Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. Sim, porque já vão uns quantos. Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro faz 30 anos. São três décadas de vida, pontapés, sprints, fintas e golos, muitos, mas mesmo muitos, golos. E títulos também. Na Madeira o português nasceu para, hoje, ter números que não são de Portugal, nem deste planeta. São 463 golos em 722 jogos (51 pela seleção nacional), duas Ligas dos Campeões e, ao todo, 17 medalhas de títulos conquistados. É muito. Como o são as três Bolas de Ouro que o português tem em casa, ou no museu.
Tudo isto com três décadas de vida e uma bola de futebol a fazer-lhe companhia. Aos 30 anos, Ronaldo está no auge e o último prémio da FIFA que lhe piscou o olho — e o distinguiu, pela terceira vez, como o melhor jogador do mundo –, ajudou a prová-lo. E a puxá-lo para o mesmo andar do arranha-céus onde, antes, só estavam quatro europeus. Cristiano igualou os holandeses Johan Cruyff e Marco Van Basten, além dos franceses Michel Platini e Zinedine Zidane. Também eles foram considerados os melhores em tempos, e por três vezes — fosse pela revista France Football, que até 2010 atribuiu, sozinha, a Bola de Ouro, ou pela FIFA, que desde 1991 e até há cinco anos tinha um prémio para o Melhor Jogador do Mundo. Eles, e Ronaldo, chegaram a um patamar de monstros.
O português lá chegou a um mês de cumprir 30 anos. Com a idade que, em Portugal, dá direito a começar a ser visto como um jogador velho, já a afastar-se do auge e a caminhar para o fim das futeboladas. Mas não. Cristiano nunca marcou tanto, assistiu tanto ou ganhou tanto. Aos 30 continua a abrir e a prometer que a sua aventura, a de querer ser o melhor futebolista de sempre, ainda não terminou.
O Observador, por isso, quis lembrar como estavam, aos 30 anos de idade, os outros quatro jogadores europeus que colheram três distinções de melhor jogador do mundo na carreira e ver como se comparam ao que Cristiano já fez. E a conclusão diz que o português só perder numa coisa — no que não fez com a seleção nacional.
Johan Cruyff
Foi cedo, bem cedo, que a 7 de julho de 1974, a bola chegou aos pés do holandês, capitão, que vestia o número 14. Nem um minuto de jogo havia e alguém passara a bola a Johan Cruyff, na final do Campeonato do Mundo. Estava quase na linha do meio e era o holandês (fora o guarda-redes) que mais recuado estava no relvado. Dominou a bola, olhou em frente, levou-a a passear numa corrida, travou, acelerou de novo e, só assim, a enganar com o corpo, passou por três alemães. Até pelo último, que ousou rasteirá-lo e, do nada, dar-lhe um penálti. Do nada, a final do Mundial já tinha um penálti inventado por um génio.
Cruyff levava até aos pés o que a cabeça pensava. Fazia-o bem, tão bem que, na década de 60 e 70, foi o maestro de uma geração que deu Mecânica a uma Holanda e futebol total ao Ajax e, depois, ao Barcelona. Ali, em 1974, Johan tinha 26 anos e, talvez pelos três golos que deixou no Mundial e por esta jogada, a primeira da tal final, ia a caminho da terceira Bola de Ouro da France Football — vencera já em 1971 e 1973. Também foi aí, no Mundial da Alemanha, que contorceu o corpo, enganou um sueco, fê-lo de parvo e mostrou ao mundo uma finta que seria batizada com o seu nome: a “Volta de Cruyff“.
http://youtu.be/KmhvplR9LB0?t=11m9s
Mas estes foram momentos. Em abril de 1977, na penúltima época que faria com o Barcelona, e quando a idade deu 30 anos ao holandês, Cruyff já tinha tocado em tudo. Em títulos. Entre 1971 e 1973, conquistou três Ligas dos Campeões seguidas com o Ajax, equipa com que também venceu seis campeonatos holandeses, uma Super Taça europeia e a Taça Intercontinental. Não parava. E não parou em Espanha, onde liderou um Barça que não caía no goto da ditadura de Franco a uma manita (5-0) contra o Real Madrid, no Bernabéu — em 1974, ano no qual conquistaria a liga espanhola.
