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Padinha e Diamantino: Os “bicampeões” de que ninguém se lembra

Este artigo tem mais de 5 anos

Foi na época de 83/84 que o Benfica se sagrou pela última vez bicampeão nacional. O Observador foi conversar com dois dos jogadores mais desconhecidos de um balneário onde quase só habitavam craques.

Sven-Göran Eriksson foi o último treinador a ser bicampeão no Benfica. Foi em 1983/1984. Na época seguinte sairia para a Roma e só regressaria à Luz em 1989.
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Sven-Göran Eriksson foi o último treinador a ser bicampeão no Benfica. Foi em 1983/1984. Na época seguinte sairia para a Roma e só regressaria à Luz em 1989.

Arquivo DN/Global Imagens

Sven-Göran Eriksson foi o último treinador a ser bicampeão no Benfica. Foi em 1983/1984. Na época seguinte sairia para a Roma e só regressaria à Luz em 1989.

Arquivo DN/Global Imagens

Manuel Bento na baliza, na defesa Minervino Pietra, António Bastos Lopes, Humberto Coelho e Álvaro Magalhães, Diamantino Miranda, Carlos Manuel, Shéu Han e Fernando Chalana no meio campo e os avançados Nené e Zoran Filipović. Não, não é um soneto seiscentista de Luiz Vaz de Camões, mas o onze do Benfica de Sven-Göran Eriksson em 1984.

Falta falar de António Veloso, que era novo, mal calçava as botas, mas seria, anos mais tarde, capitão do Benfica. Falta falar do “luvas pretas”, João Alves, que na segunda época de Eriksson foi terminar os seus dias de futebolista ao Bessa. E ainda dos “pinheiros” nórdicos, um mais virtuoso, outro mais “tosco”, mas ambos loiros e altos: Glenn Strömberg e Michael Manniche.

Mas nem todos os bicampeões da última equipa benfiquista que alcançou tal feito são hoje recordados com saudade pelos adeptos encarnados. Há também os menos conhecidos, cuja carreira, por uma ou outra razão, não foi a que se lhes augurava. Um deles era uma das maiores promessa saídas da formação do Benfica na década de 1980. O outro, foi “recrutado” à formação do Futebol Clube do Porto, mas, com Bento na baliza, não subiria ao relvado um só minuto.

“O Benfica pôs-me a viver num apartamento na Buraca. Não foi fácil a minha adaptação a Lisboa”

Diamantino Ferreira era o terceiro guarda redes do Benfica bicampeão. Chegou à Luz vindo da Sanjoanense. Tinha apenas 19 anos. “Recordo-me do meu primeiro dia no balneário como se tivesse sido ontem. E foi há 33 anos. Chego, e vejo logo o Eriksson, o Strömberg, o Chalana, o Filipovic, o Nené, o Shéu. Não pode imaginar o que é para um miúdo que nasceu na Arrifana chegar àquele balneário. Foi assustador!”, confessa.

Diamantino Ferreira fez-se sócio do Benfica em 1982. Foi nesse ano que assinou pelo clube da Luz vindo dos juniores da Sanjoanense.

Não era benfiquista. Nem tinha o sonho de vir a representar o Benfica. Foi um nariz partido no rival Porto que o trouxe dos juniores da Sanjoanense até à Luz. “A história é caricata. Ainda estava no Futebol Clube do Porto quando levei uma bolada no treino, e foi o massagista, o sr. Tavares, quem me endireitou o nariz. Mal, mas endireitou. Quando fui dizer ao treinador que não podia jogar, o tipo desatou aos berros. Tratou-me por tudo e mais alguma coisa! Porquê? Sei lá, se calhar pensou que eu me tinha lesionado na farra e não no treino. Mas a coisa até se acalmou. Quando, num jogo contra o Salgueiros, eu dou um ‘frango’, voltámos a discutir, e, nesse mesmo dia, fui ‘convidado’ a ir para a Sanjoanense.”, recorda. A ida para São João da Madeira veio a revelar-se uma boa decisão para o júnior Diamantino. “Diz-se que há males que vêm por bem. Eu no Porto nem ia à Seleção, e, com a ida para a Sanjoanense, começo a ir. Até fui ao Europeu sub-19 da Finlândia. O selecionador era o José Augusto. O ‘magriço’. Foi ele quem me recomendou ao Benfica.”, lembra.

Diamantino não jogou um minuto sequer. Diz que, durante dois anos, Eriksson mal falou com ele. “Era o Eusébio, o ‘pantera negra’, quem me treinava. Era ele o treinador de guarda-redes na altura. Mas o problema não foi o Eriksson, o problema foi que os dois guarda redes do Benfica eram bons. O Bento sempre foi, para mim, um ídolo. Ele e o Vítor Damas. Foi por causa deles – e por ser muito mau a jogar lá à frente – que fui para a baliza. E o Delgado, que hoje até é diretor do jornal da A Bola, e era segundo guarda redes na altura, também não era mau. Mas se eu estivesse mais dois ou três anos no Benfica, pode crer que ia ser titular.”, garante.

Foi com a ida para a Sanjoanense que Diamantino chegou à Seleção. O selecionador era o “magriço” José Augusto, que o terá recomendado ao Benfica.

