Votar aos 16 anos, a possibilidade de apresentar uma moção de censura construtiva e o fim da expressão “tendencialmente gratuito” no que diz respeito aos serviços públicos. Estas foram algumas das propostas que surgiram em 2010, quando o PSD, liderado por Pedro Passos Coelho, entregou um projeto de alteração à Constituição e todos os partidos apresentaram contributos nesse sentido. Foi então constituída uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional que caiu passados poucos meses devido às eleições antecipadas.
Desde 2005 que a Constituição portuguesa não sofre qualquer alteração, mas em 2010 o PSD fez uma proposta profunda. A Assembleia da República recebeu 10 propostas de alteração dos vários quadrantes políticos — os deputados das regiões autónomas do PSD e CDS apresentaram propostas alternativas, assim como o deputado social-democrata Matos Correia que apresentou uma única alteração –, algumas com alterações mais substanciais e outras que alteravam apenas alguns artigos.
No entanto, e a meio do processo que poderia levar a uma nova revisão constitucional, as eleições antecipadas em 2011, aquando da intervenção da troika em Portugal, fizeram com que estas iniciativas caducassem. Nos oito meses em que a comissão esteve ativa, houve 15 reuniões para acertar os detalhes de uma revisão que não chegou a acontecer.
Mas o que defendia cada partido?
- PSD: A Constituição encomendada por Passos Coelho
Após ser eleito líder do PSD em março de 2010, Passos Coelho encomendou a Paulo Teixeira Pinto, antigo ministro social-democrata, um projeto de revisão da Constituição, já que, segundo o que consta na lei fundamental portuguesa, esta só pode ser alterada de cinco em cinco anos (revisão ordinária) e a última alteração tinha ocorrido em 2005.
A proposta entregue na Assembleia, que entretanto sofreu alterações e foi aprovada pelo Conselho Nacional do PSD, pedia o “expurgo da ideologia e da orientação programática e estatista” e definia que “nenhum português pode deixar de ter acesso à Saúde e à Educação por insuficiência de meios económicos”. Para isto, este projeto eliminou expressões como “tendencialmente gratuito” no acesso à educação e saúde, trocando-a por “não podendo, em caso algum, o acesso ser recusado por insuficiência de meios económicos”, e alterando ainda a proibição de despedimentos “sem justa causa” para “sendo proibidos os despedimentos sem razão legalmente atendível”.
Quanto às propostas apresentadas, e que suscitaram críticas mesmo dentro do PSD, Paulo Teixeira Pinto disse ao Observador que tanto na saúde como na educação, “a tutela garantística seria de grau superior” e que a expressão “por insuficiência de meios económicos” já está consagrada no que diz respeito à justiça. Quanto aos despedimentos sem justa causa, recorda que “em nenhum momento se apontou para uma putativa liberalização dos despedimentos”.
- PS: Uma contra-proposta ao “estratagema” do PSD
Com a apresentação da proposta do PSD, José Sócrates, então primeiro-ministro, afirmou que se tratava de um “estratagema” e um “regresso ao passado”, vendo-se obrigado a apresentar uma proposta de alteração. O projeto socialista foi liderado pelo então ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, e recebeu contributos dos deputados Francisco Assis, do então eurodeputado Vitalino Canas e do então líder da JS, Pedro Delgado Alves. Este facto está refletido no projeto apresentado pelo PS onde se pode ler que “a iniciativa do PSD não podia ser mais inoportuna e desencontrada das prioridades da sociedade portuguesa”.
Vitalino Canas disse ao Observador que esta revisão foi “forçada” pelo PSD e que se iniciou “contra a vontade” do PS, devido aos problemas que o país atravessava na altura, que não faziam da revisão constitucional uma prioridade. “É uma estratégia tradicional o PSD forçar projetos de revisão para marcar a agenda política”, afirma o deputado socialista.
No entanto, o PS avançou com propostas e defendeu a introdução de uma moção de censura construtiva, que consistia na obrigatoriedade das moções de censura incluírem a indicação de um candidato a primeiro-ministro, declarando, no entanto, que o Presidente da República mantinha o seu poder de dissolução da Assembleia da República.
Quanto à moção, o deputado garante que esta era uma medida “há muito defendida pelo PS” e que vem tentar facilitar a dificuldade de governação de executivos minoritários, tal como acontecia na altura em que esta revisão foi suscitada, já que Sócrates não detinha maioria absoluta. Outro ponto deste projeto incluía “a solicitação de um voto de confiança à aprovação da lei do Orçamento”. Esta proposta, segundo Vitalino Canas visava também ser “um fator de estabilização” e acima de tudo responsabilizar a oposição, com quem o Governo tinha de negociar os vários orçamentos anuais durante um mandato. Outra proposta do PS era obrigatoriedade que as eleições fossem realizadas entre maio ou junho do último ano da legislatura de modo a evitar que “a realização mais tardia das eleições remete forçosamente a disponibilidade de um novo orçamento para meados do ano a que ele deve respeitar”.