Cruyff era um artista, um génio a quem as mais difíceis coisas pareciam sair de forma simples. E natural. “Jogar futebol é muito simples, mas jogá-lo de forma simples é a coisa mais difícil que há”, chegou a dizer, quando já era treinador. Nele, contudo, tudo parecia fácil.
Marco Van Basten
Acabou. Silêncio e respirar fundo…. Aos 30 anos, Marco Van Basten pendurou as botas. Bom, na verdade foi aos 28. Vinte e oito, senhoras e senhores. O holandês esteve dois anos a lutar contra a teimosa lesão no tornozelo que o atormentou desde que aterrou em Milão. Mas a lesão, essa maldita, venceria em agosto de 1995. Finito.
Há histórias, como a de Marco, que se podem dar ao luxo de serem curtas. É que ele teve de inventar uma maneira de ficar na história do futebol até aos 28 anos. E conseguiu. Ora vejamos: um Campeonato da Europa (88), três Ligas dos Campeões (89, 90 e 94), duas Intercontinentais (89 e 90), três Supertaças Europeias (89, 90 e 94), mais três Ligas Holandesas e quatro troféus da Series A (etc!). A este regabofe de canecos juntou-lhe três Bolas de Ouro (88, 89 e 92).
As lendas vivem dos troféus, sim, mas quase todos eles têm um momento. Aquele momento. Maradona virou do avesso a armada inglesa. Gordon Banks travou o cabeceamento espetacular de Pelé. Ronaldo “Fenómeno” fintou a equipa inteira do Santiago de Compostela — ou contra o Valência, que até fez Bobby Robson levar as mãos à cabeça). Roberto Carlos marcou aquele golaço de livre direto… Van Basten teve o seu momento mágico-surreal na final do Campeonato da Europa de 1988. O rival era a URSS do senhor Valeri Lobanovsky. Numa espécie de “Master and Commander”, também do outro lado havia um comandante genial: Rinus Michels, o pai do “Futebol Total” e da Laranja Mecânica.
Tudo aconteceu quando Tiggelen se antecipou e roubou a bola aos soviéticos. Sobravam metros e mais metros para galgar em território inimigo. Depois passou para Arnold Mürhen, o camisola 8, que entrava pelo lado esquerdo. O canhoto sacou um cruzamento largo, daqueles que prometem sair, desaproveitados. Van Basten, naquela loucura muito típica dos grandes avançados (que acham que conseguem tudo), acreditou e posicionou-se. Quase sem ângulo, no ar, mandou uma charutada com pó de pirlimpimpim.
Os cerca de 72 mil adeptos no Olímpico de Munique só podem ter ficado de boca aberta. Como era possível?! “Não foi sorte porque ele o fez!”, disse Rijkaard à Sky Sports. Koeman, ainda indignado passados tantos anos, afirmou que “não se pode chutar daquele ângulo”. Não se faz, Marco. Já Ruud Gullit, sorridente e com os pés no chão, foi mauzinho: “A bola ia muito alta, muito mesmo. Ele pode tentar mais um milhão de vezes que não marca outra vez…”
Michel Platini
Era um génio da simplicidade. Tocava, aparecia no espaço, isolava os outros e tinha uma frieza olímpica na hora de rematar e enganar os guarda-redes. Os livres diretos eram a especialidade do menu. Foi o patrão nos clubes onde passou, o homem que levou todos à glória com ele. Mas, afinal, onde estava este craque com 30 anos? No auge, como Ronaldo. Platini celebrou os 30 anos no verão de 1985, numa altura em que era ele o Bola de Ouro. Acabou o ano em beleza e no seguinte, em janeiro, recebeu mais uma Bola.
Foram três seguidas (83, 84 e 85 — só concorriam europeus), algo que só seria repetido por Messi (2010, 2011 e 2012). Platini é, aliás, a par de Franz Beckenbauer, o jogador que esteve mais vezes no top-3. Foram cinco: esteve perto do céu em 1977 (ficou atrás de Alen Simonsen e Kevin Keegan) e 1980 (Rummenigge e Schuster).
