A verdade é que as finais da Liga dos Campeões nem sempre foram jogatanas de trazer na memória. O que é diferente de se dizer que foram pouco rasgadinhas ou penosas de assistir. Mas as finais não são para se estilizar o jogo, para rendilhados e reviengas, são para se jogar e são para se erguer o caneco no fim.
O jogo deste sábado à noite, no qual Neymar veio tombar aos 97′ uma brava Juventus, não nos vai perdurar na memória para sempre — e foi um jogo bem renhido, com a incerteza no resultado (muito por força do pulmão de Paul Pogba e do arreganho de Carlitos Tevez) a manter-se até final.
O que faz de uma final memorável? Os golos. Quaisquer golos. Até os que surgiram às três tabelas, como o do “baby-faced assassin” do Manchester United, Ole Gunnar Solskjær, na final louca de 1999 contra o Bayern, com o Camp Nou à pinha. Mas se os golos forem golaços, daqueles de deitar as mãos à cabeça em espanto, de se agradecer à bendita mãe que gerou um Zidane ou um Savićević , melhor.
O que o Observador lhe propõe é rever connosco os cinco golos que de melhor a Liga dos Campeões teve. Mas atenção: só na Liga dos Campeões — o nosso “ano zero” é o de 1992, quando a prova assim se começou a chamar.
A primeira final, a de 1993, no velhinho Olympiastadion de Munique, transbordava de craques no relvado. Bernard Tapie, o presidente do Marselha de então, tinha muitos defeitos: dizia-se dele que era irascível, todo soberba, um biltre do pior. Mas construiu um onze e tanto para o belga Raymond Goethals. Fabien Barthez (com cabelo!) na baliza dos franceses, Desailly a impor o cabedal no meio-campo, com a classe e a visão de Deschamps a seu lado, na frente os letais Alen Bokšić e Rudi Völler, mas o dono da bola era só um: Abédi Pelé. O ganês, camisola dez, foi para muitos o melhor jogador africano da história — melhor que George Weah, Didier Drogba ou Yaya Touré.
Curiosamente foi um defesa-central, internacional francês, baixinho e duro de rins, de seu nome Basile Boli, quem veio decidir a final com um golo de cabeça. Um golo de que quase ninguém se recorda, mas que foi suficiente para arrumar com o favorito Milan. A squadra de Capello, que tinha Rijkaard, Van Basten (o outro holandês, Ruud Gullit, não foi à Alemanha) e Jean-Pierre Papin — que até ser fez goleador no Marselha, com uma média de 30 golos por época, em seis temporadas.
A primeira final não foi famosa, mas há outras que o foram. Eis os melhores golos — para nós, no Observador; sinta-se legitimado a discordar — em finais da competição de clubes mais importante do mundo:
1. Zinedine Zidane (Bayer Leverkusen 1-2 Real Madrid, 2001/2002)
Os restantes golos, caro leitor, são-no perfeitamente discutíveis. Há quem goste mais de um, há quem goste mais de outro, e há até quem não concorde de todo com a selecção que lhe deixamos. Mas este não. O golo de Zizou é o melhor de sempre numa final da Liga dos Campeões. Ponto. E não o fez contra um Bayer Leverkusen qualquer. O Bayer de Klaus Toppmöller eliminou o Manchester United na meia-final, e o Liverpool nos quartos. Lá na frente, corria que se desalmava o rato Oliver Neuville, na defesa começava a dar nas vistas um garoto brasileiro, um tal de Lucimar da Silva, ou Lúcio, que seria o “xerife” do Bayern de Munique anos mais tarde, mas o líder, com o físico de um germânico mas os pés de um latino, era Michael Ballack. O problema para os de Leverkusen foi Florentino Pérez, em 2000, e depois de roubar Luís Figo ao Barcelona, ter-se decidido a desenhar um onze de galácticos. Roberto Carlos faz uma tabela com Solari, que o lança como o brasileiro gosta de ser lançado, em sprint, na linha, e é de lá que ele cruza a bola, sem olhar!, para a entrada da área. E quem é que lá estava, à espera dela? Zidane, pois claro. Encheu o pé esquerdo — que nem é o melhor do francês, mas até a bota canhota dele foi melhor que a de quase todos os jogadores destros do seu tempo –, e Hans-Jörg Butt (sim, o tal que andou pela Luz em 2007/2008) bem se esticou, mas nem com mais um metro de braço o pobre Hans lá chegaria, tal foi o paulada que Zidane deu.
