Desta vez vai ser diferente, terá pensado Hillary Clinton, ainda com a campanha fracassada de 2008 fresca na memória. A máquina foi oleada ao pormenor e o tiro de partida soou ontem à tarde (20h de Lisboa) com os níveis de alarido também doseados ao milímetro. E sim, já está a ser diferente, pelo menos na forma. Arrancou no site oficial, minutos depois no Twitter e, em menos de nada, incendiou a internet com apenas uma frase e um vídeo de dois minutos, onde a própria Hillary só aparece a pouco mais de 30 segundos do fim. A ideia é clara: desta vez não é sobre mim, é sobre vocês – os eleitores, o povo norte-americano.

O anúncio de que a ex-primeira-dama norte-americana se ia candidatar à sucessão de Barack Obama não seria surpresa para ninguém, mas nem por isso deixou de fazer com que milhares de pessoas ficassem pregadas à sua página oficial no Twitter ou ao site www.hillaryclinton.com, a fazer refresh. O jornal britânico The Guardian tinha avançado que a comunicação ao público devia acontecer por volta do meio-dia deste domingo, mas a candidata decidiu furar o plano e atrasar o anúncio em cerca de quatro horas. Sem fator surpresa sobre o conteúdo, conseguiu pelo menos manter o fator suspense sobre a forma.

O aguardado tweet – onde se lê “Sou candidata à Presidência. Todos os dias os americanos precisam de um campeão, eu quero ser esse campeão” – caiu na bolha da internet às 20h27 de domingo, hora portuguesa e, nesse mesmo instante, começaram os “likes” e as partilhas. Menos de 24 horas depois, a publicação contava já com mais de 91.600 gostos, e 95 mil partilhas.

Foi o vídeo promocional, no entanto, o que causou maior burburinho, já que é aí que Hillary Clinton levanta, em pouco mais de dois minutos, a ponta do véu daquilo a que se propõe. Mas se se esperava ver a própria sentada num sofá rodeada de molduras de família e almofadas coloridas, como tinha feito em 2008, e como é habitual em comunicações oficiais deste calibre, também aqui a candidatura da democrata terá conseguido uns pontos no fator surpresa. Trata-se afinal de um vídeo há muito preparado, editado e pós-produzido, com testemunhos reais de famílias norte-americanas a falar alegremente sobre o seu dia-a-dia “heróico” e a roubar todo o protagonismo à candidata.

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A ideia é de que a palavra de ordem é dada pelas pessoas reais, e é por elas que Hillary Clinton se candidata. “Também eu me estou a preparar para uma coisa: para correr à Presidência dos EUA. Os americanos têm lutado para recuperar dos tempos económicos difíceis, mas a bola ainda está do lado daqueles que estão no topo. Todos os dias os americanos precisam de um campeão, e eu quero ser esse campeão”, acaba por dizer quando, finalmente, aparece na filmagem.

A ausência de Clinton durante mais de metade do filme não é por acaso. O Washington Post arrisca uma explicação: a ideia é fazer com que a mensagem chegue àqueles que a conhecem e acompanham desde as suas anteriores tentativas políticas, e que já têm uma imagem formada, mas também aos mais novos. E qual é a mensagem? Que desta vez não é sobre ela, mas sobre as pessoas. “Estou pronta para uma campanha do género ‘as pessoas primeiro’ que devia ter tido na última vez”, escreve o jornal da capital norte-americana, adivinhando o raciocínio da agora candidata oficial à Casa Branca.

Em 2008 não foi bem assim…

Há sete anos, as coisas não se passaram exatamente assim. E o contraste parece ter sido pensado ao pormenor para dar a ideia disso mesmo, de contraste. Em 2008, quando assumiu a candidatura que acabou por perder para Barack Obama, o anúncio também foi feito em vídeo mas sem qualquer tipo de surpresa ou criatividade.

