Apanhar alguém de surpresa não é das coisas mais difíceis nesta vida. Pensando de repente até se faz um guia rápido para um final surpreendente: esconda-se atrás de uma porta, em casa, leve uma pequena dose de paciência, espere que a mãe, a namorada, a avó, o cão ou o gato passe por aí e apareça-lhe à frente, de rompante (bom, neste caso, a surpresa talvez se tornasse num susto dos valentes, mas fica a ideia). Brincar a este jogo com um país é que já não tarefa fácil. Muito menos se o jogo for de futebol e as regras digam que, para haver surpresa, quem está em último lugar há 12 jornadas tem de ir roubar pontos a casa de quem é líder há 27 semanas.

Héctor Quiñones, mesmo assim, acreditava, porque ninguém perde um jogo antes de o jogar: “Vamos surpreender o país. Temos equipa para pontuar.” Esperança não faltava ao colombiano. Bem a tinha que ter, porque qualquer coisa que não uma vitória na Luz tornava quase certa uma viagem de volta à segunda liga para o Penafiel. E a tal surpresa só aparecia caso o Benfica levasse deste jogo qualquer coisa que não os três pontos. Por isso havia que ir atrás dela e, ao início, o Penafiel até quis forçar a caçada. Os jogadores andaram atrevistos, a pressionarem além meio campo, a chatearem Samaris e Pizzi e a tentarem obrigar Luisão e Jardel a tentarem a sua sorte nos passes que começam jogadas.

Benfica: Júlio César; Maxi Pereira, Luisão, Jardel e Eliseu; Samaris, Pizzi, Salvio e Sulejmani; Jonas e Lima.

Penafiel: Haghighi; Dani, Pedro Ribeiro, Ustaritz e Vítor Bruno; André Fontes, Rafa Sousa e João Martins; Braga, Quiñones e Rabiola.

E foram tentando e tentando. Mordiam os calcanhares dos encarnados e faziam faltas para mostrarem que não estão ali para deixar as coisas acontecerem. É uma das coisas a fazer quando se tem menos jeito e técnica nos pés que os outros. O Benfica tinha que jogar depressa e bem. E foi isso que fez logo aos 8’, quando toda a gente se pôs a jogar ao primeiro toque e Pizzi-Samaris-Jonas-Salvio foram escalas para a bola ir ter com Maxi Pereira, na direita, para o uruguaio a cruzar direitinha à cabeça de Lima. Aparecia o 1-0 e começava a desaparecer a surpresa. Dois minutos volvidos e o brasileiro quase marcava outro, não fosse o pézinho maroto do basco Ustaritz a desviar um cruzamento rasteiro de Salvio.

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Entre João Martins, o irmão de Carlos, o ex-Benfica que hoje está no Belenenses, e o tal Quiñones, o Penafiel ia arranjando inspiração para levar a bola a passear pertod a área encarnada. Aconteceu umas quantas vezes. Mas só isso, porque até ao intervalo não rematou à baliza e, pelo meio, Rafa Sousa perdeu uma bola que deu o sinal de partida a Salvio. O argentino viu a redonda a fugir ao adversário, arrancou, ultrapassou-o, roubou-a perto do meio campo e fugiu dali para fora. Lima e Jonas foram atrás dele.

Quando chegou à área, tão indeciso estava o argentino entre o brasileiro dos 16 golos no campeonato e o outro, dos 17, que passou a bola para o meio dos dois. O primeiro a chegar-lhe foi Jonas, o dos 17, que ajeitou a bola e bateu-a para a gaveta de cima da baliza para passar a ter 18 golos — os mesmos de Jackson Martínez. E Salvio passava a ter nove assistência no campeonato.

Aqui talvez Quinõnes já nem pensassem na surpresa, porque tanto ele como os restantes do Penafiel iam jogando cada vez menos e deixando o Benfica acelerar cada vez mais. Aos 38’, até só Jonas, que foi buscar a bola atrás, e Lima, que arrancou para recebê-la num contra-ataque, conseguiam inventar perigo sozinhos. Como aos 45’+2, quando Pizzi, na direita, viu Lima a mexer-se e cruzou-lhe a bola para a cabeça do brasileiro a rematar contra o poste. O jogo cada vez sorria menos ao último dos últimos que, se perdesse, ficava com a despromoção garantida.

O 2-0 sossegou quem vestia de encarnado e colocava a equipa a fazer o que antes o Benfica de Jorge Jesus pouco queria e sabia fazer — controlar as coisas com calma. Os passes trocavam-se com cabeça a pensá-los como deve ser e com velocidade apenas suficiente para fazer os adversários correrem atrás dela. Acelerar passava a ser coisa rara, quase entregue à vontade individual, como a que invadiu Lima aos 61’. O avançado arrancou à entrada da área, a pedir que um passe lhe caísse à frente. Jonas obedeceu e lá foi o brasileiro a correr com a bola até à linha de fundo, onde parou, levantou a cabeça e viu o que tinha à volta. De lá resolveu atrasar um passe para Pizzi, que à entrada da área arranjou tempo para ter um primeiro toque de domínio e um segundo para rematar a bola em jeito. 3-0.

Aqui o Penafiel já ia em mais de sete horas sem rematar uma bola para dentro da baliza e os cabisbaixos começaram a aparecer. As desconcentrações, também. Como a de Ruben Ribeiro, que logo no minuto seguinte passou a bola para trás, sem olhar, confiando que onde estava Lima estivesse outra pessoa. O brasileiro aproveitou, fintou Haghighi, marcou o 4-0 e chegou aos 17 golos, insistindo que se espere até mesmo ao fim do campeonato para ver qual de três homens é o melhor a rematar bolas para dentro das balizas. A surpresa talvez seja esta — a de ver dois homens do Benfica taco-a-taco com um do FC Porto na luta entre goleadores.

De resto não houve mais luta além da que se viu num sururu entre vários jogadores, que valeu o cartão amarelo para tirar Andreas Samaris do jogo em Guimarães. Depois Rabiola quase brilhou aos 77’, quando fintou duas vezes Júlio César, mas, na hora da verdade, rematou contra a cabeça de Jardel, que estava a tapar a baliza. E o último priiimm do árbitro serviu para confirmar que o Penafiel vai jogar as últimas duas jornadas já com a certeza que será despromovido. Carlos Brito, o treinador, bem disse que não foi ali que a equipa desceu de divisão, porque o clube cai empurrado pelo conjunto de pontos que não foi colhendo ao longo da liga.

Tal e qual o Benfica, que continua onde está, na liderança, pelos muitos pontos que foi amealhando. Leva 81 e, caso o FC Porto perca no domingo, no Dragão, contra o Gil Vicente, até pode nem ter que esperar mais uma semana para, 30 anos volvidos, ser bicampeão nacional. Se os dragões fizerem o seu trabalho, o Benfica vai então levar até Guimarães o jogo do título, na próxima jornada. De uma forma ou de outra, parece estar quase.