O bichinho pela bola ganhou-o no café da família com mistura italiana, em Jouef, onde os clientes só sabiam falar daquilo. O pai, Aldo, fora jogador profissional de futebol. O destino parecia traçado. E lá foi ele para a equipa da terra. A transferência para o Metz, quando ainda era adolescente, só falhou porque lhe diagnosticaram “um coração fraco”, como se pode ver aqui neste documentário.
Agradeceu o Nancy, que lhe deu a mão. Depois é historinha, como se costuma dizer. O mais importante troféu da carreira deste modesto clube foi conquistado em 1978: Taça de França contra o Nice. Quem resolveu e levantou o caneco como capitão? Pois… Foi também o primeiro troféu dele. Ganhou 13.
“Era um deus do futebol que por acaso jogava no Nancy”, foi assim que o descreveu Jean-Michel Moutier, um guarda-redes que esteve no clube entre 1972 e 1984. “Vi-o muito jovem no Nancy e via-se rapidamente que era excecional”, revelou Wenger. Depois já se sabe: campeão no St. Étienne (81) e rei na Juventus, onde conquistou dois campeonatos e resolveu uma Liga dos Campeões, em 85, na tal desgraça de Heysel, em Bruxelas.
Na seleção chegou ao topo rapidamente. E mereceu a braçadeira, aquele singelo objeto que é sinónimo de grandeza. Liderou, inspirou e levou os demais a crer que podiam fazer algo de importante. E assim foi. Falhou a final do Mundial no Espanha-82, naquele famoso duelo contra a Alemanha, no qual Battiston perdeu uns dentes no choque com Schumacher. Mas corrigiu a caminhada: foi campeão europeu em 84, em casa. Platini marcou nove dos 14 golos marcados pela seleção gaulesa. Até fez dois hat-tricks (Bélgica e Jugoslávia), um deles perfeito (pé direito, pé esquerdo e cabeça).
Fechou a última página da carreira aos 32 anos, em 1987. Marcou 312 golos em 580 jogos (41 em 79 pela seleção). Não esquecer: falamos de um número 10 à antiga, que inventava espaço e fazia acontecer. Platini era aquele que fazia o tempo parar. Era um visionário, um romântico na arte do simplificar. E com golo. É isto.
Zinedine Zidane
Se foi possível escrever poesia com os pés, num pedaço de relva e com a bola a servir de caneta, houve um francês, alto e careca, que cedo se tornou poeta. Contra Zinedine Zidane ninguém queria ser ladrão. De 1988 a 2006, uma das tarefas mais difíceis de cumprir, no futebol, era roubar a este gaulês, que tinha os pés afinados para a guardar. “É mais dançarino do que futebolista. Zidane é único, a bola flutua com ele”, chegou a dizer Franz Beckenbauer, o kaiser alemão, sobre quem, com a bola, não tremia. Nunca.
Nem na final de um Mundial, a de 2006, no último jogo da carreira, em que se lembrou de bater um penálti à Panenka com Gianluigi Buffon à frente, na baliza. Ou em 1998, quando na decisão de outro Campeonato do Mundo, e com a cabeça, deu dois golos à França para a tornar campeã. Ou até em 2002, no momento em que Roberto Carlos chutou um balão para a área e Zidane, calmo, o recebeu com um pontapé rotativo, com o pé canhoto, e marcou um golaço que ajudou a dar ao Real Madrid uma Liga dos Campeões.
O gaulês, aí, estava a um mês de soprar 30 velas. De já o passarem a olhar como veterano. E, de repente, ficou com tudo o que um futebolista podia desejar. Juntou essa Champions ao Europeu (2000) e Mundial que já conquistara com a seleção francesa, além do par de distinções de Melhor Jogador do Mundo da FIFA (1998 e 2000), e da Bola de Ouro (1998) da France Football. Tudo com uma subtileza que, um dia, levou Álfredo Di Stéfano a dizer que “parecia ter luvas de seda nos pés”.
Parecia mesmo. Usava e abusava dela para banalizar coisas com a bola que “a maioria [dos jogadores] sonhava em fazer”, como diria Xabi Alonso, espanhol que hoje está no Bayern de Munique. Zidane fez 108 jogos pela seleção gaulesa, marcou 31 golos e distribuiu ao longo dos anos uma finta que, de tanto a usar, ficou conhecida como a sua roleta. Que saudades, Zizou.