Há várias contas a serem feitas nos jornais e certamente nos escritórios que representam os interesses da empresária angolana Isabel dos Santos em Lisboa, desde que o CaixaBank aproveitou o Carnaval para lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre o BPI.
A OPA catalã permite a Isabel dos Santos sair do investimento feito no banco português com um ganho da ordem dos 110 milhões de euros, caso decida alienar ao preço de 1,329 euros por ação. Nada mau, para um investimento feito no setor mais penalizado pela crise financeira.
A contrapartida proposta pelo banco catalão até é inferior ao investimento inicial feito no final de 2008 para entrar no capital do BPI. Na altura, a Santoro, a primeira holding de negócios criada para os investimentos portugueses da filha de José Eduardo dos Santos, gastou 164 milhões de euros para adquirir 9,7% do capital do Banco Português de Investimento.
Isabel dos Santos pagou um prémio em relação à cotação em bolsa do banco para ficar com a participação do BCP. A entrada no capital do BPI foi mais do que um investimento financeiro. Foi coordenada com os principais acionistas do banco no quadro da abertura do capital do BFA (Banco do Fomento Angola) a investidores angolanos. O investimento permitiu a Isabel dos Santos nomear um representante para o conselho de administração do banco, Mário Leite da Silva.
O reforço do investimento no BPI seria feito a um preço muito mais compensador e aproveitando uma oportunidade criada com a saída de um acionista histórico do banco liderado por Fernando Ülrich.
Em plena austeridade da troika, o brasileiro Itaú anuncia a venda da participação de 18,87% em abril de 2012. O lote é adquirido pela CaixaBank por 50 cêntimos a ação, elevando a posição do banco espanhol para quase 50% do capital do BPI. O banco catalão é dispensado de lançar, então, uma OPA sobre o banco português no pressuposto de que iria reduzir, a curto prazo, a sua participação, para além de continuar limitado a 20% dos direitos de voto.
Depois de obtida a “luz verde” do Banco de Portugal, Isabel dos Santos compra mais 9,6% do capital do BPI ao La Caixa a 50 cêntimos por ação, numa transação de 46,7 milhões de euros. A empresária angolana reforça a sua posição para mais de 19% do capital em 2012. No mesmo ano, o BPI lança um aumento de capital reservado aos acionistas com preço de subscrição de 0,50 euros por ação. Isabel dos Santos investe mais 39 milhões para manter uma posição próxima de 19%. O investimento total acumulado é da ordem dos 250 milhões de euros.
A última participação pública da empresária dava-lhe 18,6% do BPI, o equivalente a pouco mais de 270 milhões de ações, o que, ao preço em cima da mesa na OPA espanhola, representaria um encaixe de 360 milhões de euros, ou seja, uma mais-valia da ordem da ordem dos 110 milhões de euros.
Mais capital, mas sobretudo mais votos
Mas estas não serão as únicas contas que interessam ao acionista angolano do BPI, que para já mantém o silêncio sobre a ofensiva catalã. O voto de Isabel dos Santos será, provavelmente, decisivo para o CaixaBank obter aquele que será o seu principal objetivo com a oferta: a desblindagem dos estatutos do banco português. Só assim, pode o investimento económico dos catalães corresponder ao poder de intervir na política do banco. Ainda que o CaixaBank elogie a atual gestão de Fernando Ülrich, a meta desta OPA é alcançar a maioria do capital e o poder de mandar equivalente.
Apesar de ser de longe o maior investidor no BPI, com 44% do capital, o banco catalão só pode votar com 20%, que é quase o mesmo nível de votos da Santoro de Isabel dos Santos. O fim do limite de 20% aos direitos de voto tem de ser aprovado com 75% do capital, com direito de voto. Ora, por estes estatutos, há cerca de 24% do capital detido pelo CaixaBank que não pode votar.
Nesta equação, 100% dos direitos de voto equivalem a 76% do capital, o que dá mais peso à posição da empresária angolana que passa a valer mais de 24%. É quase suficiente para chumbar a desblindagem dos estatutos, mas ainda precisa de alguns pequenos acionistas. E, no caso do BPI, os acionistas com menos de 2% do capital controlam uma fatia superior a 30%. O outro acionista de referência do banco, a Allianz, estará ao lado da CaixaBank.
As contas podem mudar outra vez se o CaixaBank for autorizado a votar com a totalidade do capital, uma vez que o que estará em causa nesta assembleia geral é o fim dos limites aos direitos de voto. A hipótese está a ser equacionada pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) confirmou o Observador.
Angola: o tabu espanhol
Mas o fator que será provavelmente mais importante na avaliação de Isabel dos Santos é o futuro do BFA (Banco de Fomento Angola). A empresária é acionista minoritária de um dos principais bancos de retalho angolanos que é controlado pelo BPI. E se a operação de Angola constituiu, no passado recente, uma lufada de lucros que atenuou os prejuízos da casa-mãe, o BFA transformou-se, recentemente, numa espécie de pesadelo para o banco português.
Ao não dar equivalência à supervisão angolana, enquanto mercado emergente, a regulação europeia impõe um pesado fardo financeiro ao BPI por causa do controlo do BFA e do investimento em dívida pública angolana.
Angola – o parceiro angolano e o banco angolano – é o tema tabu para o CaixaBank. A questão esteve praticamente ausente das declarações do presidente executivo, Isidro Fainé, e da apresentação feita a demonstrar os méritos da oferta sobre o BPI.
O mercado angolano não tem o mesmo interesse estratégico para o banco espanhol e as atenções ao nível do BPI estarão centradas na oferta para a compra do Novo Banco, que exigirá um esforço financeiro dificilmente compatível com a manutenção da aposta em Angola.
O controlo do BFA será uma possível moeda de troca para “comprar” o voto de Isabel dos Santos na desblindagem dos estatutos e uma redução da participação do BPI no banco permitirá reduzir a exposição a Angola. Ainda que esta solução possa garantir o voto da empresária angolana, Isabel dos Santos pode ainda assim optar por permanecer acionista do banco português. Corre, no entanto, o risco de diluir a sua posição se houver um aumento de capital, um cenário que é provável caso o BPI vença a corrida pelo Novo Banco.