Se é verdade que os sistemas de ensino têm feito grandes progressos para reduzir as diferenças de género no desempenho dos estudantes, não é menos verdade que continuam a existir determinantes que acabam por introduzir diferenças de género na educação, na medida em que influenciam o desempenho dos alunos e condicionam as raparigas na hora de escolherem uma profissão. A falta de confiança das raparigas para a matemática e a ciência, os preconceitos dos pais e da sociedade e os métodos de ensino explicam mais estas diferenças do que as habilidades inaptas dos estudantes.

São aspetos “emocionais e sociais” que estão por detrás, muitas vezes, das escolhas e do percurso dos alunos. De acordo com o relatório divulgado esta quinta-feira, pela OCDE, “O ABC da Igualdade de Género na Educação: Atitude, Comportamento e Confiança“, menos de uma em cada 20 raparigas pensam em seguir uma carreira ligada à ciência, tecnologia, engenharia ou matemática, um percurso que é escolhido por um em cada cinco rapazes.

Mas porque é que isto acontece? Ponto número um: por uma questão de desempenho às disciplinas. Segundo a OCDE, as raparigas têm um bom desempenho quando em causa estão problemas matemáticos e científicos semelhantes aos que são colocados na escola. E aqui a organização também critica os professores por inflacionarem as notas das raparigas, premiando a atenção nas aulas.

Porém, “quando obrigadas a ‘pensar como cientistas’, as raparigas têm um desempenho consideravelmente inferior ao dos rapazes”. Os rapazes revelam um melhor desempenho do que as raparigas na capacidade de aplicar os conhecimentos a matemática ou a ciências a uma determinada situação, para, por exemplo, descrever ou interpretar fenómenos cientificamente.

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Uma questão de falta de confiança

Essa diferença de género na capacidade de pensar como um cientista pode estar relacionada com a autoconfiança dos estudantes. Quando os estudantes são mais autoconfiantes e menos ansiosos, eles não se importam de falhar e de avançar para processos de tentativa e erro que são fundamentais para a aquisição de conhecimentos a matemática e ciências. Os rapazes revelam maior autoconfiança nestas matérias do que as raparigas. Tanto assim é que quando se comparam rapazes e raparigas com iguais níveis de confiança nas suas capacidades, “a diferença de género no desempenho a matemática diminui”.

Mas esta falta de confiança das raparigas não surge por acaso. Aqui a OCDE aponta o dedo aos pais por não darem iguais incentivos aos filhos e às filhas no que toca aos trabalhos escolares e aspirações para o futuro. Diz a organização que os pais estão mais propensos a esperar que os seus filhos, e não as suas filhas, trabalhem num campo da ciência, tecnologia, engenharia ou matemática, mesmo quando as meninas revelam o mesmo desempenho escolar à disciplina. Em Portugal, por exemplo, 50% dos pais inquiridos esperam que os filhos rapazes trabalhem nestas áreas e menos de 20% esperam o mesmo das filhas.

Além disso, sugere a literatura sobre esta matéria, a ausência de modelos também não ajuda. Ou seja, o facto de haver poucas mulheres cientistas dá às raparigas poucas provas tangíveis para “refutar a noção estereotipada de que matemática e ciência são de alguma forma mais disciplinas “masculinas””.

Em resumo, o PISA refere que as diferenças de género no desempenho académico não são tanto determinadas por diferenças inatas de habilidade, mas em parte por preconceitos de género. No lançamento deste relatório, em Madrid, o secretário-geral adjunto da OCDE Stefan Kapferer, afirmou que “a boa notícia é que estes resultados destacam que o que é necessário não é uma reforma na educação nem profunda nem cara, mas um esforço concertado de pais, professores e empregadores”.

Raparigas com melhores notas, mas rapazes mais preparados para o mundo do trabalho?

Outra das conclusões deste estudo da OCDE é que os rapazes “parecem estar mais bem preparados do que as raparigas para entrarem no mercado de trabalho”. E porquê? Desde logo pela forma como encaram e lidam com a tarefa de procurar trabalho e de escolher uma profissão.

As raparigas optam por”procurar informações sobre profissões”, aconselhando-se com psicólogos na escola ou fora dela ou procurando informações na internet. Já os rapazes preferem algo mais concreto e diretamente relacionado com a prática e mais do que informações, procuram trabalho. Daí que a proporção de rapazes que relatam terem participado em estágios ou visitas a ambientes de trabalho e que dizem ter-se aconselhando com assessores de carreiras fora da escola seja muito maior.

Na média da OCDE, “a parcela de raparigas de 15 anos que relata não ter aprendido a preparar-se para uma entrevista está mais de 10 pontos percentuais acima do que a proporção de rapazes que diz o mesmo”. Os especialistas dizem que os empregadores podiam fazer mais para envolver as raparigas nesta hora de saber mais sobre carreiras futuras.

Homens ganham gosto pela leitura mais tarde

De resto, este relatório vem confirmar que os rapazes na OCDE são mais propensos a abandonar a escolar e a ter baixos desempenhos, o que, na maioria das vezes, está relacionado com as diferenças de comportamentos entre géneros. Em média, os rapazes gastam menos uma hora por semana a fazer trabalhos de casa do que as raparigas e preferem jogar jogos de vídeo a ler. Por tudo isto, os rapazes são naturalmente mais propensos a não obter um desempenho satisfatório a leitura, matemática e ciências. Seis em cada dez alunos com fraco aproveitamento nestas três áreas do PISA são rapazes.

Esta análise torna ainda mais curioso um outro aspeto: à medida que os rapazes vão crescendo adquirem habilidades de leitura. E entre os trabalhadores na faixa dos 30, 40 e particularmente aqueles que estão na faixa dos 50 e dos 60 anos, os homens tendem mais a ler, a escrever e a usar as suas habilidades na resolução de problemas do que as mulheres, diz a organização.

A OCDE refere que os professores têm um papel importante nesta questão das diferenças dos resultados entre rapazes e raparigas: deviam dar um maior apoio aos rapazes na leitura e às raparigas na matemática.