A deliberação sobre a perda de mandato de Marinho e Pinto cabe apenas à Assembleia da República, apesar de o mandato ser exercido no Parlamento Europeu. Esta instituição europeia só atua diretamente na perda de mandato dos eurodeputados em caso de incompatibilidades de cargos, deixando os restantes critérios para abandonar Bruxelas a cada um dos Estados-membros. Desde o início desta legislatura já abandonaram o Parlamento Europeu 26 eurodeputados de diferentes nacionalidades, mas a maior parte para assumir outros cargos políticos.
Caso a Comissão de Ética da Assembleia da República, que está a estudar a queixa contra Marinho e Pinto, vote favoravelmente a sua perda de mandato, informará posteriormente o Parlamento Europeu. A esta instituição só cabe, mais precisamente ao seu presidente, ou seja, o eurodeputado alemão Martin Schulz, informar o eurodeputado Marinho e Pinto que deve abandonar o Parlamento, não havendo qualquer intromissão por parte do aparelho comunitário. Estes procedimentos estão explicados no Regimento do Parlamento Europeu.
“Se a autoridade competente de um Estado-Membro notificar o Presidente do termo do mandato de um deputado ao Parlamento Europeu em conformidade com a legislação desse Estado-Membro, quer devido a incompatibilidades previstas no n.º 3 do artigo 7.º do Ato de 20 de setembro de 1976, quer devido à perda do mandato nos termos do n.º 3 do artigo 13.º desse Ato, o Presidente informará o Parlamento de que o mandato chegou ao seu termo na data comunicada pelo Estado-Membro e convidará este último a preencher a vaga sem demora”, pode ler-se no estatuto.
Já o Ato define os cargos incompatíveis com a função de eurodeputado e aqui poderá ser o Estado-membro ou a própria União a informar o Parlamento das nomeações ou eleições para diversos cargos como comissário europeu, membro do Governo de um Estado-membro, deputado nacional ou diretor do Banco Central Europeu – pode ler todas as compatibilidades de cargo aqui. No entanto, estes são os únicos impedimentos ditados pelo Parlamento, deixando para cada um dos Estados-membros os restantes critérios particulares, como se verifica no caso de Marinho e Pinto. A queixa contra si foi baseada na lei que rege os deputados da Assembleia da República, já que não há uma lei específica que discrimine o estatuto dos deputados europeus, invocando a proibição de um deputado abandonar um partido e filiar-se noutro no decorrer da mesma legislatura.
Impedimentos políticos? Uma particularidade muito portuguesa
Em Portugal, um deputado pode perder o mandato nas seguintes situações: se a pessoa for abrangida por alguma incapacidades ou incompatibilidades previstas no Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos; não tome assento na Assembleia da República ou excede o número de faltas; se inscrevam em partido diferente daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio ou sejam judicialmente condenados por participação em organizações de ideologia fascista ou racista.
Ao Observador, a investigadora portuguesa e professora na Universidade de Hull, no Reino Unido, Cristina Leston-Bandeira, diz que a ligação entre o mandato e o partido “é algo muito específico das leis portuguesas”. “Desconheço qualquer outro parlamento que tenha esta regra, embora até possa existir. No entanto, parece-me uma situação única, já que nem mesmo Espanha – que também utiliza a distribuição de Hondt no sistema eleitoral e tem um sistema partidário forte – tem esta regra”, diz a académica, que foi uma das investigadoras que participou em 2002 no estudo “O Parlamento Português: Uma reforma necessária”.
Na regimento dos deputados espanhóis, o eleito perde o seu mandato por decisão judicial que anule a sua eleição por falecimento ou incapacidade, dissolução da Câmara de Deputados ou por renúncia do deputado.
Dos 26 eurodeputados que abandonaram o Parlamento Europeu desde o início da legislatura, muitos saíram para exercer o cargo de comissários europeus, como o letão Valdis Dombrovskis, o espanhol Miguel Arias Cañete ou a romena Corina Cretu, que fazem parte da equipa de Juncker. Georgios Katrougalos, antigo eurodeputado grego pelo Syriza, saiu no início do ano para integrar o Governo do Syriza como vice-ministro da Administração Pública, e vários eurodeputados do Podemos saíram para integrar as listas candidatas às eleições regionais espanholas. Há também eurodeputados que voltaram aos seus países para exercer funções nos seus partidos e ainda um óbito.
O Observador tentou apurar junto do Parlamento Europeu se uma saída similar à possível perda de mandato de Marinho e Pinto já tinha acontecido, mas sem sucesso. No entanto, o precedente poderia ter sido aberto em Portugal, durante a última legislatura.
Antes de Marinho e Pinto, Rui Tavares?
O antigo eurodeputado Rui Tavares, que foi eleito como eurodeputado pelo Bloco de Esquerda mas que rompeu com o partido a meio do mandato, mudando também de grupo político para os Verdes Europeus, fundou o partido Livre em novembro de 2013 e o partido foi aprovado pelo Tribunal Constitucional a 19 de março de 2014, coincidindo com a altura em que Rui Tavares ainda exercia o seu mandato. O mandato durou até julho de 2014, altura em que o novo Parlamento tomou posse, fazendo com que o historiador também fosse suscetível a uma queixa deste género na altura.
Rui Tavares diz que nunca soube que tal estivesse a ser equacionado e que quanto o Livre foi declarado como partido pelo Tribunal Constitucional, “já tinha decorrido a última sessão plenária” – que decorreu entre 10 a 13 de março em Estrasburgo – e que “o Parlamento Europeu entrou em pausa para a realização das eleições”. “A saída de um partido no Parlamento Europeu não é visto como algo especialmente extraordinário”, defende Rui Tavares, explicando que o facto de as forças políticas nacionais se juntarem em grupos políticos altera a dinâmica normal de um parlamento nacional.
“No caso do deputado Marinho e Pinto, estamos a falar de um assunto sério de forma leviana. O que deve interessar saber sobre um eurodeputado é se trabalha e faz um trabalho sério no Parlamento sério no Parlamento Europeu. E infelizmente, até agora ainda não o vi fazer estas coisas e o que aconteceu, é que a partir do momento que tomou posse, desinformou os portugueses”, diz o recentemente eleito cabeça de lista do Livre/Tempo de Avançar por Lisboa. O historiador diz ainda que a questão do mandato não pode ser decidida da forma como está a a ser, através do Estatuto dos Deputados da Assembleia da República, já que os eurodeputados têm um “duplo mandato” nacional e europeu e “a cultura parlamentar é completamente diferente”.