A missão técnica do Fundo Monetário Internacional para Portugal recomendou hoje ao Governo que faça uma reforma profunda do Estado e diz que os decisores políticos devem aproveitar sabiamente o enquadramento internacional favorável, euro e taxas de juro mais baixas, para fazer face aos problemas da economia.

“Persistem alguns desafios que exigirão um esforço sustentado de reformas estruturais”. A mensagem é de Subir Lall e não é nova mas voltou a ser reforçada, e sublinhada, pela missão técnica do FMI que esteve em Portugal a preparar a avaliação regular do país ao abrigo do Artigo IV, feita a todos os membros do Fundo.

No comunicado hoje divulgado, a missão técnica explica que, a seu ver, a única forma de criar postos de trabalho é com a economia a crescer mais do que o que se antecipa nesta altura, em especial nas exportações e no investimento. Para que isso aconteça, “compete às reformas estruturais proporcionar o maior impulso à elevação da competitividade”.

O Fundo lembra que foram lançadas e executadas um grande número de reformas estruturais e que esse esforço ajudou a recuperar alguma da credibilidade perdida por Portugal, mas que agora o desafio é “para os decisores políticos será consolidar estas realizações”.

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Nesse sentido, o FMI diz que será necessário rever algumas reformas que foram executadas e não estão a dar o resultado esperado, concluir algumas que foram iniciadas mas que não foram terminadas e, em alguns casos, lançar ainda mais reformas para responder a constrangimentos que ainda existem na economia portuguesa.

Um dos casos apontados diretamente é o da reforma da administração pública. Segundo o FMI, “apenas uma reforma profunda poderá produzir resultados tangíveis no que respeita à melhoria do funcionamento da administração pública”.

O FMI defende que é necessário fortalecer a disciplina nos pagamentos das entidades públicas, lembrando que neste domínio, as reformas “foram muito menos bem-sucedidas, sobretudo ao nível autárquico”.

Condições externas podem ser oportunidade

O fraco euro, as baixas taxas de juro resultado da política monetária flexível do BCE e o baixo preço do petróleo podem ser uma oportunidade única para o Governo, considera a missão do FMI, já que estão a dar um “forte impulso favorável à economia”.

Os técnicos dizem que estas condições devem ser aproveitadas pelo Governo “com sabedoria para manter o ímpeto de reformas”. “Isto significa prosseguir e completar a tarefa de construir uma economia mais virada para a exportação, que desta vez concretize as promessas originais da adoção ao euro”, diz o comunicado.

Criação de emprego nos próximos anos não chega

A missão técnica deixa ainda um alerta e uma crítica. “Dadas as atuais políticas, a criação de postos de trabalho nos próximos anos seria insuficiente para reduzir os recursos ociosos para níveis aceitáveis, especialmente entre os trabalhadores menos qualificados”.

Os técnicos consideram que no médio prazo o crescimento da economia vai ser lento, tal como a criação de emprego, porque se espera que o investimento se mantenha fraco e uma diminuição da população ativa devido ao envelhecimento da população.

No médio prazo, diz o FMI, a economia não deve crescer mais que 1,25% ao ano, o que faz com que os desempregados não sejam reabsorvidos pelo mercado de trabalho e pode criar o risco de fazer com que os trabalhadores percam a ligação ao mercado de trabalho e desistam de procurar emprego, ou mesmo tentarem emigrar para tentar encontrar emprego noutro país, reduzindo ainda mais a população ativa.

Nesse sentido, também no que diz respeito ao mercado de trabalho, a missão do FMI defende que é necessário melhor as qualificações dos gestores em Portugal.

Aumento do salário mínimo criticado

Também não é novo. O FMI não concorda com o aumento do salário mínimo aprovado pelo Governo e colocado em prática a partir de outubro passado e voltou a sublinhar o porquê. Para os técnicos, este aumento pode criar ainda maiores dificuldades aos trabalhadores com menos qualificações na tentativa de regresso ao mercado de trabalho.

A missão reconhece a utilidade dos salários mínimos para impedir abusos, mas considera que o Governo “dispõe de instrumentos de política mais eficientes para combater a pobreza”.

Economia cresce mais

No documento divulgado hoje, o FMI revê em alta o crescimento esperado para a economia portuguesa para 1,5% este ano. Esta era a meta do Governo português no Orçamento do Estado para 2015, que o FMI não concordou na altura e fez previsões mais conservadoras (apenas 1,2%), mas agora fez a revisão em alta.

De acordo com o documento, esta revisão resulta do enquadramento externo “muito mais favorável”, com fatores como o euro, as taxas de juro e o preço do petróleo baixos. Ainda assim, o FMI alerta que estas melhorias no curto prazo devem-se mais a fatores cíclicos e não estruturais da economia portuguesa, relembrando que o crescimento potencial no médio prazo deve ser baixo.

Mais reformas estruturais nos salários e pensões

Apesar das melhorias na economia, os problemas nas contas públicas continuam a existir. Se na previsão para o crescimento o FMI colocou as suas estimativas em linha com as do Governo, nas contas públicas o cenário não é tão animador.

Segundo a missão do FMI, o défice orçamental este ano ainda deve atingir os 3,2% do PIB, mais meio ponto percentual do PIB que o esperado pelo Governo (2,7%) e mais 0,7 pontos percentuais do PIB que o acordado no final do programa. Ainda assim, a previsão é melhorada em duas décimas face à previsão divulgada em janeiro pelo Fundo.

A missão defende que é “preciso dar seguimento à consolidação orçamental a médio prazo”, não só devido à elevada dívida pública que Portugal ainda tem, mas também por uma questão de credibilidade: “também para assinalar que os excessos do passado no domínio da política orçamental não serão repetidos uma vez que se dissipem as pressões imediatas da crise”.

A concretizar-se este resultado, Portugal continuaria por mais um ano sujeito ao Procedimento dos Défices Excessivos, algo que o Governo tem-se desdobrado a defender que com a atual estratégia não irá acontecer.

A missão diz também que o esforço de consolidação veio muito mais do lado da receita do que deveria ter acontecido, e que no futuro Portugal tem de desenhar uma estratégia que tenha por base um ajustamento estrutural primário de 0,5% do PIB “que deve ser atingido sobretudo através da racionalização das despesas no contexto da introdução de metas para as despesas em todas as esferas da administração pública”.

Ou seja, o Governo precisa de identificar e executar medidas específicas, permanentes e de alta qualidade, e “novos esforços assentes nas reformas estruturais nos regimes de salários e pensões” para “enfrentar as pressões sobre as despesas públicas”.

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