As diferenças são óbvias. Tradicional e totalmente ‘dentro da caixa’, o filme promocional de há sete anos centrava-se totalmente na imagem de Hillary Clinton, sentada impecavelmente no sofá da sua casa, rodeada de molduras, candeeiros e almofadas. Durante um minuto e 44 segundos, só mudava o plano, que alternava entre um mais centrado no seu rosto e um mais afastado, com vista para a sala.

Mas a utilização da internet e das redes sociais no anúncio deste domingo não contrastou apenas com a anterior tentativa de Hillary. Contrastou também com os anúncios das candidaturas deste anos dos republicanos Ted Cruz e Rand Paul, que recorreram à via habitual: um palanque numa cerimónia com multidões a assistir. O primeiro fê-lo num evento no estado da Virgínia, o segundo em Kentucky.

Se é certo que os eventos podem captar uma plateia vasta de apoiantes, mas fixa e confinada àquele espaço e tempo, também é certo que a internet chega de uma só vez a todo o tipo de apoiantes e de não apoiantes, localizados em qualquer parte do mundo. Analistas eleitorais ouvidos pela BBC veem vantagens e desvantagens nos dois modelos, mas Hillary parece ter ficado rendida ao efeito multiplicador das redes.

“Um evento com data marcada onde o anúncio é feito em pessoa traz sempre riscos associados: ou que não apareça tanta gente quanto se pensava, ou que haja manifestações pelo meio, ou que as palavras não saiam tão bem quanto se esperava”, explica à BBC Lara Brown, especialista em eleições presidenciais da Universidade George Washington, que acredita que a ex-secretária de Estado tenha querido evitar todo este tipo de imprevistos potencialmente problemáticos. “Assim, a campanha consegue controlar muito melhor o ambiente”, acrescenta.

Além de que, segundo já se percebeu pelas várias notícias que circulam na imprensa norte-americana, toda a campanha de Hillary deverá centrar-se muito mais em reuniões com grupos pequenos e específicos, do que propriamente em aparições públicas massivas como as que fez há oito anos quando perdeu a nomeação democrata para Obama. Aliás, no vídeo promocional prometia “fazer-se à estrada” para entrar em contacto com os norte-americanos quase individualmente e, horas depois, já a promessa estava em marcha.

À data da publicação do vídeo online já Hillary Clinton se dirigia para Iowa para uma viagem de dois dias, com paragens regulares de contacto com o eleitorado pelo caminho. Na foto, a ex-senadora dá a conhecer uma “grande família” que conheceu durante a paragem da tarde no caminho para Iowa. Não repetir os erros de 2008 parece ser a palavra de ordem.

##WhyI’mnotvotingforHillary (ou um remate à trave)

Uma estratégia que tem prós e contras. E que, neste caso, poderá ter tido mais contras do que prós, a avaliar pelos comentários de reação ao anúncio da candidatura. Ora, se a mensagem chega num ápice a toda a gente, isso inclui não só os apoiantes como principalmente todos os que não a apoiam. Prova disso foi a hashtag #Why Im not voting for Hillary (Porque é que não vou votar na Hillary), que se tornou no tópico mais abordado no Twitter horas depois de a candidatura ter sido oficializada.

O resto já se sabe, é como o efeito dominó. Milhares de utilizadores daquela rede social começaram a usar a hashtag para enumerar as razões por que não vão votar na nomeação da mulher de Bill Clinton para a corrida à Casa Branca. Aqui ficam alguns exemplos:

https://twitter.com/JamesRitch1/status/587386898785501185

“Quatro razões sólidas”, escreve este utilizador deixando patente a crítica à resposta que Clinton deu ao ataque à embaixada dos EUA em Benghazi, na Líbia, em 2012, que resultou na morte de quatro norte-americanos mortos, incluindo o embaixador.

https://twitter.com/Cowan4President/status/587602963398463490

https://twitter.com/DanMartin_cards/status/587251608565649408

“Não voto em Hillary” porque…”tenho um QI acima de 70″, “não quero mais nenhum Bush ou Clinton perto da política nacional durante pelo menos as próximas duas gerações” ou porque “a verdade ainda importa”, têm sido alguns dos motivos apresentados.