As operações de remoção do arrastão Olívia Ribau – que naufragou na terça-feira – foram retomadas por volta das 7h deste sábado, na barra da Figueira da Foz. A população, associações do setor, sindicato e a Câmara Municipal da cidade têm tecido duras críticas ao atraso dos meios de socorro da Marinha e do Instituto de Socorro a Náufragos (ISN). A Procuradoria-Geral da República confirmou ao Público que está aberto um inquérito-crime à operação no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra.

Dos sete pescadores envolvidos no naufrágio, dois sobreviveram, quatro foram retirados sem vida e ainda há um pescador desaparecido. Na investigação do Ministério Público estará em causa o crime de omissão de auxílio previsto para quem “deixar de prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro”, explica o Público.

O atraso no socorro – o alerta foi dado por volta das 19h15 e o helicóptero só chegou por volta das 21h –  levou a que várias dezenas de pessoas se manifestassem em frente à Capitania da Figueira da Foz na quarta-feira. Em causa está o facto de as operações de socorro não terem envolvido o barco salva-vidas Patrão Macatrão do ISN e de ter sido preciso esperar pela vinda de um meio aéreo.

Os pescadores e associações dos setor têm afirmado que o ISN não atuou porque o barco salva-vidas estava avariado há várias semanas, mas o porta-voz da Autoridade Marítima, Nuno Leitão, tem referido que seria impossível o Patrão Macatrão socorrer o arrastão por causa das redes de pesca.

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A ocorrência já fez com que o presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, João Ataíde, viesse publicamente criticar a forma como decorreu a operação, afirmando que “falharam as medidas de prevenção” e que a Proteção Civil Municipal não tinha conhecimento de que as instalações do ISN encerravam às 18h00 – outro aspeto que tem sido alvo de críticas. O vice-presidente da Comunidade Portuária local acusou a Autoridade Marítima de “incompetência”.

“Não sei quantas vezes me virei para o braço do rio para ver se vinha algum barco”

Várias testemunhas assistiram ao desespero dos pescadores no molhe Sul e no molhe Norte da barra da Figueira da Foz. O presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, José Festas, disse ao Público que contactou o comandante do Porto da Figueira da Foz na altura da ocorrência, mas que o telemóvel de serviço do oficial estava desligado.

Paulo Octávio trabalha no cais comercial e gosta de tirar fotografias, por lazer. Na terça-feira, quando saiu do trabalho, foi até ao molhe Norte para ver se conseguia tirar fotos “ao mar revolto”. Paulo conta ao Observador que, entretanto, chegou uma pick-up da Capitania a dizer às pessoas para se afastarem.

Afastou-se, mas começou a ver o arrastão Olívia Ribau a aproximar-se da barra. “Comecei a tirar fotografias ao barco a entrar na barra, porque é uma coisa que não se apanha todos os dias, com aquele mar“, diz. Viu a primeira manora de aproximação do arrastão à barra.

Fez uma primeira abordagem à barra, mas começou a levar com o mar e saiu outra vez para Norte. Depois, fez uma segunda tentativa e aí é que acontece a tragédia”, relembra.

Paulo Octávio conta que os minutos que se seguiram foram “um pesadelo” e que apesar de não se ver bem, porque estava a mais de 100 metros da ponta do molhe, ouviam-se “os gritos dos pescadores, principalmente do senhor que estava agarrado ao casco”.

Parecia que estava a viver um pesadelo, ouvir uma pessoa em sofrimento e sentir uma impotência tamanha. Não sei quantas vezes me virei para o braço do rio para ver se vinha algum barco ajudá-los, tal era a ansiedade”, conta.

Mas o barco não chegou. Paulo Octávio assistiu ao sofrimento dos pescadores durante mais de 40 minutos – bem como todas as pessoas que estavam no molhe Norte e no molhe Sul da barra. Não chegou a ver o helicóptero chegar, porque ficou mal-disposto “com os nervos”.

Ainda vi a mota de água, mas chegou a uma altura em que a escuridão era total. Só se ouviam gritos, não se conseguia definir o que diziam, mas ouviam-se os gritos“, afirma, acrescentando que é esta a sua revolta. “A minha revolta é esta. Não houve nada nem ninguém que acudisse aqueles homens. Eu se pudesse tê-lo-ia feito. mas não tenho, não tenho embarcações, não tenho nada. Porque ver uma pessoa sofrer como aquele homem sofreu…”, conclui.