2. Dejan Savićević (Milan 4-0 Barcelona, 1993/1994)
Quem o viu com ela nos pés, sabe bem que surripiar uma bola a Savićević, no Estrela Vermelha ou no Milan, não era coisa de mundanos — Giuseppe Bergomi, no duelo de Milão com o Inter, ou Ciro Ferrara, da Juventus, bem que o tentaram. O seu drible ganhou até um epíteto por terras de Itália: o drible do diabo. No dia 18 de maio de 1994, Dejan acordou de manhã, em Atenas, e terá pensado: mais logo vou por fim à “Dream Team” de Johan Cruyff. Massaro até marcou dois dos golos, mas foi Savićević quem abriu o livro, e fez o que bem quis de Koeman, Guardiola, Romário ou Stoichkov. O terceiro golo do Milan, aos 47′, é um feitiço do avançado de Podgorica, antiga Titogrado. Foi à disputa (pé em riste?) com Miguel Ángel Nadal, ganhou-lhe a bola, e, logo dali, sem ângulo, tirou um chapéu a Andoni Zubizarreta. Na Atenas de 1994, desvanecia-se o mito de uma “Dream Team”, a de Cruyff, aos pés de uma outra, a de Capello, que tinha Tassotti, Maldini, Desailly, Albertini, Boban, Donadoni, e, claro, Dejan Savićević.
3. Del Piero (Borussia Dortmund 3-1 Juventus, 1996/1997)
Paulo Sousa, que fora o “geómetra” do título europeu de 1996 na Vecchia Signora, no Estádio Olímpico de Roma, era-o de novo, um mais tarde, mas do lado do Borussia, em Munique. A Juventus foi superior durante todo o jogo, são incontáveis as bolas no poste e na barra dos transalpinos, por quem mais senão por Zinedine Zidane e Christian Vieri, mas o Dortmund de Ottmar Hitzfeld — e como no futebol, bem que avisou o Gary Lineker, são onze contra onze e no fim ganha a Alemanha — lá venceu. O golo de Del Piero, que fez o 2-1 para a Juventus e reanimou o jogo, foi um louvor do virtuosismo. Zidane desmarca Alen Bokšić, o croata ganha a Jürgen Kohler, e, já na área, mete a bola para a confusão. À saída do guarda-redes Stefan Klos, e mesmo com o durão do Matthias Sammer a respirar-lhe no cachaço, Del Piero sabia que só tinha um modo de desviar a bola para golo: de calcanhar. O problema foi que um tal de Lars Ricken (Lars quem?) saltou do banco aos 70′ para, nem um minuto depois, sacar uma chapelada a Peruzzi e resolver a final.
4. Hernán Crespo (Liverpool 3-3 Milan, 2004/2005)
Ao terceiro golo sem resposta, de Hernán Crespo, aos 44′, o jogo em Istambul ficou arrumado. Só o espanhol Rafa Benítez (o novo treinador do Real Madrid é um especialista nas finais e nos jogos a eliminar) é que não foi na conversa, e o Liverpool virou, à força de uma crença e de um coração sem tamanho, o resultado. Mas só o fez nos penaltis — e com uma dança do guarda-redes polaco Jerzy Dudek que ficou na história da Liga dos Campões. Ah, o tal golo de Crespo que quase decidia mas não decidiu, surgiu de um passe a rasgar de Kaká, Jamie Carragher esticou-se todo mas faltou-lhe um metro de bota para desviar a bola, e o resto foi a frieza e a classe do argentino, que picou sobre Dudek.
https://youtu.be/nQ72qqZoAd4?t=1m22s
5. David Villa (Barcelona 3-1 Manchester United, 2010/2011)
O último golo da nossa lista é de Villa Maravilla. Em Wembley, o Barça vencia por 2-1, mas o United — já sem Ronaldo, que se tinha transferido para Madrid — ainda ameaçava com o empate. Messi, quem mais?, que até já tinha marcado o 2-0, faz uma arrancada à Messi pela direita, a defesa do Manchester mete água, faz um mau alívio, e a bola sobra redondinha para David Villa. O Guaje bateu-lhe como ele sabe, como ela quer, e foi acordar o cuco que dormia no canto superior direito da baliza de Edwin van der Sar. Era a segunda Liga dos Campeões para Pep Guardiola, a terceira dos catalães no novo formato da prova.
https://youtu.be/VoJR7GbJptg?t=2m34s