As contas são da própria procuradora-geral distrital, Francisca Van Dunem, e podem justificar porque é que a justiça pode ser tão lenta. Na área da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), que inclui a Grande Lisboa, Açores e Madeira, há um procurador por cada 7.310 habitantes. O que significa que há magistrados do Ministério Público (MP) a acumular funções em diferentes instâncias e secções, mesmo nas especializadas – como é o caso de Família e Menores – onde devia haver mais procuradores do que juízes.
As conclusões constam do relatório anual da PGDL, relativamente a 2014, onde não são poupadas críticas ao apagão do Citius e às consequências que ainda hoje se vivem nalguns tribunais, onde há elementos processuais que desapareceram do sistema.
De acordo com o relatório, que utiliza dados da Associação Nacional de Municípios Portugueses, a área da PGDL abrange 3, 3 milhões de pessoas. “É uma população assimetricamente distribuída. Por um lado, concentrada em manchas populacionais de grande densidade urbana, como é o conjunto
de Odivelas/Loures, ou Massamá/Cacém/Rio de Mouro; por outro, a polvilhar zonas essencialmente rurais, caso do interior de Alcochete/Vila Franca de Xira/Azambuja; por outro ainda, a dispersar-se pelos territórios insulares”, refere o relatório.
Para esta população existem 479 magistrados do MP, incluindo os que estão colocados no Tribunal da Relação de Lisboa, todos os magistrados na 1ª instância, com ou sem funções de coordenação, e procuradores-adjuntos que se encontram no quadro complementar.
“O ratio, em abstrato, é um procurador para 6 929 habitantes. A realidade concreta dos recursos humanos do MP é no entanto mais severa porque, como sucede em qualquer organização, há a considerar as ausências justificadas, que basicamente se dividem entre, por um lado, as relativas ao exercício de direitos atinentes à natalidade (…) e, por outro, as relativas à doença, no que se consideram apenas as situações de baixa médica prolongada justificada por Junta Médica”, diz a procuradoria.
Ou seja, somando os 4 424 dias de ausência por questões relacionadas com a natalidade, como licença de maternidade, e os 3 584 dias registados por situações de baixa médica, reduz-se 30 magistrados ao número total de procuradores efetivamente em serviço. Assim sendo, há um magistrado para 7 310 habitantes.
O caos deixado pelo Citius
O relatório não esquece as consequências da reforma judiciária e sublinha que, mesmo em áreas metropolitanas, há serviços da justiça afastados dos cidadãos, como é caso de Fernão Ferro. “Uma imensa mancha urbana de génese não planeada. Suspeita-se que não é simples ir de uma destas
áreas à secção do trabalho do Barreiro”, lê-se no relatório assinado pela procuradora-geral distrital Francisca Van Dunem. Uma realidade que, diz, não acontece apenas no interior do País.
E tocando no assunto da reforma judiciária, 2014 foi também marcado pelo apagão do sistema informático Citius e pela perda de várias informações constantes em processos. “Seria fastidioso elencar as vicissitudes do período, mas a título de exemplo, em Ponta Delgada, um “levantamento” a 15 de outubro detetou o desaparecimento informático de 278 inquéritos”, lê-se. Em Loures, o sistema registou 520 processos para julgamento sumário, em quatro meses, quando os apontamentos escritos do magistrado e do oficial de justiça falavam em 131.
E há relatos, que constam no documento, que pormenorizam ainda mais a questão, como o que veio da Madeira – que diz que o sistema só ficou regularizado em novembro de 2014. Mas ainda se verificam problemas:
“Todas as anotações informáticas relativas aos inquéritos que estão no arquivo, ainda não foram recuperadas, pelo que se alguém chegar a julgamento e disser que já foi julgado por esses factos mas não souber o número do processo, é impossível saber se essa informação é verdadeira ou falsa, a menos que a decisão tenha sido condenatória e conste do CRC. Tal como saber se a queixa em causa já cá foi apreciada ou se aquele marido já teve outros inquéritos de violência doméstica e o que é que lhes aconteceu”.
“Se um inquérito entrar no Funchal e for remetido a Santa Cruz, o funcionário do Funchal não encontra rasto dele, pois o sistema não guarda esta informação e ele não tem permissão informática para ver se o processo está ou não em Santa Cruz. Ou seja, ou se lembra, ou pergunta ou fica com uma resposta negativa”, lê-se.