A dívida vai continuar a ser um problema para a nova empresa pública de infraestruturas, mas a dor de cabeça vai ser mais pequena do que foi no passado. A nova Infraestruturas de Portugal (IP) terá menos dívida do que a soma do endividamento da Refer e da Estradas de Portugal. Tudo porque o Estado tem vindo a converter empréstimos em capital, reforçando a estrutura financeira da nova super empresa.

Quando foi anunciada a intenção de juntar a Refer e a Estradas de Portugal (EP), há cerca de um ano, as duas empresas tinham atingido o pico de endividamento financeiro no final de 2013, ultrapassando os dez mil milhões de euros (10.300 milhões de euros). Desde então, e fruto de sucessivas operações de conversão de créditos ou suprimentos do Estado em capital, a dívida das empresas caiu para 8,8 mil milhões de euros no final do ano passado.

Já este ano, e após um novo aumento de capital na EP, a empresa que resulta da fusão com a Refer nasce com uma dívida financeira de 8,4 mil milhões de euros, dos quais 4.700 milhões de euros são empréstimos públicos. Até ao final deste ano, a divida da Infraestruturas de Portugal (IP) deverá baixar para 6.600 milhões de euros, segundo dados avançados ao Observador pela empresa.

Em apenas dois anos, a dívida das gestoras de infraestruturas, ferroviária e rodoviária, encolheu mais de terço ou 36%, o que equivale a uma limpeza de 3.732 milhões de euros do balanço. No final deste processo, o Estado será credor em 3.100 milhões de euros, enquanto o setor financeiro, sobretudo obrigacionistas e o BEI (Banco Europeu de Investimentos), terão pouco mais de metade do passivo financeiro da IP.

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O que mudou para travar a dívida das empresas públicas?

A estratégia para baixar o endividamento, também seguida no Metropolitano de Lisboa, representa uma viragem face à evolução da última década em que a dívida histórica das empresas públicas atingia sucessivos máximos sem que parecesse viável travar a escalada. A mudança só foi possível pela conjugação de dois factores que de certa forma foram uma consequência do resgate financeiro a Portugal.

Quando as finanças públicas foram ao tapete, em 2011, as empresas públicas deixaram de conseguir obter ou renovar o financiamento bancário (a não ser a custos muito altos), o que obrigou o Estado a financiar diretamente estas sociedades, que operavam maioritariamente nos setores de transportes e infraestruturas.

Vários especialistas e economistas apontaram, aliás, como a grande falha ao programa de assistência a Portugal a inexistência de um pacote de financiamento às empresas públicas que chegou a ser pedido pelo executivo socialista que negociou com a troika. Nos anos anteriores, os socialistas tentaram impor limites ao aumento do endividamento das empresas do Estado, mas estes tectos foram furados devido às necessidades de financiamento crescentes.

Os empréstimos diretos do Estado abriram o caminho para a recapitalização parcial destas empresas públicas, que teve uma maior expressão na Estradas de Portugal. A antiga EP foi a única empresa do Estado que aumentou o investimento nos anos da crise, essencialmente por conta das rendas que tem de pagar às concessionárias privadas de autoestradas para amortizar o investimento feito ao abrigo das famosas PPP (parceiras público privadas). A EP foi, aliás, a empresa em que a dívida cresceu de forma mais descontrolada nos anos recentes, não obstante o maior passivo histórico estar na Refer.

Aumentos de capital deixaram de penalizar défice

Mas outro fator pesou de forma decisiva nesta nova abordagem à dívida: a inclusão destas empresas no perímetro das administrações públicas. Enquanto estiveram fora das contas que contam para a consolidação orçamental, as transferências do Estado para estas sociedades tinham um impacto direto, negativo, no défice e na dívida públicas.

O tratamento contabilístico destes fluxos mudou quando estas empresas passaram para a órbita do Estado, precisamente por serem cronicamente deficitárias, ou seja, não terem autonomia económica e financeira do contribuinte. A Estradas de Portugal foi uma das primeiras a entrar para o défice, mas a transferência mais relevante aconteceu em 2011, com efeitos a 2010, quando a Refer passou a pesar nas contas públicas.

Se o reconhecimento destas responsabilidades nas contas públicas agravou a performance orçamental, também criou margem para o Estado resolver alguns problemas históricos e estruturais no setor empresarial público.

O Instituto Nacional de Estatísticas (INE) confirma, em resposta ao Observador, que as operações de conversão de empréstimos em capital são registadas “como uma transferência de capital do Estado para a empresa que consolida, pelo que não tem impacto no défice e na dívida”. Isto quando estamos a falar de entidades que estão no universo das administrações públicas.

Resolver a dívida histórica chega? Não

Resolver ou controlar a dívida histórica das empresas públicas de infraestruturas é uma condição necessária, mas não suficiente, para resolver o problema da sustentabilidade económica. Isto apesar de dar uma folga importante na fatura com juros que, no ano passado, absorveu mais de 300 milhões de euros, incluindo os montantes pagos ao Estado.

Tão ou mais importante do que limpar o fardo do passado, é criar as condições para que os desequilíbrios económicos e financeiros presentes não criem novas dívidas. E juntar dois problemas, a Refer com a Estradas de Portugal, não chega para encontrar uma solução. Esse é o grande desafio da nova Infraestruturas de Portugal, como reconheceu o seu presidente, António Ramalho, na apresentação da IP.

Apesar de uma melhoria dos resultados operacionais e do famoso EBITDA (indicador que mede o resultado da operação sem amortizações, depreciações e custos financeiros), a Refer continua a ser deficitária e a Estradas de Portugal tem tido lucros residuais e no papel, ou seja, não distribui dividendos, o que afasta no curto prazo um cenário de dispersão em bolsa. As duas empresas continuam a ter custos, incluindo a fatura do investimento realizado e por realizar, superiores às receitas.

O modelo de negócio da IP, que está a ser estudado por bancos de investimento, deverá incidir sobre novas formas de financiamento ou refinanciamento do seu ativo, as estradas e a rede ferroviária, que sejam compatíveis com o prazo de vida desta infraestruturas que no balanço estão avaliadas em 27 mil milhões de euros. Securitização e financiamento de instituições internacionais, como o Banco Mundial, para além do BEI, estão entre as modalidades em estudo.

Mais receitas e menos custos

A sustentabilidade económica e financeira da IP passa, também, pela receita óbvia: Reduzir custos, as contas da fusão apontam para economias de 500 milhões de euros em dez anos, e reforçar receitas em 1.500 milhões de euros, também a dez anos. O crescimento das receitas aposta numa maior fatia obtida com as portagens, não há indicação se isso implicará a cobrança de troços que hoje são grátis, e na captação de outros proveitos em áreas como imobiliário e telecomunicações.

Da redução de custos muito pouco se sabe. Fala-se em sinergias na contratação e integração de serviços administrativos e operacionais em Lisboa e Porto, mas também a nível regional. Mas, um ano depois de se iniciar o estudo da fusão, ainda ninguém avança com metas de redução de efetivos. Existe apenas a garantia de que não haverá despedimentos, mas só saídas negociadas.