Quando alguém escreve “eu penso, logo jogo” está a fazer mais do que brincar com a frase inventada por um filósofo chamado Descartes. Está a dizer a verdade. Porque esse alguém é Andrea Pirlo e foi com esse título que este barbudo e cabeludo italiano decidiu batizar a autobiografia que escreveu há uns anos. E, cada vez que entra num campo para jogar à bola, vê-se que matuta bem antes de fazer o que seja. O italiano nunca foi rápido, não é ágil e a resistência foge-lhe a cada ano que passa. Por isso, há que pensar, e Pirlo pensa tanto que há pouca gente a quem a bola obedeça mais.

Carlo Ancelotti não é parvo nenhum e o treinador do Real Madrid tem isto bem sabido. Foi ele, afinal, que há uns anos valentes pegou em Andrea, atirou-o para a frente da defesa do AC Milan e lhe pediu que, dali, começasse a passar a bola para os pés dos outros. Resultou. Tão bem, que a Juventus, em 2011, o foi buscar para fazer dele um carteiro que entrega bolas redondas no meio campo da equipa que, esta quarta-feira, aterrou em Madrid. Chegou lá para, 12 anos depois, tentar regressar à final da Liga dos Campeões. E a Juve confiou que deveria ser Pirlo a pensar a melhor forma de o fazer.

Pirlo bem terá pensado, mas Ancelotti não o deixou jogar. O técnico mandou Karim Benzema defender tanto como ataca e obrigou-o a chatear o italiano para que este não fizesse o que pensa fazer à bola. Também isto resulta no jogo desta quarta-feira: a Juventus até tem muita bola, avança com ela, mas Andrea mal lhe toca. A equipa é lenta a fazer tudo porque todos têm o hábito de levantar a cabeça e ver onde anda o carteiro que melhor a entrega a bola. Ancelotti gosta disto, os merengues também, e o Real Madrid acelera a cada oportunidade que tem. Desencanta um penálti aos 23′, Cristiano Ronaldo marca o 10.º golo na Champions e torna-se no segundo melhor marcador de sempre do clube — fica apenas a 16 golos de Raúl.

Real Madrid CF v Juventus  - UEFA Champions League Semi Final

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O 1-0 de Madrid mais o 1-2 de Turim fazem com que o Real fique em vantagem. A Juventus disto já não gosta e faz a vontade aos merengues: cai-lhes em cima com a bola. Porque os espanhóis passam a ter espaço para contra-atacar e metros para Ronaldo, Bale e Benzema sprintarem por instinto, para inventarem jogadas que só não dão golo porque na baliza está um senhor chamado Gianluigi Buffon. Mas ao intervalo a Juventus pensa: “E se o Real Madrid tiver de pensar e jogar com calma?” Aí tudo se complica.

E complica-se a partir dos 57′, quando cada merengue apenas pensa em si, esquece o resto da equipa e dispersa após um canto. Tanto, que Álvaro Morata tem espaço para ser o primeiro a chegar a um ressalto e rematar a única bola que Iker Casillas não consegue defender. Logo ele, o jovencito de 22 anos que até à época passada era do Real Madrid e que e já na primeira mão marcou um golo aos espanhóis. O Real bem quer correr atrás do prejuízo, mas a Juve encolhe-se para nunca lhe dar espaço para correrias. Os italianos obrigam os espanhóis a terem a bola nos pés durante muito tempo, a pensarem no que pretendem fazer com ela e em como a podem levar até Ronaldo. Mas, por muito que pense, o Real não vai lá porque prefere atacar por instinto: “Nós pensamos, logo encravamos.”

Só não encravam os aplausos que, aos 79′, o Santiago Bernabéu dedica a Andrea Pirlo, quando o Maximiliano Allegri decide substituir os seus 36 anos, que já se arrastavam em campo. Já não precisa deles. O jogo não está controlado, mas parece ganho. E estava mesmo. O Real Madrid encrava tanto que se farta de pensar e não faz mais do que disparar uns quantos remates fora da área. Até que tudo acaba e a Juventus festeja. Andrea Pirlo pensa e desata a correr em direção a Gianluigi Buffon, o outro trintão (37 anos) que, 12 anos depois, regressa com a Juve à final da Liga dos Campeões, onde encontrará o Barcelona de Messi, Neymar e Suárez. Aqui não há mosquito para cuscar o que um diz ao outro, mas se calhar não fugiu muito disto: “Pensámos, logo ganhámos.” E agora estão na final, que se joga a 6 de junho.