- CDS-PP: Limites aos impostos é palavra de ordem dos centristas
Os centristas pediam desde logo a supressão do preâmbulo da Constituição. Ao longo do texto, o CDS sugeria outras alterações no que dizia respeito ao vocabulário utilizado na lei fundamental: “eliminação dos latifúndios”, “auto-gestão”, “apropriação dos meios de produção”, assim como “abolição do imperialismo”, “desarmamento geral”, “dissolução dos blocos político-militares”.
Entre outras propostas no projeto do CDS estava a inclusão da contratualização dos privados no Serviço Nacional de Saúde, maior proteção da propriedade privada e ainda o reforço dos poderes do Presidente da República que segundo esta proposta, passaria a nomear os membros das entidades administrativas independentes, após audição prévia na Assembleia da República, incluindo a nomeação do presidente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral da República.
Uma das principais alterações do CDS era a imposição de um limite de 35% dos impostos cobrados em termos de peso no PIB do país. Segundo Abel Baptista, deputado do CDS, e um dos principais signatários desta proposta em 2010, este limite, assim como a obrigatoriedade da “discriminação dos encargos plurianuais suscetíveis de excederem a duração da legislatura em curso” no Orçamento, faziam com que o projeto de Constituição do CDS “não comprometesse as gerações futuras”. “Se isso já existisse, não estaríamos na situação em que estamos hoje, haveria linhas vermelhas e teríamos outro comportamento.”
- BE: Aos 16 anos é-se demasiado novo para votar? Bloco de Esquerda disse não
Para os bloquistas, a Constituição era “ainda uma trincheira” que impedia “a aportação da carga ideológica anti-solidária e ultra-liberal”. No seu projeto de revisão constitucional, o Bloco de Esquerda queria garantir “a afetação ao domínio público de portos e aeroportos, e da rede eléctrica nacional”, como forma de “defesa estratégica do país”. Outra das bandeiras do Bloco de Esquerda era a descida da idade mínima de votar para 16 anos, já que “é incompreensível que aos 16 anos de idade se seja maior para o trabalho ou para o tribunal, mas não para uma urna de voto”. Os bloquistas queriam que ficasse também na leia fundamental “a capacidade eleitoral dos imigrantes, legalmente residentes há mais de quatro anos, podendo votar e ser eleitos para a Assembleia da República, e Assembleias Legislativas das regiões autónomas”.
- PCP: Comunistas defenderam Constituição com mais garantias
A proposta do PCP criticava à cabeça a abertura desta revisão motivada pelo projeto do PSD, dizendo que com este partido “voltam os objetivos de descaracterização e empobrecimento da Constituição, com a abertura de novo processo de revisão constitucional”. Sendo assim, os comunistas propunham no seu projeto reforçar os direitos dos trabalhadores (aumento do salário mínimo e impõe a redução do horário de trabalho) e o aceso aos serviços públicos como educação e saúde.
O PCP queria ainda “eliminar a obrigatoriedade de referendo para a regionalização“, terminar as restrições ao direito à greve das forças de segurança e ainda eliminação “das normas que permitem a sistemática transferência da soberania nacional para as instituições da União Europeia e que admitem a prevalência das normas emanadas da União Europeia sobre o Direito interno”. Os comunistas tencionavam ainda que os mandatos do Procurador-Geral da República, do Provedor de Justiça e do Presidente do Tribunal de Contas fossem fixados em seis anos, não renováveis. Outras propostas incluíam a inclusão do direito de todos os cidadãos à água e ao saneamento básico e a eliminação da exigência de referendo para a criação de regiões administrativas.
- Os Verdes: Uma Constituição pela biodiversidade e pela soberania alimentar
Os Verdes acusaram na sua proposta que a revisão de 2010 servia apenas para o PSD “estabelecer publicamente diferenças em relação ao PS”, embora ambos fossem “profundamente coniventes com as medidas que se têm tomado e que têm agravado uma crise económica e social” no país. Sendo assim, o partido ecologista propôs no seu projeto que ficasse consagrado na Constituição que Portugal rejeita a energia nuclear, que o país define como prioridade a sua “soberania alimentar com todas as consequências importantes deste princípio ao nível produtivo”, e ainda clarificar na lei fundamental que o “objetivo de combate às alterações climáticas e de defesa da biodiversidade”.
O que aconteceu desde 2010?
Desde aí e durante o mandato do atual Governo, apenas os deputados da Madeira (PSD) e dos Açores (CDS) apresentaram projetos para rever a Constituição, que entretanto foram chumbados pela maioria dos deputados da Assembleia da República. Ambas foram entregues no verão de 2014, e enquanto a proposta do PSD, apoiada pelos deputados Guilherme Silva, Cláudia Monteiro de Aguiar (agora eurodeputada), Correia de Jesus e Hugo Velosa previa a extinção do Tribunal Constitucional e mandato único para o Presidente da República, a do CDS queria mais poderes para as regiões autónomas. A comissão de revisão constitucional em 2014 aconteceu só durante duas reuniões, já que toda a maioria votou contra as propostas dos seus próprios deputados.
Durante esta legislatura, PSD e CDS defenderam publicamente a necessidade de rever a Constituição com o propósito de inscrever aí a regra de ouro (défice abaixo dos 3%) mas o PS recusou sempre e nunca avançou qualquer proposta nesse sentido.