As praias douradas da Comporta escondem a preocupação de moradores e agricultores, que receiam perder o que construíram durante a vida, mas a administração da herdade garante que os contratos são para cumprir, independentemente de quem forem os acionistas.

A venda da Herdade da Comporta, nos concelhos de Alcácer do Sal e Grândola, foi decidida por um tribunal do Luxemburgo – que espera receber propostas de compra até meados do próximo mês de junho -, na sequência do colapso financeiro do Grupo Espírito Santo, mas moradores e agricultores não sabem o que esperar dos futuros donos da herdade.

“Antes de a terra me ser entregue, trabalhei aqui para a herdade. Depois, o Estado tomou conta da herdade, trabalhei por conta do Estado. Mais tarde, resolveram entregar as terras aos agricultores. Depois assinámos um contrato [de rendeiros] de 19 anos”, disse à agência Lusa o agricultor Francisco Jones, preocupado com a incerteza quanto à renovação dos contratos com os futuros proprietários.

“Nós estamos a trabalhar cá, estamos a produzir toneladas e toneladas de arroz. Se eles não quiserem renovar os contratos [com os agricultores] é porque não querem aqui agricultura nenhuma, só querem casas e espaços verdes. E isso não, a gente não come casas”, acrescentou.

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As preocupações de Francisco Jones são partilhadas por Avelino Antunes, da Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal, que exige garantias do Estado para salvaguarda dos direitos da comunidade rural.

“Aquilo que nós queremos é a garantia de que os agricultores podem continuar a produzir, podem continuar a ser rendeiros, podem continuar a ter aqui as suas famílias, e que estas comunidades, que pertencem ao mundo rural, possam continuar a existir aqui como existem”, disse, acrescentando que há cerca de 200 agricultores a exercerem a atividade na Herdade da Comporta.

Assustados com a mudança estão também centenas de moradores de diversas localidades na Herdade da Comporta, alguns dos quais nem sequer têm escritura pública das casas que construíram.

Segundo Joaquim Ramusga, da Comissão de Moradores da Torre, dos 37 fogos implantados naquela localidade, apenas dois têm escritura pública celebrada, enquanto outros têm apenas contratos-promessa de compra e venda ou contratos de alojamento em regime de comodato.

“Sou das poucas pessoas que têm o problema resolvido a nível habitacional. Eu tenho escritura pública, tenho registo da propriedade. A maioria das pessoas residem cá com contratos de comodato, outros com as casas pagas mas só com a promessa de compra e venda que a herdade lhes forneceu há algumas boas dezenas de anos. Nunca formalizaram as escrituras às pessoas, que estão muito preocupadas, porque não sabem o que lhes vai suceder com quem vier a seguir”, disse.

Segundo este responsável, “há outras situações, de pessoas que fizeram as casas no terreno da herdade, com autorizações verbais (…). As casas são deles, mas o terreno é da herdade. Quem vier tem estes problemas todos para resolver. E as pessoas não são lixo, não se varrem para debaixo do tapete”.

Joaquim Ramusga lembrou, ainda, que estão por construir as infraestruturas previstas no projeto de urbanização da Torre, que constituíam uma das contrapartidas à viabilização do projeto turístico da Comporta, e que há mais de uma dezena de localidades da Herdade da Comporta que têm muitos moradores sem escritura pública das casas onde residem.

A Junta de Freguesia da Comporta, no concelho de Alcácer do Sal, está a par dos problemas e das preocupações dos moradores e dos agricultores da herdade, mas reconhece que pouco ou nada pode fazer para os tranquilizar.

“Temos conhecimento pelo que as pessoas, associações de agricultores e comissão de moradores nos fazem chegar. Estamos preocupados, porque nem agricultores, nem a herdade, nem nós, sabemos o que vai acontecer. Estamos disponíveis para dar todo o apoio dentro das nossas competências”, disse à agência Lusa Paulo Oliveira, secretário da autarquia, deixando transparecer algum ceticismo em relação ao futuro.

“Estamos à espera para ver os desenvolvimentos, mas penso que para melhor não mudamos”, disse.

Confrontada com as preocupações de moradores e agricultores, a administração da Herdade da Comporta garantiu à agência Lusa que pretende “dar continuidade aos planos de negócio e potenciar o desenvolvimento da empresa nas suas várias atividades”.

“Acreditamos que a estabilização da estrutura acionista irá favorecer o desenvolvimento dos projetos que foram desenhados para esta gestão e contar com os agricultores que dela fazem parte”, acrescentou a administração da herdade, assegurando que, independentemente de quem forem os acionistas, “todos os contratos estabelecidos com a Herdade da Comporta são para cumprir”.