O centenário do Orpheu tem, a partir desta sexta-feira, mais um momento alto. O Manifesto Anti-Dantas, a peça de teatro “Sôror Mariana” que lhe deu origem, cartas, publicações da época, obras de artes plásticas e, claro, os originais da revista Orpheu são alguns dos objetos que vão poder ser vistos entre 26 de junho e 20 de setembro, na exposição “1915, o ano do Orpheu”, no Museu da Eletricidade, em Lisboa.
O Museu já tinha começado o ano com uma exposição dedicada a Almada Negreiros, um dos participantes fundamentais do Orpheu, autor do Manifesto Anti-Dantas. Na Biblioteca Nacional vai terminar, este sábado, a mostra “Orpheu acabou. Orpheu continua“, onde também se procurou integrar as revistas no seu tempo. “1915, o ano do Orpheu” não é “uma típica exposição de arte“, disse Steffen Dix, comissário da mostra, esta quinta-feira, na apresentação aos jornalistas. O alemão organizou, este ano, o livro com o mesmo nome, publicado pela Tinta-da-China, onde procurou reconstruir a história do Orpheu e o contexto sociocultural do Portugal de 1915. Foi essa ideia que deu origem ao conjunto que agora se inaugura, em simultâneo com a 11.ª exposição coletiva do Prémio Novos Artistas Fundação EDP, no mesmo piso, e “Posto de Trabalho”, de Valter Vinagre, no piso inferior.
Temos, então, uma cápsula do tempo que mostra 1915 como um ano de contrastes. Numa das secções da mostra há capacetes alemães da I Guerra Mundial para lembrar que, na Europa, havia um duro combate de trincheiras onde também participaram soldados portugueses. O próprio Fernando Pessoa começou a ler muito sobre o conflito, e a escrever sobre ele. Numa das vitrines é possível ver um exemplar de julho de 1915 da revista britânica Blast, proveniente do espólio do poeta. A situação política da I República em Portugal também estava agitada.
Ainda que sem cronologia, a exposição tem um ponto de partida: a foto do Café Montanha, mesmo à entrada. Foi ali que se deu o primeiro encontro entre Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Luís de Montalvor, em janeiro de 1915. O primeiro exemplar do Orpheu saiu em março e o segundo em junho, mas o terceiro nunca foi completado. Dois números foram suficientes para lançar as bases do Modernismo e influenciar os destinos da literatura portuguesa.
À época, o jornal O Intransigente publicou a notícia que dava conta da nova revista Orpheu com o título “A Caminho do Manicómio”, em finais de março de 1915. Para a maioria dos críticos, a poesia e a prosa contidas nesta revista de vanguarda eram exemplos de decadência literária. “Esta é a revista dos malucos, o órgão dos malucos”, escreveu pessoa, numa das cartas expostas. As críticas dos jornais também fazem parte da exposição, lado a lado com edições em bom estado da revista. Também se encontra ali, em ótimo estado, a chapa usada para gravar a capa do primeiro número, e que foi usada agora para a edição fac-similada do Orpheu que a Tinta-da-China vai fazer chegar às livrarias a 10 de julho.
Ao fundo da sala encontram-se pinturas de nomes como José Malhoa e Sousa Lopes, longe da estética modernista. Não é engano. “Esse conjunto foi escolhido pela tutela para representar Portugal em 1915, na exposição universal Panamá-Pacífico”, nos Estados Unidos, justificou José Manuel dos Santos, diretor cultural do museu. A rutura que o Modernismo fez com as ideias do Naturalismo está aqui presente. Tudo o que está na exposição é de 1915, exceto os quadros naturalistas.
Filmes, música e cartazes publicitários de 1915, textos de provocação como a “Ode Marítima” de Álvaro de Campos e “Manifesto Anti-Dantas” de Almada Negreiros cuja leitura pode ser escutada individualmente pelos visitantes e até uma mota vinda do Museu do Caramulo são outras das pistas para saber mais sobre o ano que produziu a revista que mudou para sempre o rumo da literatura portuguesa.