Quando a bola fica quietinha a 11 metros da baliza é sempre uma ocasião especial. É o momento individual no meio de um desporto que se inventou coletivo. O um-contra-um que interrompe o onze-para-onze. Quem bate na bola, dizem, tem vantagem, pois é dono da cabeça e do pé que escolhem onde a bola vai parar. Na baliza fica o homem que tem de fazer pela vida e tentar adivinhar o que o outro está a magicar. É sempre tramado, mas Adriano Fachini safou-se bem — porque logo aos 11’ o brasileiro teve olho para ler o destino e esticar-se todo para dar uma estalada na bochecha da bola que Ricardo Quaresma batera.

O problema é que um penálti só acaba quando o guarda-redes agarra a bola ou quando a atira para fora de campo. E nada disso aconteceu. A palmada de Adriano apenas atirou a bola para o lado, à procura da linha lateral. E enquanto Quaresma abanava o cabisbaixo e os jogadores do Gil Vicente misturavam euforia com concentração, Óliver punha-se a correr para a apanhar. Quando o fez tentou cruzá-la de volta para a área, mas ela ressaltou para o ar num adversário. Aí Quaresma acordou. Foi ter com a bola, amansou-a com o peito e virou-se com ela contra Pecks, o centralão cabo-verdiano. Encarou-o, convidou-o para uma dança, pedalou uma vez, tirou-o da frente e cruzou a bola para a área, onde todos ficaram a dormir menos a cabeça de Jackson Martínez.

FC Porto: Helton; Danilo, Maicon, Bruno Martins Indi e Alex Sandro; Casemiro; Hector Herrera e Óliver Torres; Ricardo Quaresma, Brahimi e Jackson Martínez.

Gil Vicente: Adriano Fachini; Gabriel, Cadú, Pecks e Evandro; João Vilela, Vítor Gonçalves e Semedo; Jander, Yazalde e Simi.

Um penálti parado não é um penálti defendido e a bola que continuou em jogo acabaria no 1-0 e no 19.º golo do avançado colombiano no campeonato — que voltava a ter mais um que Jonas, do Benfica, e continuava a insistir em ser, pela terceira vez seguida, o melhor marcador da liga. A grande penalidade surgira do nada, de um passe dos longos de Maicon e de um empurrão de Cadú nas costas de Jackson. Até aí o jogo estava em lume brando, como uma sopa que ainda coze para ficar morna enquanto espera pelos convidados atrasados. O golo não serviu para aumentar o lume nem para o diminuir: as coisas ficaram como estava. Com o FC Porto sem dar muita velocidade às jogadas e o Gil Vicente a resignar-se aos contra-ataques.

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Os visitantes, à rasca no penúltimo lugar, mas com a vantagem de nenhum dos outros aflitos do campeonato (Penafiel, Vitória de Setúbal, Académica e Arouca) terem vencido, lá se tentavam soltar. Sentiram a molenguice dos dragões e, aos poucos, iam pressionando mais à frente, onde os anfitriões não esperavam. A equipa, com isso, ia errando vários passes e obrigando Casemiro a fazer faltas que davam uns livres para o Gil para a baliza, como João Vilela ainda fez, aos 14’, rasteiro e sem força. Ou para a área, como Vítor Gonçalves cruzou para a cabeça do capitão, que rematou muito pouco ao lado do poste.

Julen Lopetegui cada vez ia berrando mais, mas não havia decibéis que chegassem para mudar grande coisa. Até ao intervalo, só aos 28’, quando Jackson se pirou do meio dos centrais e mostrou o espaço para Danilo apontara a corrida, é que o colombiano passou ao brasileiro para este chutar com o bico da bota. Adriano Fachini defendeu a bola, como já antes parara um cabeceamento que Herrera fizeram por cima dos 194cm de Péricles Santos Pereira. Ou só Pecks. O penálti fora a primeira e esta foi a segunda coisa que surpreendeu neste jogo.

A terceira viria após o intervalo e já depois de Jander, o bruto e mal-disposto canhoto do Gil, disparar uma bomba de bem longe para Helton desviar para canto. E de Rúben Neves, logo a seguir, apanhar a ressaca de um livre e também ele soltar um remate que pouco por cima passou da barra da baliza contrária. A seguir veio a surpresa quando, em menos de um minuto, a bola tocou em cada um dos postes da baliza de Adriano Fachini: num canto, Maicon desviou perto do primeiro poste para, junto ao segundo, Bruno Martins Indi acertar com o remate no ferro; depois, Brahimi apanhou a sobra à entrada da área e sacou um diz-que-é-cruzamento-mas-na-verdade-é-um-remate e viu Evandro esticar a cabeça pelo meio e desviar a bola contra o outro poste.

Depois, com o tempo, o Gil, ansioso por caçar pontos, foi tentando ser atrevido e ganhou pujança quando José Mota perdeu a tímidez e deixou Diogo Viana e Rúben Ribeiro entrarem em campo. Os de Barcelos aceleraram as coisas e tinham mais vezes a bola perto da área dos dragões, mas por mais que ameaçassem fazer algo perigoso, nunca o fizeram. No FC Porto jogava-se sem pressa, com mais calma do que velocidade, com mais conforto do que desconforto por não se fazer mais. Apenas Quaresma, quando tinha a bola — e desencantava dos pés algumas fintas — ou Evandro, que se mexia com uma mudança acima que os restantes, iam animando as coisas.

Até que Jackson Martínez também quis animar quem via o jogo e decidiu optar pelo mais difícil quando, aos 86’, Quaresma lhe cruzou uma bola com força, meia rasteira, desde a direita. O colombiano estava a dois metros da baliza e quis dominar a bola. Atirou-a para cima, bem na vertical, em linha reta, deixando-a a pairar sobre a cabeça, de onde a redonda lhe pediu que fosse lá com o pé, não com a cabeça. O avançado, do nada, pulou, virou o corpo, rodou a perna e deu uma pedalada na sua “chalaca” — a versão colombiana de uma bicicleta, como diria no final. “Não tinha outra hipótese”, defenderia. E dali saiu um golaço que deu à equipa o 2-0 e a ele o 20.º golo neste campeonato, mais um que Jonas. Assim como o penálti não acabara na palmada de Adriano, também esta jogada não terminara num aparente mau controlo de bola de Jackson. Parecia, só.

O que já é certo é a viagem direta, sem escalas, que os dragões poderão fazer, na próxima época, rumo à fase de grupos da Liga dos Campeões — bastava-lhes um ponto para garantirem o segundo lugar  e os três que conseguiram deram-lhes este bilhete. A vitória mantém também o FC Porto à mesma distância do Benfica e, pelo menos, não deixa esmorecer a pressão que os encarnados continuarão a sentir na próxima jornada, a penúltima no campeonato. O Gil Vicente não fica pior do que estava e continua a depender do que o Vitória de Setúbal (o antepenúltimo) consiga fazer.