O início não foi nada fácil. Era pequeñito, a rapidez nada queria com ele, o pé canhoto não era cego, mas via mal e deixava sempre as fintas para depois. Preferia o passe, gostava de ser um carteiro que entrega todas as encomendas, sem falhar. Só lhe interessava uma coisa: a bola. Protegê-la, escondê-la dos outros, dar-lhes a entender que a podiam roubar para, depois, se esquivar sempre. Nisto é um ás, um crack, como lhe chamam os espanhóis. Agora, porque nem sempre foi assim. “Não foi uma carreira fácil porque ao início não acreditavam em mim”, desabafou, já feito graúdo, sobre os tempos em que era miúdo.

Dos tempos em que Xavi Hernández tinha 12 anos, chegou ao Barça e, um passe de cada vez, começou a subir a escada. Passou a “desfrutar desde o primeiro minuto” e, descrentes ou não, vários olhos começaram a  admirá-lo. Estava ali um pequeno passador que podia dar um grande jogador. Louis Van Gaal bem o viu e foi o holandês de poucos sorrisos que, em 1998, deixou o miúdo, pela primeira vez, ir passar bolas para o meio campo. Tinha 18 anos e aí começou a ouvir broncas. “Ufff… Muitas vezes”, confessou, esta quinta-feira, do alto dos seus 36 anos e do muito que hoje sabe sobre a bola.

4 Dec 1999:  Xavi Hernandez of Barcelona in action during the Spanish Primera Liga match against Oviedo played at the Nou Camp in Barcelona, Spain. The game finished in a 3-2 win for Barca.  Picture by Nuno Correia.  Mandatory Credit: AllsportUK  /Allsport

Foi ela que lhe serviu para, nos últimos 17 anos, controlar tudo à sua volta: o jogo, a própria equipa, a dos outros, os passes, os ritmos, tudo. Xavi não era o mais rápido, o mais forte, o mais alto ou o mais resistente. Mas sempre foi o mais inteligente e esperto na hora de decidir o que fazer à bola. Resolvia quase sempre passá-la e nisso se foi especializando. “Sou muito feliz com a forma como aproveitei as minhas condições futebolísticas”, disse, esta quinta-feira, com dezenas e dezenas de jornalistas a olharem para ele, vidrados, a assistirem ao até já de uma lenda. Xavi vai-se embora do Barça.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E o que acontece quando se tem de dizer adeus a alguém com uma história que se confunde com a de um clube? Conta-se a do jogador, porque a de Xavi parece não acabar. São 764 jogos, 84 golos, anos e anos a ser capitão e 23 títulos no bolso, incluindo oito campeonatos espanhóis e três Ligas dos Campeões (2006, 2008 e 2011). Sempre com o Barça. “Senti-me muito importante durante todos estes anos e levo isso comigo”, garantiu, ao formalizar o adeus. É o jogador com o maior número de canecos conquistados pelos culés e, nos três jogos que lhe faltam, pode levar um triplete — à liga espanhola, que já conquistou na passada semana, pode juntar a Copa do Rei (30 de maio) e a Liga dos Campeões (6 de junho).

A sua bota direita poderá já não ser a que manda em tudo nessas duas finais: hoje, mais pesadote pelos 36 anos que tem, começar os jogos de início é algo que Xavi nem sempre tem feito esta temporada. Mas foi assente na mira que tem no pé que o Barcelona mais brilhou nos últimos 20 anos. Era ele que dava direções às bolas que, em 2006, iam parar aos pés de Ronaldinho Gaúcho para o brasileiro decidir. E era ele que dava a portagem para todos os passes com que o Barça dos tempos de Pep Guardiola mandava em todos os outros. Xavi, e a bola, eram o início de tudo. A redonda deu ao espanhol tudo e mais alguma coisa, grata por muito raramente ele a mandar para maus caminhos.

Xavi diz adeus ao Barça para dizer olá ao Qatar. O espanhol vai passar os próximos dois anos no Al-Sadd, clube onde uma lenda rival, Raúl González, do Real Madrid, também esteve. E vai para o mesmo país onde Pep Guardiola, um dos muitos mestres com quem aprendeu, deu uns toques na bola. “Tenho uma conversa pendente com ele sobre isso”, brincou. A ideia, disse, é lá ficar para se formar e “um dia voltar ao Barça”. Portanto é tão arriscado escrever isto como dizer que Xavi vai falhar um passe — mais ano, menos ano, o clube catalão terá como treinador outro ex-jogador. Johan Cruyff, Pep Guardiola e, agora, Luis Enrique, já deram o exemplo.