Na puberdade e na adolescência a grande dúvida é se o desenvolvimento está a ser normal, se as hormonas e as respostas que provocam são adequadas. As miúdas comparam o seu desenvolvimento com as amigas — “A minha amiga já tem maminhas e eu ainda não” ou “A minha amiga já tem o período e eu ainda não”. Nesta fase há uma transformação brutal, elas deixam de ser meninas com um corpo quase indiferenciado e passam a uma forma definida, do ponto do ponto de vista emocional e psicológico. Elas começam a olhar para os rapazes — caso sejam heterossexuais — com outro interesse, de outra forma. Já não é só o companheiro de jogos.

– Que conselho dá para que mães e filhas ultrapassem melhor esta fase?
Há adolescentes que lidam muito bem com a transformação, que desvalorizam os desconfortos. Há umas que pensam que é transitório, não dão grande importância, e há outras que fazem disso um drama horrível, pelo que cabe à família, e eventualmente à mãe, desdramatizar e explicar como as coisas são. Utilizar aspetos práticos da vida comum para desvalorizar e ajudá-las a ultrapassar essas dificuldades. Depois, uma coisa é ter uma ou duas borbulhas, outra é uma miúda cheia de acne — aí a família tem de estar atenta e procurar ajuda. Embora o acne possa ser uma resposta a uma leve disfunção hormonal, ele dura e perturba a imagem que a pessoa tem de si e a sua autoestima. Nessa altura parece que são só as hormonas que mandam, há qualquer coisa que está a mandar no corpo da rapariga que ela não o consegue controlar.

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Marcela Forjaz / D.R

– Qual o poder das hormonas na fase da gravidez?
Está tudo muito amplificado. A concentração de hormonas aumenta exponencialmente de uma forma natural — há mais órgãos a produzir hormonas e isso tem efeitos. Se por um lado são efeitos bons, como deprimir o sistema imunitário da grávida, no sentido em que esta fica recetiva ao bebé e não o encara como um ente estranho, por outro… sinceramente, deixá-la incontinente? É de deixar alguém doido.

– Há mais consequências nesta fase?
Há imensas: incontinência urinária, o intestino que se esquece de funcionar, a azia e a regurgitação, dado que as hormonas agem diretamente na ligação entre o esófago e o estômago. Há alterações ao nível da memória e da concentração. Para quê fazer-nos mais distraídas? Para nos preocuparmos menos? Quem sabe…

– Nesta fase os homens são capazes de perceber que muitas das mudanças na companheira advêm das hormonas?
Eu acho que, hoje em dia, eles já estão muito informados e pensam nisso. Mas uma coisa é perceber e outra é aceitar. É preciso muita paciência, a palavra-chave é paciência. E, às vezes, pensarem duas vezes antes de falar. Os casais chegam à consulta e são eles que se queixam; pergunto à mãe “Então, tem queixas?” e eles quase que põem o dedinho no ar, “Ela não, mas eu sim”. As queixas que eles fazem têm mais que ver com alterações de humor e a intolerância. Quando se fala em alterações de humor não é a grávida estar sempre maldisposta ou aborrecida, até porque ela tem momentos de extrema felicidade e contemplação do seu próprio estado. Mas é mesmo isso, as mudanças súbitas. O homem chega a casa e acha que vai encontrar a mulher toda satisfeita da vida… até encontra, nos primeiros cinco minutos. Depois, há qualquer coisa que faz despoletar uma discussão brava.

– E na menopausa, o que acontece?
Aqui a influência cultural e familiar é muito importante, e são precisos mecanismos de censura e de autocontrole, como se tivéssemos um “eu” externo que estivesse a olhar para nós e a dizer para não fazermos de determinada situação um drama. “Tenho afrontamentos”, posso fazer disso um drama ou, então, aproveitar que já não tenho frio e deixar de me preocupar se os outros reparam ou não se estou vermelha. Esta já é a parte cultural. A hormona fez o estrago à mesma, deu o afrontamento. Tem que ver com a forma como a mulher lida com isso.

– A nível psicológico o que é que muda na mulher na menopausa?
Pode não mudar nada, está relacionado com a forma como ela lida com a vida. Temos um leque imenso de reações a essa fase. Há o extremo negativo, em que a mulher fica deprimida porque acha que deixou de ser mulher, já não é fértil e, embora ela não quisesse ter mais filhos, isso fá-la sentir-se diminuída. Este é o extremo negativo: a mulher deprime, a autoestima vai por ali a baixo e ela encara muito mal esta fase da vida. Vamos ao extremo positivo: “Estou na menopausa, já não engravido, já não tenho a porcaria dos pensos mensais, estou livre e vou gozar a vida”. Como é que se caminha de um extremo para o outro? Com a autocensura, a herança cultural e familiar. O mecanismo de autocensura é não deixarmos que essas alterações nos afetem muito. É um facto que a mulher também pode ter alterações de humor: a tendência é para colegas de trabalho, sobretudo os homens, desvalorizarem — “Ela está assim porque está na menopausa”. Tenho ouvido essas queixas na minha prática clínica. A pessoa sente que está a passar o prazo.

– Num contexto geral, há mulheres que podem não ter noção de que são as hormonas a falar?
Sim, embora eu ache que hoje em dia estamos muito mais observadoras, percebemos que há um padrão. Mesmo que as mulheres não tenham uma consciência real, elas dizem “Não sei o que se passa comigo” e “Antes do período acontece-me isto”. Aquele famoso síndrome pré-menstrual é um exemplo disso. Podem não ter uma noção muito objetiva, mas acabam por perceber que há um padrão.

– Há mulheres imunes às influências das hormonas?
Acredito que sim. Em determinadas fases da vida, em que poderiam estar sujeitas a essas alterações. Mas na puberdade ninguém é imune, as transformações são físicas. Na maternidade, sim, pode acontecer. Tem muito que ver com a atitude da mulher perante a vida e a forma como encara acontecimentos desfavoráveis e como curte os favoráveis. Fora da maternidade, há mulheres que não sabem durante uma vida inteira o que é o síndrome pré-menstrual. É uma questão biológica e sempre psicológica.

– Quais os mitos associados às hormonas?
Os mitos têm mais que ver com a parte menstrual. Os que encontro no dia a dia é a mulher que não lava a cabeça porque está menstruada — havia a explicação de que o sangue subia à cabeça, não me pergunte como! — e a que não faz o bolo porque as claras não sobem quando ela as bate… Há uma série de mitos que penso estarem relacionados com uma coisa muito ancestral, da mulher estar impura quando está com o período.

– Afinal, o que é que as hormonas têm de bom?
Nós temos hormonas que nos vocacionam para o amor. Não falo só do amor entre homem e mulher, mas também daquele relacionado com crianças, amigos e colegas de trabalho. Há hormonas que nos dão bem-estar e que nos tornam recetivas para ouvir o outro, para sermos empáticas e que nos facilitam o dia a dia. As hormonas dão-nos uma espécie de cio mensal e, de facto, a meio do ciclo há uma altura em que nos tornam mais propensas ao amor físico e isso deve ser aproveitado. As hormonas fazem-nos giras. Dão-nos formas giras ou que a sociedade assim o entendeu. Fazem-nos giras e sedutoras.

– As nossas hormonas são nossas amigas ou inimigas?
Só se deixarmos é que podem ser inimigas. Um conselho? Não se deixe regular pelas hormonas, nós é que mandamos.