O organismo humano é constituído por órgãos, com tecidos que são constituídos por células e cada uma destas células é uma pequena fábrica onde se passam todos os processos que nos põem a funcionar. Todos os instrumentos que a célula precisa para trabalhar e para se formar a ela própria, são derivados de ‘instruções’ presentes nos núcleos das células – os genes – e estes estão arrumados em 23 pares de ‘dossiers de informação’ – os cromossomas.

A Síndrome de Down (ou trissomia 21) acontece (na maioria dos casos) aquando da presença de um cromossoma 21 a mais, resultante de um erro na formação das células sexuais (espermatozoides e óvulos). A presença deste cromossoma a mais resulta em atraso do desenvolvimento, perturbação do desenvolvimento intelectual, dismorfismos característicos e maior risco de malformações congénitas e outras doenças na infância e idade adulta. Pode ser confirmada através de um exame chamado cariótipo (observação ao microscópio dos cromossomas). Este teste diagnóstico pode ser feito após o nascimento em amostra de sangue, ou durante a gravidez por exames invasivos: amniocentese ou biópsia das vilosidades coriónicas.

A trissomia 21 é uma doença genética, mas no entanto não é herdada (o erro é esporádico e na maioria dos casos não há maior risco por história familiar), nem rara (a incidência da síndrome ao nascimento é de 1:700). O factor de risco mais importante é a idade materna. Assim após a década de 1970 tornou-se medida padrão a realização de amniocentese a mulheres grávidas com idade superior a 35 anos. Mais tarde surgiu a biópsia das vilosidades coriónicas. Estes exames, por serem invasivos, acarretam risco de aborto e exigem equipa e equipamento especializado. Nos anos 90 introduziu-se à estratificação do risco a translucência da nuca aumentada (achado ecográfico), no que foi evoluindo para um rastreio combinado de 1.º trimestre cada vez mais complexo (com recurso a avaliação bioquímica e outros dados ecográficos, feito de forma integrada, sequencial ou contingente). Apesar do número de  exames invasivos ter diminuído substancialmente, 5% das grávidas com alto risco continua a fazê-lo por falsos positivos, além de permanecer um importante risco residual (a sensibilidade destes rastreios não ultrapassa os 90%).

Em 1995 foi pela primeira vez descrita a presença de DNA extracelular no sangue materno. No entanto, só em 2008, aquando da emergência da sequenciação massiva de nova geração foi possível fazer crescer um teste que agora conhecemos como NIPT. Aos dias de hoje o teste pré-natal não invasivo (NIPT na sigla em inglês) é o teste gold-standard, com maior especificidade e sensibilidade para a trissomia 21 (>99,9%), recomendado a todas as grávidas, independentemente da idade e do seu risco.

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Mas o que é o NIPT? Todo o DNA (ácido desoxirribonucleico) fetal está representado em pequenos fragmentos que resultam da morte de células do trofoblasto (placenta). Este DNA fetal livre em circulação (cfDNA) é detectável (e pode ser estudado) após as 9 semanas de gestação (e até ao fim da gravidez, não carecendo de janela temporal como nos rastreios anteriores) e é eliminado rapidamente após o parto, permitindo a sua utilidade em cada gravidez. O teste é feito em amostra de sangue materno (não invasivo), sem qualquer risco para o feto e pode ser usado em gravidezes gemelares ou resultantes de técnicas de reprodução médica assistida.

Já é prática corrente em muitos países (mais de meia centena), ainda que a implementação difira, na sua maioria por aspectos económicos. Mas existem também preocupações relativas à literacia, aconselhamento genético pré-teste e recursos exigidos para tal.

É essencial que os casais sejam informados sobre as possibilidades, mas também limites do teste e os possíveis resultados incidentais e não expectáveis. Nomeando alguns exemplos: mosaicismo (em que as alterações detetadas não refletem necessariamente o que está a acontecer com o feto, mas estão confinadas à placenta), gravidez gemelar perdida (o cfDNA de um gémeo com morte in utero pode ser detetável até 16 semanas), malignidade materna (um cancro materno pode ser suspeito por resultados anómalos no NIPT), ausência de resultado (a incapacidade em obter resultados é por si um factor de risco). É importante não esquecer que o cfDNA tem origem na placenta e por isso não deixa de ser um teste de rastreio (apesar da sensibilidade de 99,9%), que obriga a estudo invasivo para confirmação de resultado.  Além disso, a exclusão de trissomia 21, não exclui riscos para outras patologias do feto (o risco em cada gravidez de malformações congénitas é de 2,5% e de trissomias é apenas 0,3%) e maternas com repercussões para a grávida e feto (como hipertensão materna, diabetes gestacional, infeções virais). Assim um resultado negativo não pode ser motivo para falsa tranquilidade e descurar restante vigilância.

Este aconselhamento ficará cada vez mais desafiante nas aplicações emergentes do NIPT: rastreio de aneuploidias raras, deleções e microduplicações e doenças monogénicas (desde a determinação Rh, ao estudo de doenças dominantes de novo ou recessivas).

Mas o NIPT é sem dúvida a mais promissora tecnologia no diagnóstico pré-natal, permitindo diminuir significativamente testes invasivos e habilitando, tanto os futuros pais, como os médicos, de maior informação essencial à tomada de decisões durante a gravidez. O seu crescimento será inevitável e consequentemente é essencial debatermos e encontrarmos melhores soluções para os desafios inerentes: literacia, modelos de implementação, custos.

A 1 de Março foi publicada uma orientação DGS que permite a todas as grávidas seguidas pelo sistema nacional de saúde, a realização de estudo NIPT, contingente a risco intermédio por rastreio combinado de 1.º trimestre (entre 1:101 e 1:1000). Na minha opinião esta norma peca por curta e tardia, mas é um passo importante na nossa política de saúde.