A tempestade tropical transformou-se em furacão e Fred, o tal furacão, apareceu muito antes do que seria esperado. Ainda mal a tempestade se tinha afastado do continente e já os ventos eram tão fortes que provocavam vários estragos nas ilhas de Cabo Verde. Fred ganhava assim o título de furacão tropical mais oriental. Agora, é apenas uma tempestade tropical, que viaja pelo oceano Atlântico, e que pode entretanto ficar pelo caminho. Mas comecemos pelo princípio.
Furacões, tufões ou ciclones tropicais, são todos a mesma coisa – ventos rotativos em turbilhão na atmosfera. Estes, têm em comum os vários quilómetros de diâmetro e formarem-se nos trópicos, mas cada um no seu oceano – Atlântico, Pacífico e Índico, respetivamente.
Regra geral, as depressões tropicais formam-se sobre o oceano quando a temperatura à superfície é elevada – maior que 26º C – e quando os ventos horizontais são fracos ou inexistentes, explica ao Observador Alfredo Rocha, professor do Departamento de Física da Universidade de Aveiro (UA). “Se o vento for muito forte destrói os turbilhões.”
Bem, vamos ver isto passo a passo. Quando a temperatura à superfície é elevada há mais evaporação, provocando ventos verticais fortes. O ar húmido arrefece à medida que vai subindo e vapor de água condensa formando nuvens. Quando a água passa do estado gasoso ao estado líquido liberta uma enorme quantidade de energia que acaba por funcionar como “combustível para o furacão”, explica Alfredo Rocha, também investigador no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA. “Quanto maior a temperatura à superfície do mar, maior a intensidade do furacão.” Quando chegam a terra, como a evaporação não se compara à do oceano, os furacões e tempestades tropicais tendem a perder intensidade.
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Mas nem o furacão se forma assim que começa a haver evaporação da água, nem os turbilhões do Atlântico tropical oriental se formam todos sobre o oceano. No caso da tempestade tropical que atingiu Cabo Verde, a depressão formou-se no continente. Quanto maior a diferença de temperatura entre o Golfo da Guiné e o deserto do Saara – que apesar de se encontrar a norte é muito mais quente –, maior a probabilidade de se formarem correntes de jato, explica Alfredo Rocha.
Estas correntes, que se formam preferencialmente entre abril-maio e setembro-outubro, são ventos horizontais no sentido este-oeste a três quilómetros de altitude. “Não são muito fortes, mas a velocidade é superior à das redondezas.” Criadas as condições para se formar uma depressão sobre o continente os ventos deslocam-se para oeste onde encontram o oceano. Se a temperatura à superfície da água for elevada, a depressão tropical – com ventos fracos de 50-55 quilómetros por hora (km/h) – pode transformar-se numa tempestade tropical – com ventos superiores a 65 km/h.
Os furacões formam-se quando a velocidade do vento ultrapassa os 119 km/h e normalmente só aparecem no meio do oceano Atlântico tropical ou mais a oeste, onde a temperatura da água é mais alta. Daí a surpresa de que se tenha formado um furacão sobre Cabo Verde, ainda tão próximo da costa. Alfredo Rocha diz que agora é preciso perceber o que aconteceu, mas que as temperaturas altas do mar e da atmosfera junto à costa podem ser uma hipótese. O professor acrescenta que o aumento das temperaturas pode ser justificado pelas alterações climáticas e que isso pode resultar em mais furacões tão a leste e a norte, como o de Cabo Verde.
A tempestade de Cabo Verde teve mais um momento digno de referência. Em vez de viajar para oeste em direção às Canárias, como acontece normalmente, o turbilhão seguiu a direção noroeste. Alfredo Rocha diz que esta situação não é insólita, embora não seja frequente, e pode estar relacionada com outras condições atmosféricas, como o anticiclone dos Açores. Se a tempestade seguisse mais para norte, poderia encontrar correntes atmosféricas de oeste para este e chegar aos Açores, explica o professor. Em 2012, o furacão Gordon, formado na mesma latitude de Cabo Verde, ainda que mais a oeste, passou ao largo dos Açores causando alguns danos, mas perdeu a intensidade antes de chegar a Portugal continental.
Independentemente da zona onde se forma a depressão, os furacões aparecem sobretudo na zona das Caraíbas, diz ao Observador Bruno Café, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), onde a temperatura das águas é mais alta. Desta vez, aumentou de intensidade muito mais cedo do que se esperava, mas as previsões é que vá diminuindo intensidade nos próximos dias, sem mais motivos para alarme em Cabo Verde, diz o meteorologista.
A passagem de Fred provocou alguns danos materiais nas ilhas de Cabo Verde, mas sem vítimas humanas, referiu José Maria Neves, primeiro-ministro cabo-verdiano, em conferência de imprensa após reunião interministerial. As ilhas do Sal e Boavista foram as mais afetadas e os respetivos aeroportos internacionais foram obrigados a encerrar devido aos estragos e condições atmosféricas. Na terça-feira já tinham reaberto. Apesar das ondas de quatro a sete metros, os portos e pontes conseguiram resistir, enalteceu o primeiro-ministro, mas é preciso analisar se as fundações foram afetadas. Como registo positivo, José Maria Neves refere que as chuvas intensas permitiram encher as barragens e que estas estão a funcionar convenientemente.
Powerful Hurricane #Fred passing over #CapeVerde islands. See more pictures, Sapo #CaboVerde: http://t.co/vjx5DRj1ki pic.twitter.com/C5KNcEA0oc
— Zenaida Machado (@zenaidamz) August 31, 2015
A maior parte dos ventos da tempestade que atingiu Cabo Verde este ano têm uma velocidade máxima de 100 km/h, dentro dos valores de uma tempestade tropical – 73 a 118 km/h –, mas no domingo os ventos ultrapassaram os 140 km/h que levou a que os ventos fossem considerados um furacão. A Escala de Ventos de Furacões de Saffir-Simpson tem cinco categorias. O Fred só atingiu a primeira categoria – 119 a 153 km/h –, mas já com potencial para causar danos. A categoria que prevê maiores danos, a quinta, é atingida assim que os ventos ultrapassem os 252 km/h.
Este é o segundo furacão que atravessa a ilha de Cabo Verde, o outro aconteceu em 1892, quando os registo ainda eram escassos. Em 1892, o furacão passou entre o grupo de ilhas do grupo e o grupo do sul. Já em 1998, o furacão Jeanne passou 160 quilómetros ao largo das ilhas do sul. Conforme cita o site Weather Underground, só se verificaram duas tempestades tropicais com vítimas mortais: a tempestade Beryl, em agosto de 1982, com três mortos e 122 feridos, e a pior de que há registo, a tempestade Fran, em setembro de 1984, com mais de duas dezenas de mortos.
O IPMA, embora não registe dados diretos do fenómeno, têm-se mantido atento a qualquer possibilidade de que a tempestade se encaminhe para Portugal continental ou ilhas, mas esse não parece ser o caso nesta situação. O Centro Nacional de Furacões norte-americano (National Hurricane Center, National Oceanic and Atmospheric Administration) mostra a progressão da tempestade tropical para os próximos dias sem indício de que se volte a formar um furacão neste período.