Sem estudos prévios ou fase de testes. Sem tempo ou dinheiro para ser verdadeiramente implementada. A reforma judiciária, mais concretamente o novo mapa dos serviços de justiça, não passou de uma “mudança cosmética” e os custos vão sentir-se a médio ou longo prazo, defende o diretor executivo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, João Paulo Dias.

Na apresentação que fez esta manhã de sábado no X Congresso do Ministério Público, João Paulo Dias critica a “rapidez” com que foi implementado o novo mapa judiciário. E, ao contrário do que foi dito pela ministra da Justiça um dia antes, não acredita que o estatuto dos magistrados do Ministério Público seja aprovado ainda antes do fim desta legislatura.

“E isto é disfuncional, arriscamos a continuar com esta disfuncionalidade. Espero estar enganado”, disse. “O processo da reforma do mapa judiciário: não se pode esperar que os resultados tenham sido espetaculares quando foi implementado tão rapidamente”, disse.

O investigador lembrou que não foram feitas “experiências piloto” e que “foi ignorada a informação recolhida previamente”, nomeadamente relatórios feitos sobre a reforma. “E fazer reformas destas sem recursos económicos leva a que os custos a médio e longo prazo sejam superiores”, explicou.

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“Para a troika foi bom, mas só se mudou um bocado a cosmética, as instalações são as mesmas, os meios também…”, disse.

João Paulo Dias criticou ainda o facto de o mapa judiciário “não bater certo” com outros serviços da administração pública, como os de segurança social, saúde ou educação. “É disfuncional”, repetiu. E lembrou que se a monitorização e consequentes “acertos”, como a ministra anunciou, à reforma “forem feitos como relatórios que levaram a esta reforma, dificilmente terá resultados”

Outro dos temas abordados este sábado foi a proximidade dos serviços de justiça com o cidadão. João Paulo Dias criticou o facto de se ter optado por deixar nas instâncias centrais serviços especializados como o de Família e Menores ou do Comércio, “descurando a proximidade”. O procurador João Rato, coordenador da comarca de Aveiro, sublinhou o mesmo: há cidadãos que têm de deslocar-se 100 quilómetros para poderem aceder ao serviço. “Não basta fazer estudos e colocar o tribunal num ponto intermédio”, disse o investigador João Paulo Dias.

O diretor do Centro de Estudos Sociais de Coimbra sugere, por tudo isto, que se dê uma maior atenção à complementaridade de serviços. Mais. Que exista “uma rede coerente, articulada e complementar de serviços de apoios aos cidadãos pelo Ministério Público”. O procurador João Rato lembrou que, desde 2007, que há um despacho do então procurador-geral da República a obrigar os serviços do Ministério Público a terem um gabinete de apoio ao cidadão. Mas isso não acontece. E lembrou o caso de alguém notificado para ser testemunha de um processo que tentou saber qual seria o caso em questão. “Há-de saber”, responderam-lhe.

“Arrisco um dia ser notificado como testemunha e não comparecer em detrimento de ferir a minha dignidade pessoal”, disse João Rato, propondo uma mudança de comportamento nos magistrados do MP.

Do público veio uma solução pela voz do vice-procurador -geral, Adriano Cunha: em abril será inaugurado o portal do Ministério Público, com toda a informação do setor. O mesmo foi já anunciado pela procuradora-geral Joana Marques Vidal. Um primeiro passo para quem quem está a 100 quilómetros do tribunal. Só precisa ter um computador com ligação à internet.