Rosa, 31 anos, e João, 34, estão casados há seis anos. Partilhavam o sonho de ter filhos, mas talvez não se imaginassem com quatro tão depressa. O Manuel foi o primeiro a aparecer e tem hoje quatro anos; o Zé Maria nasceu um ano e meio depois; a Tânia tem 19 anos e é a «filha que nasceu do coração»; o Xavier nasceu em março deste ano. Fazendo jus ao apelido, assumem-se como uma família numerosa onde cada um é muito Amado.

Um ano depois do nascimento de Manuel, Rosa ficou grávida novamente. Aos três meses de gestação, souberam que o filho tinha a prega da nuca aumentada, sinal de que poderia ter trissomia 21. Em Portugal, estima-se que um em cada 800 bebés nasça com trissomia 21, uma mutação genética que faz surgir um terceiro cromossoma no par 21 (o ADN humano é formado por 23 pares de cromossomas). Feita a amniocentese, seguiu-se uma espera inquietante pelo resultado que podia mudar as suas vidas. «Foram três semanas muito importantes, porque tivemos esse tempo de aprendizagem para perceber que se calhar não era o fim do mundo, só tínhamos de aprender o que era efetivamente», lembra Rosa. «Fui para a internet reunir o máximo de informação e falar com pessoas», conta João. Foi então que descobriram o grupo Pais 21, através do qual esclareceram dúvidas e contactaram com outras famílias.

Quando estavam prestes a receber o diagnóstico, por ser altura do Dia Mundial da Trissomia 21 (21 de março), havia muita informação a ser partilhada nas redes sociais, e foi um filme partilhado por uma mãe que os tranquilizou: ia estar tudo bem. Na ecografia que fizeram depois da confirmação do diagnóstico, Rosa e João dizem ter visto o seu filho fazer com os dedos um “V” de vitória.

Os sinais não ficaram por aí. João não pôde deixar de reparar num conjunto de coincidências: o Zé nasceu às 6h15 (6+15=21), no mesmo dia – 21 de agosto – em que nascera o seu bisavô, de quem era o 21º bisneto e de quem herdou o nome. O quarto que lhes foi atribuído na maternidade foi o 321.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Perto de completar três anos, o Zé Maria tem crescido saudável e feliz, rodeado dos afetos da família e amigos. «Em termos físicos, demorou mais tempo a fazer algumas coisas, como equilibrar-se e andar», explica Rosa. «Mas ele não é a trissomia 21, ele é o Zé Maria e tem trissomia; os outros têm outras coisas, ele tem isso».

Os pais têm procurado proporcionar-lhe algumas terapias para contrariar as dificuldades específicas da trissomia. «São uma espécie de explicações para bebés: não estão a ensinar-lhe Português ou Matemática, mas ensinam-no a brincar, para que compreenda melhor o mundo à sua volta. Tem também uma componente de fisioterapia, para reforçar a parte muscular», explica Rosa, que confessa não ter tempo e dinheiro para tudo o que poderia fazer, e que lhe é difícil «ver a linha entre o que é suficiente e o que pode já ser demais».

Zé Maria Amado numa campanha da associação Pais21

Zé Maria Amado numa campanha da associação Pais21

O cromossoma a mais de Zé Maria não foi a única surpresa na família, que se diz, no entanto, «mais normal do que a maioria das famílias». No início de 2014, Tânia foi adotada pelos Amado, que já a acompanhavam há cerca de dez anos. Diz que o presente feliz que está a viver é uma justa recompensa por um passado difícil e conta que há dias que a barriga chega a doer de tanto rirem. Confessa que «não sabia bem o que era a trissomia 21» e que tem aprendido muito com o irmão Zé Maria, uma criança «normalíssima, sempre ativa, com muita personalidade».

Logo a seguir à entrada de Tânia na família, criaram o blogue Los Amados, onde os pais e a filha mais velha partilham o dia-a-dia lá de casa – das festas às dietas, das terapias do Zé às primeiras fotografias do Xavier. O blogue servia, no imediato, para responderem às possíveis dúvidas dos mais próximos sobre a chegada de Zé Maria e Tânia, e era também uma forma de partilharem a sua experiência com outras famílias na mesma situação, para que vissem que cada filho tinha os seus desafios, que nem tudo era fácil todos os dias, mas que, no essencial, estava tudo bem.

Hoje têm mais de dois mil seguidores na sua página do Facebook. Os contactos que disponibilizam no blogue têm sido usados por vários pais para trocar experiências e tirar dúvidas sobre trissomia 21 e adoção.

Em Portugal, estima-se que mais de 90% dos pais que recebem um diagnóstico de trissomia 21 acabam por abortar. João acredita que muitos decidiriam de outra forma se tivessem mais conhecimento sobre casos reais de tantas famílias como a sua. «As pessoas têm medo porque não conhecem», defende.

Se, ao início, o maior receio de João era que Zé Maria «fosse ostracizado pela sociedade e não tivesse as mesmas oportunidades», hoje relativiza essas preocupações, porque, no fundo, cada um dos filhos terá desafios e dificuldades em qualquer altura da vida. Para os pais, também «é importante que os irmãos não carreguem o peso do Zé Maria, nem vivam à sua sombra». «Desde que eles sejam todos do Belenenses, está tudo bem», remata João.