Sabia que é possível produzir eletricidade a partir da urina? Que os micróbios podem dar origem a materiais que substituem os plásticos? Ou que se podem fazer crescer plantas dentro de frascos? Por muito estranho que lhe pareça a biotecnologia permite aplicar no nosso quotidiano a investigação feita com organismos vivos. O Festival Nacional de Biotecnologia, promovido pela Biogen, decorre em Lisboa e tem como o objetivo mostrar como podem ser usadas, no dia-a-dia, as mais recentes inovações das unidades de investigação e empresas portuguesas ligadas a esta área.

E até pode experimentar. Perceba se tem o gene que lhe permite detetar o sabor amargo, tire uma fotografia às células da sua boca (Cellfie), prove o pão feito com algas ou o gelado de kefir e Spirulina ou parta num peddy paper à procura da biotecnologia. No espaço do Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, onde decorre o festival, o “contacto com a ciência é natural, envolvente e criativo”, diz ao Observador Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva.

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Um simples teste para determinar quem tem a capacidade de detetar o sabor amargo

Imagine como seria utilizar um recurso muito comum no nosso país, mais propriamente nas nossas costas, como as algas, em conjunto com um produto muito comum na nossa alimentação, como o pão. Trincar um Pão d’Algas de olhos fechados é como ser transportado para a praia. O sabor é característico e, segundo Susana Mendes, coordenadora do projeto, combina bem com sabores fortes de queijos e enchidos. Este produto, que conta com parceiros locais – como a panificadora Calé ou a produtora de algas AlgaPlus -, será lançado no dia 24 de abril, às 11 horas, no restaurante Nau dos Corvos, em Peniche.

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Além do Pão d’Algas, a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar (ESTM) do Instituto Politécnico de Leiria (polo de Peniche), apresenta também, neste evento, o revestimento de maçãs com algas comestíveis, cujo objetivo é não deixarem a fruta oxidar (ficar escurecida). E ainda, o gelado de kefir com algas.

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Aproveitar um recurso natural, como as algas, para enriquecer pão e gelados

Susana Bernardino, investigadora na ESTM, consome kefir – leite fermentado com bactérias e leveduras – há nove anos. Quando procurou saber o que se fazia com kefir em Portugal descobriu a geladaria figueirense Emanha que já tinha criado o gelado de kefir com frutos do bosque. Américo Nogueira, dono da geladaria (com lojas na Figueira da Foz e Lisboa), consome kefir há 12 anos. As melhorias que sentiu em termos de saúde levou-o a querer experimentar usá-lo num gelado.

Com a ajuda da ESTM, a Emanha melhorou as técnicas de produção do gelado artesanal e associou os benefícios do kefir – como a regulação do funcionamento intestinal ou a promoção da absorção de cálcio – aos da alga Spirulina – um superalimento, com elevado teor em proteínas, vitaminas e sais minerais. Um produto de tal forma original que mereceu o primeiro prémio na categoria “lácteos” do I Concurso InovCluster de Produtos Alimentares Inovadores. No mesmo concurso, o Pão d’Algas conseguiu o terceiro prémio na categoria “cereais”.

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Biotecnologia aplicada ao mundo vegetal: sequenciação genética para encontrar alimentos transgénicos e os fungos atacam os sobreiros

Da biotecnologia que usa recursos marinhos àquela que é aplicada à indústria e ambiente. Passando pela biotecnologia aplicada à agricultura e florestas, como o estudo dos fungos, insetos e outros parasitas que afetam as plantas ou o estudo dos organismos que, em simbiose com as plantas, melhoram a produção e sobrevivência destas. Sem esquecer a biotecnologia ligada à saúde, como o estudo das proteínas e dos genes.

Ainda dentro da biotecnologia aplicada à saúde, Ana Ferraz, doutoranda no Centro de Investigação Algoritmi e Centro de Tecnologias Mecânicas e de Materiais (CT2M) da Universidade do Minho, apresentou um protótipo para a determinação mais rápida e fácil dos grupos sanguíneos. Uma ideia que lhe valeu o primeiro prémio na categoria “cidadania” da Competição Internacional ImagineCup 2013, promovida pela Microsoft.

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Ana Ferraz desenvolveu um protótipo para determinar o grupo sanguíneo em minuto e meio

A ideia persegue-a quase desde que era aluna de secundário. Começou a desenvolvê-la durante a licenciatura em Informática para a Saúde e agora, no doutoramento, preparar-se para conseguir uma patente pela ideia. Uma aplicação que usa matemática e inteligência artificial para conseguir identificar mais rapidamente o grupo sanguíneo do doente sem exigir competências técnicas específicas.

“Pode ser feito por um bombeiro ainda na ambulância”, diz Ana Ferraz. Um processo que leva no máximo um minuto e meio vai competir com as análises no hospital que, entre recolha, ida ao laboratório e teste, levam cerca de 25 minutos. Adicionalmente, é uma técnica de baixo custo que pode ser facilmente implementada em países em desenvolvimento, acrescenta a investigadora.

Além das 30 unidades de investigação e empresas ligadas à biotecnologia, com cerca de 50 experiências e demonstrações, o festival conta também com a participação dos Embaixadores da Biotecnologia – dez alunos do ensino secundário, escolhidos entre mais de 80, pela ideia apresentada e pelas capacidades de comunicação demonstradas.

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Os Embaixadores da Biotecnologia têm como função comunicar ciência ao público

Os embaixadores, as unidades de investigação e as empresas ligadas à biotecnologia são elementos chave deste festival que pretende correr 12 países em três anos – World Biotech Tour, coordenado pela Associação de Centros de Ciência (Association of Science-Technology Centers, ASTC), com o apoio da Fundação Biogen Idec. Os próximos serão o Centro de Ciência Technopolis, na Bélgica, e o Centro de Ciência Miraikan, no Japão.

O primeiro centro a receber este festival foi o Pavilhão do Conhecimento. “Esta história começou no encontro internacional do ASTC e fomos convidados para sermos pioneiros”, diz, com orgulho, Rosalia Vargas, diretora executiva do centro, durante a sessão de inauguração do evento. “Foi fácil escolher o primeiro centro”, admite Walter Staveloz, diretor de Relações Internacionais, da ASTC. “Se queremos um começo forte, é aqui que temos de estar.”

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Vídeo cedido pelo Ciência Viva das provas de seleção dos embaixadores. Neste caso Beatriz Barata fala da importância das enzimas.

Para Sérgio Teixeira, diretor da Biogen em Portugal, ter o Pavilhão do Conhecimento como pioneiro do evento é também motivo de orgulho. “Portugal tem muitas coisas boas”, “mesmo em contexto de crise”. “A Biogen depende da ciência, logo tem todo o interesse em incentivar os cientistas de amanhã”, diz Sérgio Teixeira. O diretor lembra que dois dos fundadores da Biogen são prémios Nobel – Walter Gilbert, prémio Nobel da Química em 1980, e Phillip Sharp, prémio Nobel da Medicina em 1993.

O Festival Nacional de Biotecnologia vai decorrer durante os dias 10 e 11 de abril no Pavilhão do Conhecimento e no dia 12 no Mercado da Ribeira. No sábado e domingo as atividades serão dedicadas ao público em geral.