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Luaty Beirão: o rapper em greve de fome que enfrenta o regime angolano a partir de uma cama de hospital

Este artigo tem mais de 5 anos

A mulher de Luaty conta ao Observador que teme pelo marido, que já perdeu 20 quilos na greve de fome que dura há 23 dias. O governo português está "atento e discreto" mas não se vai "imiscuir".

Luaty Beirão, rapper conhecido como Ikonoklasta, está preso há 115 dias e mantém uma greve de fome há 23
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Luaty Beirão, rapper conhecido como Ikonoklasta, está preso há 115 dias e mantém uma greve de fome há 23

Luaty Beirão, rapper conhecido como Ikonoklasta, está preso há 115 dias e mantém uma greve de fome há 23

A primeira consequência de uma greve de fome é a tontura. A falta de alimento leva a cabeça a andar à roda e gera-se uma sensação de fraqueza. Em conformidade, a pele fica pálida. De seguida, o organismo tenta compensar a situação e começa a ir buscar energia à massa gorda e aos músculos — um processo que durará consoante aquilo que o corpo tiver para oferecer. É aí que a maior parte do peso é perdido. Por fim, quando a pele já passou do pálido para um cinzento de mau agouro, o organismo começa a falhar. O que era fácil ao início, torna-se impossível nesta fase.

Já passaram 23 dias desde a altura em que o rapper angolano Luaty Beirão, que sobe ao palco com o nome Ikonoklasta, fez a promessa de não voltar a comer enquanto ele e os outros 14 jovens presos preventivamente por suspeitas de estarem a planear um golpe de Estado não forem postos em liberdade. “O Luaty está muito debilitado, eu tenho notado de cada vez que o vou visitar que ele está pior. Já não consegue beber água como devia. Ele estava a tomar o soro salino, que bebia de forma normal, mas agora já não consegue, tende a vomitar aquilo”, diz ao Observador a mulher do rapper, Mónica Almeida, pelo telefone. Depois de apresentar sinais de que a sua saúde estava em risco, o músico e ativista foi transferido para um hospital-prisão em Luanda, capital angolana, na sexta-feira. “Desde que chegou ao hospital está um pouco melhor, mas eu já reparei que ele está muito magro. O Luaty já perdeu mais de 20 quilos desde que começou a greve.”

À agência Lusa, o médico Manuel Freire, chefe nacional do departamento de saúde dos Serviços Prisionais angolanos, diz que “clinicamente, o Luaty está estável, embora debilitado pelo tempo que leva sem ingestão de alimentos”. “Neste momento não há risco, neste momento não há risco de vida nenhum. Todos os órgãos estão em funcionamento. Ele está numa situação razoável, não vou dizer que está bem, bem, porque está debilitado. Mas até ao momento não corre risco de vida”, disse o responsável clínico.

Preso para lá do prazo legal

Para já, a única cedência do rapper foi passar a receber o soro salino para a hidratação por via intravenosa. De resto, a greve de fome é para continuar. “A única coisa que o faz parar é se as autoridades fizerem o seu trabalho de forma correta e isso só é possível se começarem a respeitar a lei”, diz Mónica Almeida. Segundo a Lei da Prisão Preventiva angolana, os suspeitos de “crimes contra a segurança do Estado” podem estar presos de forma preventiva até 90 dias — aos quais se podem acrescentar um total de 125 dias posteriores, desde que justificados “por despacho fundamentado”.

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Assim, a lei angolana refere que o tal “despacho fundamentado” teria de dar entrada até ao dia 18 de setembro, que é quando terminava o prazo dos 90 dias. Só dez dias depois, a 28 de setembro, é que a Procuradoria Geral da República angolana informou em comunicado que entregou o processo ao Tribunal Provincial de Luanda no dia 14 de setembro e que este foi deduzido por aquele órgão dois dias depois. O comunicado não apresentava, porém, uma justificação quanto ao facto de esta informação ter sido avançado com quase duas semanas de atraso. Ainda assim, a PGR dizia que queria esclarecer “alguma confusão na opinião pública nacional” depois de opiniões “manifestadas nas redes sociais e em alguns órgãos de comunicação social sobre a legalidade da situação carcerária dos cidadãos constituídos arguidos”.

