A postura tosca e descontraída é coisa do passado. Rui Quinta, ex-adjunto de Vítor Pereira no FC Porto e atualmente no Penafiel, chegou ao banco de Alvalade com um fato escuro impecável e uma gravata vermelha, a cor da camisola do seu clube. E, já agora, da paixão e do sangue, uma mistura que agradará a este homem natural de Barcelos. Num programa desportivo da RTP Informação, o treinador de 57 anos, desafiado sobre qual seria a estratégia no campo do Sporting — “é com um, dois ou três autocarros?” –, afirmou que se pudessem até com metralhadoras entravam para travar o talento alheio. O sorriso era genuíno, como se estivesse em amena cavaqueira com amigos. E a semântica é com ele: “Não somos últimos [classificados], estamos em último.”

As metralhadoras deram lugar a bisnagas munidas com água morna, que relaxa e não assusta ninguém. O Penafiel sofreu dois golos nos primeiros sete minutos e adivinhava-se uma passeata dos leões diante da sua gente, mas a expulsão de Tobias Figueiredo aos dez minutos mudaria por completo o guião desta trama. Os homens de Rui Quinta mudariam o armamento e até empatariam a partida a dois, mas Nani seria o salvador da noite (3-2)…

SPORTING: Rui Patrício, Cédric, Paulo Oliveira, Tobias Figueiredo, Jefferson, William Carvalho, Adrien Silva, João Mário, Mané, Nani, Slimani

PENAFIEL: Coelho, Dani, Pedro Ribeiro, Tiago Valente, Nelson Lenho, André Fontes, Rafa Sousa, Romeu Ribeiro, Braga, Quiñones, Guedes

A primeira dúzia de minutos foi de loucos. Quiñones, um canhoto emprestado pelo FC Porto, foi o primeiro a aventurar-se na floresta rival, jogada essa que terminou graças a uma dobra inteligente de Jefferson. Em jeito de resposta, e após choque entre Pedro Ribeiro e Nelson Lenho, João Mário saiu a toda a velocidade pelo corredor direito. O médio ofereceu a Slimani, com um passe atrasado, mas o remate do argelino seria bloqueado. Na recarga, Nani tinha tudo, tudo, tudo para ser feliz, mas Coelho voou e fechou a baliza. A última vez que estas duas equipas se encontraram para a Liga em Alvalade, o Sporting venceu 2-0 e Nani estreou-se a marcar com a camisola verde e branca. Foi em março de 2006.

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As boas notícias para os homens da casa chegariam pouco depois. Primeiro, foi William (5′), que, após um canto, aproveitou uma bola rechaçada pela defesa nortenha para enviar uma autêntica bomba para o fundo das redes da baliza de Coelho, 1-0. Dois minutos depois, o senhor Slimani mostrou por que fez tanta falta: cruzamento de Jefferson e cabeceamento triunfal do avançado felino, 2-0. Haveria melhor arranque para uma equipa que não vence há cinco jogos?

Mas o regresso de Slimani, que empresta outro peso e respeitinho ao ataque do Sporting, não foi cor-de-rosa. Aos 10′, o argelino recebeu no meio-campo e tocou para trás, para a defesa começar tudo de novo. O passe saiu mal e acabou por isolar Guedes, um avançado com muitas pilhas. Tobias Figueiredo desatou a correr desenfreadamente e tentou corrigir a borrada de Slimani, mas sem sucesso: o carrinho não encontrou a bola, varreu o avançado dos visitantes. Resultado: cartão vermelho direto. O jovem central surge agora no Top-3 dos leões (titulares) expulsos mais cedo numa partida, juntamente com João Pereira (7′) e Luís Vidigal (10′).

A serenidade e a confiança são duas senhoras, digamos assim, que pouco se têm visto por Alvalade. Desta vez, a equipa de Marco Silva até lhes abriu a porta com um sorriso rasgado, gingão. Mas um acontecimento imprevisto trataria de as expulsar outra vez. E como um mal nunca vem só, do livre que resultou a expulsão de Tobias, o Penafiel reduziu, por Braga (12′). O médio rematou com força, fazendo a bola passar por baixo da barreira que saltou e deixou Rui Patrício fora de si, 2-1.

