Depois da reforma judiciária, o Estatuto da Ordem dos Advogados (OA). A bastonária da OA, Elina Fraga, não perdoa que a ministra da Justiça “não tenha ouvido” a classe na proposta de alteração dos estatutos e diz que vai pedir ao Presidente da República, por intermédio do primeiro-ministro, que exonere Paula Teixeira Cruz. A guerra aberta entre OA e MJ já fez, pelo menos, alguns aliados: todos os órgãos que compõem a OA, e que são dirigidos por opositores à bastonária, uniram-se esta quinta-feira para mostrar à comunicação social que estão juntos nesta “luta”.
“Pelo menos a ministra conseguiu que todos nos uníssemos”, diz Elina Fraga já no final da conferência e depois de receber um abraço do presidente do Conselho de Deontologia, Rui Santos. O que a bastonária não conseguiu da ministra, e foi isso que a levou a chamar os jornalistas, foi um período de tempo mais alargado para apresentar uma contraproposta aos estatutos pensados por Paula Teixeira Cruz. “A rutura da Ordem dos Advogados com o Ministério da Justiça dá-se neste momento”, anunciou.
Nas suas palavras, a cópia da proposta chegou à OA a 5 de janeiro e a exposição de motivos a 12, dando o MJ dez dias à OA para se pronunciar. “Só conta a partir do dia 12, por isso teríamos até 22”. A OA pediu uma prorrogação do prazo, e a ministra da Justiça deu-lhe mais cinco dias.
“Um assunto desta complexidade tem que ser debatido em assembleia geral. E esta tem que ser convocada com a antecedência mínima de 30 dias”.
Ao Observador, fonte oficial do Ministério da Justiça disse que já em abril do ano passado essa hipótese tinha sido dada à OA, quando esta foi chamada a pronunciar-se em duas reuniões.
“A proposta resultante de tal processo de negociação foi objeto de nova revisão técnica pelos serviços do Ministério da Justiça, após o que, foi cumprida a obrigação de consulta formal designadamente da Ordem dos Advogados, no âmbito de consulta direta veiculada por ofício, de 31/12/2014, enviado e recebido, por correio eletrónico, nessa mesma data”, refere o Ministério da Justiça.
Elina Fraga diz que foi, sim, chamada a participar nessas reuniões, mas que estas aconteceram “uma semana antes” de a troika vir a Portugal. A ideia seria entregar a proposta à troika – que já tinha exigido a alteração dos estatutos. “Apesar de termos pedido várias vezes esse texto, ele nunca nos chegou”, refere a bastonária.
O ministério de Paula Teixeira Cruz refere, por seu turno, que prorrogou o prazo, agora em janeiro, e que até ao 27 de janeiro não foram “rececionados quaisquer contributos relativamente ao referido diploma por parte da Ordem dos Advogados”, disse em resposta ao Observador.
A guerra entre Elina Fraga e Paula Teixeira Cruz não é nova. E agravou-se a propósito do novo mapa judiciário e de uma queixa-crime apresentada pela OA contra a ministra. “A senhora ministra tem que aceitar essa queixa porque é um direito nosso. A senhora ministra julga que ainda está sentada no seu escritório de advogada?”, interrogou Elina Fraga, pouco depois de dizer não estar “em conflito com ninguém”.
Mas, afinal, o que é a OA critica?
Além de não ter sido ouvida, a OA encontrou vários “erros, omissões e deficiências” na proposta que o governo quer levar para discussão na Assembleia da República. E mesmo sem o aval da ministra, a OA quer entregar uma ‘contraproposta’ já no dia 28 de fevereiro. As principais críticas:
1. A reestruturação das representações da OA obriga a passar das atuais 221 delegações existentes a 14 “pretendendo afastar os cidadãos dos advogados”.
2. Apesar de no elenco das profissões incompatíveis com as de advogado passar a integrar o cargo de vereador, continua sem constar o cargo de deputado. “Um deputado vai continuar a poder atender um cliente de manhã e a votar uma lei que o favoreça à tarde”, critica Elina Fraga.
3. “Ambiguidades relativamente às eleições dos órgãos”.
4. Há crimes previstos na lei que são “tipos legais de crimes” que não existem na nossa ordem jurídica.
5. Há remissões para artigos que não existem.
7 mudanças da proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados
1. Introduzida a figura do “Referendo“, que permite aos advogados serem chamados a pronunciar-se a nível nacional e a título vinculativo ou consultivo sobre os assuntos de competência da Assembleia Geral, do Bastonário ou do Conselho Geral.
2. Criação de um Conselho Fiscal para controlar a gestão financeira da OA. Será composto por um presidente, dois vogais e um revisor de contas.
3. Criação de um Provedor dos Clientes para analisar as queixas apresentadas pelos “destinatários dos serviços” de advocacia, ou seja, os clientes. Pode ser exercido por um advogado, mas este tem que suspender a cédula profissional.
4. Advogados que se autointitulem “especialistas” em determinados ramos de Direito, só com o reconhecimento da OA.
5. Mudanças na responsabilidade disciplinar dos advogados: antes o processo disciplinar estava dependente do processo-crime, com o novo estatuto, se não houver acusação ou pronúncia num prazo de 18 meses, a Ordem pode conduzir o processo disciplinar e apurar por si os factos. Por outro lado, o prazo de prescrição de um processo disciplinar passa de cinco para três anos.
6. O não pagamento de quotas por mais de 12 meses dará sanção disciplinar e suspensão de funções.
7. O período máximo de estágio passa a ser de 18 meses, em vez de 24 meses