Foi “inconclusiva” a primeira reunião em que PSD, PS e CDS tentaram chegar a um acordo de governação ao centro. Mas, na verdade, a expressão “largamente inconclusiva”, que é de António Costa, é ligeiramente exagerada. Das 2 horas e 45 minutos que durou o encontro numa sala da São Caetano à Lapa saíram vários pontos acertados. Ouvindo de novo as declarações de Passos Coelho e António Costa, conseguimos perceber melhor quais.

  1. Costa riscou o plafonamento da segurança social (e a coligação aceita). Foi o próprio líder do PSD quem o revelou, explicando que o PS foi muito claro nessa matéria: o plafonamento da segurança social, “quer seja o vertical, quer o horizontal”, é uma “linha vermelha” para os socialistas. O que é o plafonamento? É a definição de um limite máximo para as contribuições que cada pessoa faz para a segurança social, de acordo com o seu salário, sendo que o excedente pode ser aplicado em sistemas privados. Costa fez campanha clamando contra a “privatização” da Segurança Social que diz ver nessa medida. E Passos, pelo que disse esta sexta-feira, não se terá incomodado em deixá-la cair.
  2. Devolução de salários e fim sobretaxa de IRS – tudo mais rápido. Passos mostrou-se, uma vez, disponível para chegar a um acordo neste ponto com o PS: uma devolução (e/ou reposição) mais rápidos do que os quatro anos previstos no seu programa eleitoral (“Transmiti que estamos totalmente disponíveis para reanalisar essas propostas. Se for possível fazer restituição mais rápida dos salários e sobretaxa não deixaremos de o fazer, não temos nenhum gosto em manter essas medidas”, disse o líder do PSD). Passos e Costa discutiram a necessidade de compensação, mas ninguém apresentou soluções para já.
  3. PSD vai dar ao PS dados da situação orçamental e financeira. Passos disse ter ficado combinado dar “toda a informação de natureza orçamental e financeira relevante, para que o PS possa estar de posse de todos os dados e ajudar depois a que as conversas possam ser bem sucedidas”. O pedido foi feito na reunião pelos socialistas, que têm insistido que há um buraco no Orçamento e que vai ser necessário um Retificativo este ano (o que a maioria recusa). A troca de informações segue um exemplo anterior: quando Passos estava na oposição a Sócrates pediu-lhe também que lhe desse mais informação para saber que propostas podia fazer e que problemas podiam estar ainda escondidos.
  4. O PS mantém-se comprometido o euro e o Tratado. Passos, uma vez mais ele, reforçou esta parte: o PS mostrou-se em linha com os compromissos assumidos pelo país em Bruxelas, o que significa também com um défice abaixo dos 3% e com a redução da dívida pública. A expressão “compromissos europeus”, aliás, foi sublinhada pelo secretário-geral socialista no discurso na noite eleitoral, no domingo.
    O líder do PSD aproveitou para marcar uma fronteira nas negociações: “A única condição é que não deitemos fora todo o esforço dos últimos anos, de repente ficarmos com um défice de 4% ou 5%, a Comissão Europeia a aplicar sanções, os juros a disparar”. Pelo que exigirá sempre nas negociações (como leu no segundo ponto) que as medidas que impliquem despesa tenham uma compensação adequada.
  5. Não é só o programa, é o Orçamento também. Costa não o disse, mas Passos fez questão de o explicitar. O que está em causa é, para o líder do PSD, a governabilidade. E isso implica que os Orçamentos do Estado sejam aprovados na Assembleia da República porque, de outra forma, os governos não dispõem da ferramenta mais central para gerir as contas do Estado. As conversas entre PS e os partidos de esquerda começaram mais centradas na viabilização de um Governo de esquerda – mas no caso do PCP terão existido já conversas técnicas sobre as exigências comunistas que se aplicarão ao 1º orçamento. Na verdade, o PS nunca conseguiu aprovar um Orçamento com os votos dos partidos mais à esquerda.

Se estes pontos ficaram claros da reunião na São Caetano, muito mais ficou em aberto. Agrupando em quatro blocos, é possível sintetizá-los assim:

  1. Passos Coelho e Paulo Portas ficaram de fazer o que chamaram de “exercício atrevido” – ou de “adivinhação”: perceber dentro do programa do PS aquilo que pode chegar para conseguir um acordo com o PS. Isto porque Costa se recusou a fazê-lo. A coligação tem uma lista de algumas medidas que pode aceitar (e outra de medidas suas que podem cair), mas não sabe qual é o objetivo do outro lado. Chegarão as ideias do PSD e CDS para convencer os socialistas? E uma vez apresentadas as propostas da direita, o PS aceitará ir a jogo negocial, tal como está a fazer com o PCP, por exemplo?
  2. Ao mesmo tempo, ficou em aberto que tipo de medidas podem servir para compensar outras que sejam exigidas pelo acordo (caso dos salários do Estado e fim da sobretaxa). Mais até, se o PS alguma vez fará esse exercício em conjunto com a maioria.
  3. Outra incógnita é o prazo das negociações: ficou agendada uma reunião para terça-feira, dia em que o PS tem marcada uma comissão política para discutir (quiçá votar) que opção toma – viabilizar o Governo de direita ou tentar um com o apoio do BE e PCP. Na quarta-feira serão conhecidos os resultados dos círculos da emigração, que vão mostrar os 4 deputados que faltam eleger. Mas não se sabe até que ponto o processo negocial múltiplo do PS (à esquerda e direita) não se vai prolongar mais no tempo. Uma coisa é certa: o Presidente da República dará esse tempo, se os líderes assim o quiserem.
  4. A mais importante de todas: até que ponto estará Costa disposto a ceder à esquerda para ser ele mesmo a formar um Governo? E até que ponto terá apoio, depois, no partido para seguir a sua opção (no PS e na AR) livremente.

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