William Carvalho baixaria para central, um teste que duraria até ao intervalo. A ideia de Marco Silva parecia fazer sentido: caso o Penafiel não demonstrasse grande qualidade no ataque, seria interessante começar com solidez a partir de trás; ou então até, se o jogo permitisse, William subir com bola e a defesa permanecer com três elementos.

Aos 25′, o Sporting mantinha a bola nos pés: 67% de posse de bola, atestando a maior qualidade e dimensão. Adrien, numa noite desinspirada, ameaçou duas vezes, mas sem sucesso. Depois foi Slimani, com outra cabeçada, a responder a um trabalho inacreditável de Nani sobre Braga: depois de algumas “bicicletas” e sentar o médio, o extremo cruzou com grande qualidade. Pelo meio, Nani levou duas patadas do impetuoso Dani, o lateral direito que acabaria expulso. O jogo ficaria aqui e ali mais durinho (com muito coração e pouca razão como diria no final Rui Quinta). Não havia metralhadoras, antes umas botas cruéis…

Rui Quinta ia olhando para a frente: primeiro colocou Vítor Bruno a médio esquerdo, para ganhar um lateral ofensivo (Quiñones); depois tirou Romeu Ribeiro e lançou João Martins, o irmão de Carlos Martins. Para a frente é que é caminho, certo? Era isto que o treinador do Penafiel tinha em mente e a glória piscou-lhe o olho: aos 42′, Quiñones subiu, cruzou, Paulo Oliveira não conseguiu limpar; a bola sobrou para Vítor Bruno, que encostou para o empate, 2-2. Intervalo em Alvalade.

A segunda parte parece ter tomado um Xanax, pois claro. Era expectável. Afinal, aqueles 12 minutos mais o golo do empate do Penafiel terão sido motivo mais do que suficiente para muitas unhas ruídas, muitos nervos, taquicardias e cabelos puxados.

Jefferson, mais a sua pedalada, continuava a ser dos melhores em campo (porventura o melhor). Slimani continuaria a atentar contra a baliza de Coelho. João Mário melhoraria e ganharia uma novo companheiro na segunda parte: William Carvalho (Ewerton estreou-se na defesa). E Carrillo, que entraria aos 62′, tentaria abanar as coisas, mas timidamente. O Penafiel quase nunca conseguira lembrar os que viam o jogo que aquela equipa tinha mais um jogador em campo.

Mas ninguém seria tão importante quanto Nani, um jogador que às vezes faz lembrar uma pedra-pomes. Porquê? A rocha tem um ar sólido, impenetrável, inquebrável quase. Tem o seu encanto, mas surpreende a forma como às vezes se desfaz nas mãos, como desaparece. A fragilidade grita. Pois bem, Nani também é assim: um craque, o melhor, aquele que prometia ser a grande arma do Sporting. Muitas vezes desaparece, e, derivado do estatuto, seca os outros, qual eucalipto. Analogias à parte, Nani voltaria a ser feliz contra a equipa com quem se estreou a marcar em 2006: foi aos 70′ e de cabeça, imagine-se. Carrillo inventou a jogada e Nani cabeceou com estilo, à João Pinto, 3-2. Os sportinguistas respiravam de alívio.

O Penafiel, que não soube aproveitar a superioridade numérica durante muitos minutos, entraria depois num filme de terror. Dani e Pedro Ribeiro acabariam expulsos, por duplo amarelo. Mas ainda teria uma senhora derradeira oportunidade. Foi aos 90’+3: Bruninho surgiu na cara do guarda-redes dos leões, mas a perna direita de Rui Patrício fechou o caminho do empate. Antes, Jefferson poderia ter matado a partida, mas quis abrilhantar a bela exibição com um golo — falhou. Ponto final em Alvalade.

Sporting volta a vencer para o campeonato, algo que não acontecia desde 22 de fevereiro (2-0 vs. Gil Vicente). O que prometia e anunciava uma goleada, pelos dois golos madrugadores, transformou-se num autêntico jogo de nervos. O chão voltou a fugir aos pés do leão, mas Nani corrigiu o desvio. Existem algumas notas positivas a assinalar desta partida: o Sporting entrou com nove portugueses em campo; Jefferson esteve imparável, com uma pujança épica; regresso de Slimani aos golos; Rui Quinta tentou olhar para a frente e foi corajoso, mas o talento alheio falou mais alto. Sporting volta a fugir ao Sp. Braga: são quatro pontos de distância. Outra vez.