A noite eleitoral foi longa, produziu algumas surpresas – quem diria que o PAN seria capaz de eleger um deputado? – e teve dois grandes vencedores: a coligação Portugal à Frente, que conseguiu ser a força política mais votada, e o Bloco de Esquerda, claro, que é agora o terceiro partido mais representado no Parlamento. Mas há mais curiosidades que ajudam a contar o filme destas eleições.
1 – Deputados perdidos pela PàF no Porto foram para BE e PCP
O distrito portuense serve quase para traçar a radiografia destas eleições: é verdade que a coligação perdeu quatro deputados em relação a 2011, mas o PS não conseguiu transformar essa derrota de PSD e CDS em votos – manteve os 14 deputados eleitos. Os quatro assentos perdidos pela coligação foram direitinhos para Bloco (três) e CDU (um).
Em Lisboa, o fenómeno foi semelhante. Os sete deputados perdidos pela coligação foram distribuídos da seguinte forma: quatro para o PS, dois para o BE e um para o PAN.
As notícias sobre a morte do Bloco de Esquerda foram manifestamente exageradas. A frase é feita, mas terão sido poucas as vezes em que fez mais sentido. Quando a maioria dos analistas suspeitava que o BE ia desaparecer do mapa, os bloquistas conseguiram duplicar o número de votos: 549.153 votos (10,22%) em 2015, contra 288.206 votos (5,19%) em 2011. Com este resultado, o “melhor de sempre” como lembrou Catarina Martins, o Bloco vai ter agora 19 assentos parlamentares, mais 11 do que em 2011.
Onde é que os bloquistas foram ainda buscar votos? À cabeça, conseguiram recuperar um deputado em Leiria, Braga, Coimbra e Santarém, ganharam mais um em Setúbal e elegeram pela primeira vez na Madeira.
2 – PNR cresceu 53%
Destaque também para o crescimento do Partido Nacional Renovador (PNR). Primeiro foram 4.712 votos. Em 2005, chegaram aos 9.374. Quatro anos mais tarde, alcançaram os 11.503. Depois, em 2011, cresceram para os 17.630 votos. Nestas eleições, no entanto, o salto foi ainda maior: 27.104 portugueses escolherem o PNR nas urnas.
Para este resultado em muito contribuíram os votos conseguidos em Lisboa (7.153), Porto (4.750) e Setúbal (2.676). Destaque ainda para o resultado obtido em Faro: num universo de 190.484 votantes, os nacionalistas conseguiram 1.343 votos (0,71%). Continuam longe de entrar no Parlamento e longe de replicar por cá o efeito da Aurora Dourada, na Grécia, ou da Frente Nacional, em França. Mas, em treze anos, conseguiram multiplicar por cinco o número de votos.
Percentagem de votos do PNR
3 – Cerca de 1.000 votos separam MRPP do PDR
“Morte aos traidores”, lembra-se? O partido liderado por Garcia Pereira foi notícia pelo slogan incendiário, mas nem por isso deixou de ter uma votação considerável: com 59.812 votos, ficou a pouco mais de mil votos do PDR de Marinho e Pinto (60.912) e bem à frente do Livre/Tempo de Avançar, que se ficou pelos 38.958 votos.
Ainda assim, não foi desta que Garcia Pereira conseguiu levar o partido para o Parlamento, uma vez que os votos não se concentraram em nenhum distrito de modo a conseguir eleger. E as más notícias não se ficam por aqui: o PCTP-MRPP perdeu cerca de 3 mil votos em relação a 2011.
4 – Livre/Tempo de Avançar abaixo dos votos em branco
Rui Tavares e Ana Drago estão entre os grandes derrotados da noite eleitoral – depois de um primeiro momento em que na sede da coligação Livre/Tempo de Avançar se gritou vitória, o próprio cabeça de lista por Lisboa veio depois admitir que o resultado tinha ficado aquém das expetativas.
Dos 38.958 votos que conseguiram nestas eleições, Rui Tavares e Ana Drago foram buscar grande parte da sua força a Lisboa, onde tiveram mais de 14 mil votos (ficaram atrás dos votos brancos, 22.087), e ao Porto, onde chegaram aos 5 mil. Em Setúbal, tiveram 4.277 votos. Somados, Lisboa, Porto e Setúbal deram mais de 23 mil votos ao Livre/Tempo de Avançar. Mas mesmo nesses círculos ficaram longe de eleger deputados. No resto do país, a votação foi residual.
Percentagem de votos Livre/Tempo de Avançar
5 – Marinho teve um terço dos votos das europeias
A Coimbra do Choupal que, diz a canção, ainda é capital do amor em Portugal, não se deixou seduzir pelos encantos de Marinho e Pinto. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados fez questão de ser cabeça de lista por Coimbra – mesmo sabendo que a sua eleição seria pouco provável – e criticou várias vezes os paraquedistas dos outros partidos que tentam a sorte em círculos eleitorais que lhes são estranhos.
Mas, na verdade, de pouco valeu a Marinho a ligação a Coimbra: o PDR teve apenas 3.615 votos naquele distrito, ficando bem atrás de Bloco (21.780 votos) e CDU (15.476 votos). Teve muito menos votos do que aqueles que o elegeram bastonário da Ordem dos Advogados em 2007 (7.265). Nas europeias, altura em que Marinho concorreu pelo MPT teve em Coimbra 10.561 votos.
A nível nacional, o partido liderado por Marinho e Pinto foi a sexta força política mais votada, com mais de 60 mil votos. Coimbra e Leiria, claro, mas também Viana do Castelo e Braga, foram os distritos mais fortes para o PDR.
6 – Joana Amaral Dias teve menos votos do que leitores da “Cristina”
A líder da coligação Agir/PTP/MAS apresentou-se nestas eleições com o objetivo claro de chegar à Assembleia da República. Decidiu eleger como grandes bandeiras o combate à corrupção e à “ditadura” alemã, mas acabou por ser notícia depois de ter posado sem roupa não uma, mas duas vezes, deixando os parceiros de coligação à beira dum ataque de nervos.
E os portugueses? O que acharam das ideias para o país e da ousadia da ex-bloquista? Bem, a olhar para os resultados não terão achado muita graça.
Joana Amaral Dias conseguiu apenas 20.690 votos, bem abaixo do valor de circulação da revista Cristina – em junho, por exemplo, quando o ex-jogador do F.C. Porto Ricardo Quaresma apareceu na capa, a publicação teve 72.303 de circulação impressa total. Vale o que vale, mas se todos os leitores da revista tivessem votado na psicóloga, os resultados teriam sido mais risonhos.
Percentagem de votos do Agir
7 – Em Beja, por cada bloquista há três comunistas
A experiência das últimas eleições diz que os dois partidos à esquerda do PS costumam ter dinâmicas diferentes: os bloquistas costumam ser mais fortes nos círculos urbanos e os comunistas dominam regiões mais rurais. Estas eleições, apesar do crescimento do Bloco, não fugiram à regra: Catarina Martins foi buscar mais votos aos círculos eleitorais do Porto, Lisboa e Faro; já Jerónimo de Sousa manteve-se à frente em distritos tradicionais em Setúbal, Évora e Beja. Aqui, a tradição ainda é o que era. Em Beja, por exemplo, o BE teve 9,2% e a CDU 24,9%.
Percentagem de votos de Bloco e CDU em termos relativos