Notícias do “Mirante” a dar conta da sua reeleição como presidente da Assembleia da Comunidade Urbana do Médio Tejo, recortes da revista dos “Templários” com editoriais escritos por si, documentos do partido social-democrata com quase 30 anos, dezenas e dezenas de páginas com informação do site do Parlamento, com registo da sua atividade parlamentar, e fotocópias de diplomas publicados em Diário da República. O portfolio do ex-ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, ocupa quase um dossier dos grandes, dos 22 que compõem o processo da Lusófona, e que o Observador consultou.

Em síntese, Miguel Relvas requereu a esta instituição de ensino superior, em 2006, que se “dignasse a apreciar” o seu currículo profissional. Relvas começou por evidenciar o exercício de cargos públicos (secretário de Estado da Administração Local do XV Governo Constitucional, deputado à Assembleia da República nas IV, V, VI, VII, VIII, IX e X legislaturas, membro da delegação portuguesa da NATO, de 1999 a 2002, secretário da Direção do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, de 1987 a 2001, Presidente da Região de Turismo dos Templários, de 2001 a 2002, entre outros).

Somam-se a estas competências, as “adquiridas ao longo da vida, no exercício de cargos políticos”: secretário-geral do PSD (2004-2005), presidente da Assembleia distrital de Santarém do PSD (1995 a 2002), secretário-geral da Juventude Social Democrata (1987-1989), entre outras.

Pelo desempenho destas funções, a Lusófona acabou por lhe atribuir 90 créditos, em 18 cadeiras como, por exemplo, Socioeconomia Política da União Europeia, Introdução ao Direito, Inquéritos e Sondagens de Opinião, Classes Sociais, Elites e Lobbies.

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Mas Relvas não se ficou por aqui. O ex-ministro conseguiu ainda que a Lusófona lhe desse equivalências por competências adquiridas no exercício de funções privadas e de intervenção social e cultural e frequência universitária, tais como ter sido presidente da assembleia geral da Associação de Folclore da Região de Turismo dos Templários (2001-2002), diretor da Revista Templários – Turismo, consultor da sociedade Barrocas, Sarmento e Neves, SA, entre outras. Por estas competências foi-lhe atribuída equivalência a mais umas quantas unidades curriculares. Entre elas, “seis unidades curriculares de opção livre”.

Um currículo com “mais-valias claras e aspetos salientes muito positivos”. Um “curriculum rico”, na opinião dos relatores, num parecer da Lusófona, de 2006. Pela “longevidade de funções”, por serem funções de “grande responsabilidade institucional” e pela “sua variedade”, estas funções acabaram por resultar em equivalências a 32 cadeiras diferentes, num total de 160 créditos, em 180. Miguel Relvas só teve de fazer quatro cadeiras do curso de Ciência Política e Relações Internacionais, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT).

Mas o processo de Miguel Relvas foi um dos 152 “considerado nulo” e foi enviado para o Ministério Público com vista à declaração da referida nulidade, no âmbito da ação de controlo efetuada por esta Inspeção-Geral.”

“No ato de creditação efetuado em 26.10.2006 não se encontram determinadas as unidades curriculares de opção, correspondentes a 30 ECTS e a 6 Unidades Curriculares (UC), razão pela qual o ato de creditação é ininteligível não se detetando, também, qualquer correspondência efetuada entre as competências declaradas e adquiridas em contexto profissional e as competências estabelecidas para as áreas científicas das UC de opção em causa”, lê-se no relatório de acompanhamento da Lusófona, da IGEC.

“Também não se encontra demonstrada, salvo melhor entendimento, a relação existente entre as competências adquiridas no âmbito da experiência profissional declarada e as competências estabelecidas para as áreas científicas de opção a creditar”, afirma a IGEC.

Lusófona admite que, se fosse em 2013, “processo teria sido mais exigente”

A 11 de janeiro de 2013, num novo parecer relativo ao processo de creditação de competências profissionais atribuídas a Miguel Relvas, que consta dos documentos consultados pelo Observador, a Lusófona admite que “o procedimento de creditação de competências do aluno teria conhecido, hoje, nesta mesma Universidade, não só mais sustentação na tramitação processual, como também maior exigência e contenção na atribuição de créditos”.

“Todo o processo teria sido, hoje, mais exigente e não teria conhecido certamente o desfecho que à data teve, ou seja, os créditos reconhecidos teriam sido diferentes, certamente menores”, escreveram os membros da Comissão Específica de Creditação do curso de Ciência Política e Relações Internacionais da ULHT.

“Mas a verdade é que, à data, o processo de Bolonha, em que se enquadrava o caso em apreço, estava em início de implementação no nosso País, a legislação era vaga, as normas regulamentares escassas, a experiência de conversão académica de competências profissionais quase nula“, explica a instituição, justificando dessa forma as “fragilidades” e “insuficiências”. Aliás, a própria Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) também aponta para alguns destes constrangimentos, no relatório preliminar terminado em setembro de 2014.

Apesar destas considerações, e passados seis anos da decisão tomada, “a Comissão [Específica de Creditação] é de parecer que não lhe assiste razão para propor a sua reversão”.

IGEC propôs anulação da licenciatura em 2013

Em 2013, a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) já tinha proposto a anulação do grau académico do então ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, apontando irregularidades na avaliação da unidade curricular de Introdução ao Pensamento Contemporâneo, em época de exame, no ano letivo 2006/07.

De acordo com a IGEC, a avaliação a essa unidade curricular foi feita com base numa “discussão oral de sete artigos de jornal da autoria do aluno” com o reitor da universidade, docente e diretor do curso de Ciência Política e Relações Internacionais, Santos Neves, ao invés de ter sido feita através de exame escrito, como era obrigatório. Relvas obteve 18 valores nessa disciplina que, juntamente com outras três (Teoria do Estado, da Democracia e da Revolução, Geoestratégica, Geopolítica e Relações Internacionais II e Quadros Institucionais da Vida Económico-Político-Administrativa), foram as únicas que o ex-ministro precisou de frequentar, tendo conseguido todos os restantes 160 créditos (a 32 disciplinas), através de equivalências.

Perante esta polémica, Miguel Relvas apresentou demissão a 4 de abril de 2013, alegando “falta de condições anímicas” para continuar a exercer funções. Mais tarde, o Ministério de Nuno Crato viria a informar, através de comunicado, que face à limitação dos poderes de tutela iria comunicar o caso ao Ministério Público para que, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, “pudesse extrair os devidos efeitos legais”.

Essa ação administrativa especial foi dada como pronta para a elaboração da sentença em fevereiro de 2014. Em abril passado, o Observador noticiou que só ainda não tinha havido sentença por falta de juízes no Tribunal Administrativo de Lisboa. O Observador procurou perceber como está esta situação, mas não conseguiu obter informações até ao momento.

Enquanto a ação não for decidida em tribunal, a Universidade Lusófona não poderá anular a licenciatura do ex-ministro, que está entre as 152 que o Ministério da Educação deu ordem à Universidade Lusófona para corrigir.

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