Até há pouco tempo pareciam mais ou menos transparentes — com exceção da monocelha que, deve ser unânime, nunca foi bonita. Mas entretanto apareceu Cara Delevingne, que se tornou uma it girl tendo-as frondosas e escuras, a desenhar-lhe quase sempre uma expressão irónica, blasé ou em permanente flirt. Loss of innocence para as sobrancelhas, depois de tanto tempo a serem domadas.
Não se trata meramente da moldura do rosto, como já se viu escrito em tantos sítios. Até porque falar em moldura parece o mesmo que falar em alguma coisa que ajuda, mas que é dispensável. E não é o caso. As sobrancelhas tornam visíveis uns dos músculos mais importantes na expressão espontânea de todos os dias. Chamam-se corrugator supercilii e é um desafio reagir ao que quer que seja sem os mexer.
“Confusão, desacordo, surpresa, hostilidade, interesse, esforço, alegria e muitas outras coisas são vistas no rosto através das contorções elásticas das sobrancelhas”, escreve o professor de psicologia da Universidade de Lethbridge, Javid Sadr, no Independent. E nem todas estas reações que as sobrancelhas comunicam são assim, simples de nomear e até de falsear. A contração destes músculos é por vezes quase impercetível e pode dizer imediatamente coisas que demorariam tempo a serem processadas e transmitidas num discurso verbal articulado.
“Por exemplo: o corrugator provoca um franzido rápido e involuntário na cana do nariz como resposta a coisas de que não gostamos”, diz Sadr, lembrando uma das formas como esta pequena área da nossa cara nos denuncia e diz coisas instantaneamente, mesmo antes de elas chegarem à linguagem verbal.
Nada que não saibamos intuitivamente, pela experiência que é viver todos os dias, desde sempre, com pessoas. O que pode ser mais surpreendente é perceber que as sobrancelhas não são apenas um eficaz meio de expressar emoção, mas também de assimilar a emoção do outro e criar empatia – imitam a expressão da pessoa com quem conversamos e enquanto falamos passam o tempo a mexer-se, pontuando o discurso de intensões e segundos sentidos, da mesma maneira que as mãos.
“Tal como duas bandeiras de semáforo, as sobrancelhas estão sempre ocupadas, contribuindo para um significado mais completo das palavras, dando diferentes sentidos até aos silêncios. Na cara de quem ouve”, continua Sadr, “também praticam uma dança cheia de mensagens, ou então mantêm-se passivas, desinteressadas, com desagrado”.
Talvez não haja momento da arte em que mais se tenha dado pelas sobrancelhas como no cinema mudo dos anos 1920 e 30: das de Charlie Chaplin, sempre em exercício, às de Buster Keaton, sempre em repouso.
Louise Brooks, que ficou para sempre associada à sua Lulu da Caixa de Pandora (1929), é uma mulher contra-corrente na era do cinema mudo e que se opõe ao sistema de produção americano que explora os atores. Coincidência certamente, uma vez que não são conhecidas propriedades místicas às sobrancelhas, as suas são também dissidentes: subtilmente mais preenchidas, desenham-se mais naturais que as das colegas. Assim como a sua performance na tela, com expressões com menos teatralidade, sem exageros e por isso surpreendente.
Com a cara a precisar de dizer tudo o que não estava escrito nos entretítulos, a expressividade extrema destes filmes parece hoje uma caricatura, a começar nas sobrancelhas femininas, muito finas, arqueadas e dramáticas. E mesmo com o advento do som, a moda permanece: não há nada que marque o rosto de Marlene Dietrich ou de Greta Garbo como aqueles arcos que parecem desenhados a compasso, pelos anos 40 fora.
Nos anos 50 e 60 não serão fáceis de esquecer as de Elizabeth Taylor: dois ângulos pretos a marcador sobre os olhos, dois traços fortes que parecem combinar com os seus papéis nada pacíficos de uma mulher no limite, em filmes como Bruscamente no Verão Passado (1959) ou Quem tem Medo de Virginia Woolf (1966), em que aos 34 anos faz o papel de uma mulher de meia-idade.
Se para o homem primitivo eram uma barreira para proteger os olhos da chuva e do suor, hoje as sobrancelhas podem ser muito eficazes fazendo o mesmo em relação ao champô. Ou então, é outra vez Taylor que nos mostra a verdadeira razão para as ter grandes e carregadas: em Cleópatra (1963) fazem parte da obra de arte que é todo o ambiente e caracterização do filme, quase se confundindo com o eyeliner que lhe encaixilha o olho.