Não esteve mais dois ou três anos no Benfica por não querer trocar a Buraca… pelo Barreiro. “O Benfica pôs-me a viver num apartamento na Buraca. Vivia com um basquetebolista, o Silvestre. Eu não conhecia ninguém em Lisboa. Naquele tempo os clubes também não acompanhavam os atletas como hoje o fazem. As ‘tentações’ eram realmente muitas. Foi difícil a minha adaptação. E depois o Benfica queria mandar-me para o Barreirense por troca com o Neno. Não aceitei e rescindi com o clube. Mas não rescindi só por causa disso. Eu sabia que o Boavista me queria. O Boavista e o União da Madeira.”, explica.

Acabou por não ir nem para o Boavista nem para o Funchal. Ainda jogou mais duas épocas, primeiro no Águeda, e depois, de novo, na Sanjoanense. “Mas como tive sempre os ordenados em atraso, ao terceiro e ao quatro mês já não se via um tostão – e o dinheiro faz falta, não é?… –, deixei-me de jogar à bola.”, recorda. Começou por ser motorista de uma fábrica, até que se dedicou ao negócio da família. “Não é fácil mudar de vida. São muitos anos de futebol, a viver futebol, nos balneários, nas concentrações, nos treinos. A minha família sempre trabalhou no ramo do calçado. Foi isso que fui fazer a seguir, e ainda é o que faço. E gosto. Mas não, não é fácil.”, lembra o ex-guarda redes, hoje com 51 anos, e a viver na terra natal, a Arrifana.

Do plantel do Benfica bicampeão ficou-lhe uma boa amizade. “Eu dava-me bem com o Strömberg. Éramos bons amigos. Foi uma amizade que nasceu por causa da minha educação inglesa. Os meus pais emigraram muito cedo para a Rodésia [atual Zimbábue], e eu cresci lá. E como praticamente mais ninguém sabia falar o inglês no balneário, era eu quem o socorria em tudo.”, explica Diamantino Ferreira, a propósito do seu relacionamento com o médio que veio com Eriksson do Gotemburgo para a Luz.  E nunca ninguém o confundiu com o “outro” Diamantino? “Não, não. Os adeptos, no estrangeiro, sim. Era muito comum. Mas no balneário, não. A mim chamavam-me sempre Diamantino, mas a ele não: era o ‘zarolho’!”, graceja.

“Quando terminei a carreira, já só jogava com o pé esquerdo. E sempre fui destro.”

Paulo Padinha, ao contrário de Diamantino, foi mesmo bicampeão. “Vinha dos juniores e, no primeiro ano, comecei logo a jogar. O Eriksson gostava de mim, mas eu também sabia que ele era de apostar nos jovens. No Gotemburgo [que venceu a Taça UEFA em 1981/1982] sempre o fez. E como eu já estava no Benfica desde os 15 anos, e até já tinha feito uns jogos de preparação com a primeira equipa, quando lá cheguei, já conhecia toda a gente e toda a gente me conhecia. Foi fácil.”, recorda Padinha, hoje com 52 anos.

Era o adjunto Toni quem traduzia o treinador sueco logo que este deixou de se fazer acompanhar por um intérprete. Os dois mantêm uma boa relação de amizade até hoje.

O pior veio mais tarde, logo na primeira época com Eriksson, quando contraiu uma lesão. Foi o começo do fim para um dos mais promissores médios centro da sua geração. “A lesão no joelho era grave, mas era recuperável. Fui operado e tudo. O problema foi que, quando voltei a treinar, caí sobre o tal  joelho [direito] e destruí as cartilagens todas. Nunca voltei a ser o que era. Tinha 20 anos. E com 20 anos, tens é que jogar. Quando terminei a minha carreira, com 28 anos, no Estrela da Amadora, já só jogava com o pé esquerdo. A perna direita não servia para nada. E sempre fui destro.”, explica.

Padinha é o quarto na fila de cima, a contar da esquerda para a direita. Jogou no Benfica desde os 15 anos.

Padinha é o quarto na fila de cima, a contar da esquerda para a direita, aqui com plantel de 1982/1983. Jogou no Benfica desde os 15 anos.

Padinha, que hoje é mediador de seguros, mas até começou por ser vendedor de automóveis quando abandonou o futebol, revela que o segredo do sucesso do bicampeonato foi o próprio Eriksson: “O plantel era muito bom, tínhamos os melhores jogadores em Portugal. Mas o Eriksson foi uma ‘pedrada no charco’ até para os mais velhos, como o Bento ou o Humberto. Não se treinava assim em Portugal. É verdade que o futebolista português sempre foi tecnicamente do melhor que há, mas com o Eriksson passou a deixar de querer resolver tudo individualmente, e passou a pensar o futebol de um modo muito mais bem organizado, tanto na defesa como no ataque. Mas sobretudo no ataque. Com ele era tudo pensado em detalhe. Nada voltou a ser como era.”

Mas se Sven-Göran Eriksson não dizia uma palavra de português no começo, e até dispensou o tradutor ao fim de pouco tempo, como é que os jogadores compreendiam o que ele dizia nas palestras? “No início ele só falava sueco. E quando deixou de ter o tradutor, passou a falar inglês. Era o próprio Toni que nos dizia o que ele queria de nós. Não sei se o dizia bem, se o dizia mal, eu nem sei se o Toni falava assim tão bem inglês, mas o Eriksson nunca se queixou. Mas isso também não era importante. O futebol é universal. Só tem uma língua.”, conclui.

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