Luaty Beirão foi preso preventivamente juntamente com 14 jovens que se reuniam num apartamento no bairro luandense de Vila Alice para discutir um livro com um título tão longo como explicativo: “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia política da libertação para Angola”. O livro foi escrito pelo jornalista Domingos Cruz, também ele detido, e circula apenas de forma clandestina. A obra é inspirada noutro ensaio, intitulado “Da Democracia à Ditadura” do norte-americano Gene Sharp, onde são elencadas 198 maneiras para combater uma ditadura de forma pacífica.

O grupo estaria reunido entre as 15h00 e as 17h00 de cada sábado para discutir formas pacíficas de combater o regime do Presidente José Eduardo Santos, cargo que ocupa há 36 anos. “[Estávamos reunidos] para debater formas de combater a nossa ditadura e de mudar a mentalidade das pessoas daqui de forma pacífica”, disse ao Observador a ativista Laurinda Gouveia, participante nestes encontros e entretanto constituída arguida no processo.

Rafael Marques critica atuação das autoridades

O próprio livro, a que o Observador teve acesso, incita ao combate pacífico. “O grupo hegemónico e o ditador atingiram um nível de ascensão no controle da sociedade em que o único caminho parece ser a via pacífica, a resistência civilizada ao estilo de Mahatma Ghandi, Nelson Mandela e todas as resistências contemporâneas que assistimos na Túnisia e no Burkina Faso”, escreveu Domingos Cruz.

As autoridades angolanas não partilham do entendimento de que aquelas reuniões visavam uma postura pacífica de combate político. Segundo a Procuradoria-Geral da República angolana, os encontros serviam para preparar a mobilização da população de Luanda no sentido de ser criado um movimento insurreição e desobediência colectiva. Segundo o mesmo órgão, as cerca de duas dezenas de pessoas que se reuniam semanalmente estariam preparadas para queimar pneus em locais como o aeroporto internacional de 4 de Fevereiro, em Luanda, e para montar barricadas em toda a cidade.

“Não há possibilidade nenhuma de isso ser verdade!”, diz ao Observador o jornalista angolano Rafael Marques, que em junho foi declarado culpado por difamação a figuras de topo do regime angolano por causa do seu livro “Diamantes de Sangue”. “Eu conheço muito bem aquelas pessoas, sei quais são os seus pensamentos, sei o que lhes passa pela cabeça e sei que é impossível eles estarem a preparar coisas dessas. Essa possibilidade só passa pela cabeça do Presidente [José Eduardo dos Santos] e do Procurador Geral da República [João Maria Sousa].”

Para o jornalista, o comportamento do regime em relação a este caso tem sido sintomático daquilo que acredita ser “a natureza do regime”. O momento-chave, diz Rafael Marques, foi quando Luaty Beirão foi transferido da prisão para o hospital-prisão. “A primeira preocupação das autoridades de Angola foi enviar a TV para filmá-lo quando o que ele mais precisa é de um médico. O homem está ali, estamos todos a dizer que ele está entre a vida e a morte, e a primeira coisa que fazem é mandar para lá a propaganda. Gostam de ser maus e preferem provar que são maus em vez de fingirem que são bons.”

Rafael Marques refere-se a uma peça da TPA, o canal estatal de Angola, onde Luaty, visivelmente debilitado, foi descrito da seguinte maneira: “Passo lento, falta de firmeza, amparo permanente, consequência de um comportamento diferente em relação aos alimentos aliado a pouca justificação”. “Comportamento diferente em relação aos alimentos”, leia-se, greve de fome.

Luatu Beirão

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Posted by TPA 1 on Friday, October 9, 2015

O jornalista refere que esta mensagem, veiculada pelos media estatais angolanos, é uma forma de intimidar a tomada de posições por parte de ativistas e cidadãos em liberdade. “Nós temos uma constituição que permite a liberdade de expressão e de pensamento, mas a procuradoria procura apagar esses direitos constitucionais com aparente facilidade”, diz. “O procurador está a agir como um verdadeiro fascista e a procuradoria assume-se como o vector da emergência do fascismo. Ele está a utilizar a procuradoria para impor um novo clima de medo.”

