A Deco confirmou esta terça-feira ter recebido queixas de pessoas que se sentiram lesadas pela empresa LibertaGia, cujo mentor, Rui Pires Salvador, está a ser investigado em Espanha e alertou novamente para as potenciais perdas dos esquemas em pirâmide.
“Tivemos alguns contactos, num volume não muito elevado, o que não é surpreendente nos esquemas em pirâmide”, disse à Lusa o analista financeiro da Deco PROTESTE, André Gouveia, explicando que muitas pessoas acabam por não denunciar a situação “por vergonha ou porque têm esperança de recuperar o seu dinheiro”.
André Gouveia estima que tenham chegado à associação de consumidores entre uma a duas dezenas de reclamações escritas, tendo as queixas começado no ano passado, devido a atrasos nos pagamentos.
“Nós apenas pudemos reforçar os avisos que já temos feito. Tal como [a empresa] era apresentada, era um negócio que nos levantava bastantes dúvidas e o que nos aconselhámos foi tentar levantar o dinheiro e, se possível, fazer uma queixa às autoridades”, afirmou o mesmo responsável.
Os pagamentos terão sido feitos “sem grandes problemas” até ao verão passado, altura em que começaram a surgir dificuldades, o que não é surpreende André Gouveia. “Nesta fase inicial, as empresas pagam sempre e, por isso, não há reclamações sobre estes esquemas, porque enquanto estão a pagar ninguém tem razão para se queixar”, adiantou.
Um dos lesados, que pediu para não ser identificado, contou à Lusa que foi recrutado por amigos com a promessa de receber “320% sobre o valor das operações” que teria de fazer para a empresa e que passavam essencialmente por recrutar pessoas, assistir a vídeos e clicar em anúncios.
“Perdi 800 euros”, desabafou, queixando-se que deveria ter começado a ser remunerado ao fim de três meses, mas nunca chegou a receber o dinheiro.
Segundo as suas contas, deveria ter recebido 420 euros no primeiro mês, “porque já tinha recrutado 10 pessoas”, 1.244 euros no segundo mês e 2.580 no terceiro, valores que dependiam das “operações” realizadas e que não ultrapassavam as 30 por dia, uma tarefa à qual dedicava cerca de duas horas diárias.
Quando descobriu que tinha caído “numa alhada tremenda”, cobrou explicações a Rui Pires Salvador mas este deixou de atender os telefonemas. “Ligava de telefones públicos e aí já atendia e inventava desculpas, dizia que a empresa estava a passar por uma reestruturação”, relatou. Confessou ter recorrido ao aconselhamento da Deco, no final de junho, mas não apresentou queixa na polícia porque “não vale a pena”.
A notícia de que a justiça espanhola está a investigar o português Rui Pires Salvador por alegadamente ter burlado centenas de milhares de pessoas num esquema piramidal que ascende a mais de mil milhões de euros, foi divulgada no fim de semana pelo jornal El País.
José García Cabrera, responsável jurídico do escritório Lemat Advogados, que representa até ao momento 500 pessoas, em Espanha, disse à Agência Lusa que poderão existir entre 1,8 e 3 milhões de pessoas afetadas em todo o mundo, as quais cerca de 250 mil espanhóis.
Estas pessoas alegam que puseram dinheiro na empresa de Rui Pires Salvador, a LibertaGia, para poderem aceder a um serviço remunerado a 350% por ano. Segundo a empresa, apenas tinham de aceder a determinadas páginas e ver anúncios na Internet.
Teoricamente, a remuneração seria contabilizada “online”. “As pessoas tinham um balanço online, como se fosse uma conta bancária, e, por cada acesso que faziam, em teoria receberiam uma remuneração”, explicou o advogado García Cabrera
O português Rui Pires Salvador dizia aos “investidores” que o dinheiro que iriam receber por esse serviço provinha dos anunciantes. Mas a LibertaGia, alegam os queixosos, nunca pagou qualquer verba à maioria destes “investidores”.
“Quando começaram a não receber, a empresa LibertaGia começou a compensá-los com a possibilidade de trazerem novos associados. Ou seja, a empresa dizia que as pessoas receberiam o que tinham em dívida cobrando aos novos associados que trouxessem. Era uma estrutura piramidal”, salientou o advogado.
Os dados na posse da Lemat Advogados, escritório baseado em Granada, indicam dois tipos de verbas em falta: entre 27,3 e 45,5 milhões de euros em dinheiro pago pelas pessoas à LibertaGia para poderem entrar no serviço.
“E depois há cerca de 1.079 milhões de euros em dívida da empresa às pessoas. Este valor não é o do investimento que as pessoas fizeram, mas sim o trabalho, a remuneração que deveriam ter recebido e não foi paga”, explicou García Cabrera.
O processo em investigação na 5.ª Vara do Tribunal de Granada (Andaluzia, Sul de Espanha) foi aberto em março, na sequência de uma queixa da Lemat em fevereiro.
A Agência Lusa contactou a Polícia Judiciária e o Ministério Público em Portugal para saber se o caso está a ser investigado em Portugal, sem obter resposta até ao momento.