“Medo” é também a palavra escolhida por Mónica Almeida, recorde-se, a mulher de Luaty Beirão, para descrever a vigília pela liberdade dos presos políticos angolanos que no domingo reuniu cerca de uma centena de pessoas em frente à Igreja da Sagrada Família em Luanda.

Cães de polícia, armas e tanques de água

Ao início, a vigília tinha sido marcada para o Largo 1º de Maio, em Luanda, mas a mulher de Luaty fez o possível para mudar o local. “Aquele lugar é um sítio que está marcado de sangue, teve muitas manifestações, é muito simbólico, até porque foi o sítio onde foi proclamada a independência. Então eu decidi que seria mais adequado se fossemos para a frente da Igreja da Sagrada Família, que é uma das mais frequentadas aqui de Luanda.”

A ideia era a vigília durar até os presos políticos serem libertados, mas a forte presença policial no local tornou isso impossível. “Havia 12 carros da polícia, carros com a brigada canina, homens fortemente armados, todos com colete à prova de bala. Até havia dois tanques de água”, conta ao Observador. O aparato policial, e a ideia de que aquela vigília que se queria pacífica deixou-a desolada.

“Nós sentimo-nos impotentes perante esta enorme falta de humanismo e de respeito, até na casa do Senhor. Ficámos desolados. É incrível como apesar disso tudo ainda não houve nenhum pronunciamento do Vaticano, porque eles pareciam dispostos a disparar à porta da igreja. É uma vigília, nós vamos orar, cantar, dançar, dar louvores. Nós estávamos sentados no chão e nas escadas da igreja. Tínhamos cartazes com salmos, não havia nada com teor político e mesmo assim reprimiram-nos. Não fomos lá para falar de política. Sempre que havia gente a falar de política nós dissemos que estávamos ali para orar, não era para falar de política, e toda a gente cumpriu.”

Por fim, perante a pressão das autoridades e a conselho do padre, a vigília foi suspensa e o local foi abandonado pelos manifestantes que ali permaneceram de forma pacífica e silenciosa.

Entretanto, a delegação portuguesa da Amnistia Internacional convocou uma concentração para as 17h30 de 14 de outubro (quarta-feira) no Largo Jean Monnet, em Lisboa, onde fica situada a representação da Comissão Europeia em Portugal. Será feito um desfile em direção à Praça D. Pedro IV (Rossio), onde a partir das 18h30 será realizada uma vigília.

Governo português segue o caso “com atenção e discrição”

Luaty Beirão, também conhecido como Ikonoklasta e Brigadeiro Mata Frakuzx, tem 33 anos e nasceu no seio de uma família ligada ao regime angolano. O seu pai, João Beirão, falecido em 2006, foi o fundador e o primeiro presidente da Fundação José Eduardo dos Santos. Apesar disso, a postura pública do rapper foi sempre crítica em relação ao regime.

Apesar de ter nascido em Angola, o rapper também tem nacionalidade portuguesa. Até esta segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Machete, ainda não se tinha pronunciado em relação a este assunto. “Nós estamos a acompanhar a situação do ponto de vista humanitário”, disse, recusando porém interferir no processo. “Trata-se de uma matéria interna de Angola que diz respeito à averiguação de existir ou não uma infração de caráter penal e disso nos imiscuímos.” Machete referiu ainda que na quarta-feira vai haver uma reunião entre os embaixadores dos países da União Europeia em Luanda e o ministro da justiça angolano.

Ao Observador, o secretário de estado das comunidades portuguesas, José Cesário, diz que “esta situação está a ser seguida com a máxima atenção e a máxima discrição” pelo governo português. Mónica Almeida faz questão de salientar que não está nos planos de Luaty Beirão fazer uso da nacionalidade portuguesa para atalhar uma solução para o seu caso. “Ele quer fazer tudo pela via legal, em Angola”, diz. Quanto à reação do governo português, classifica-a de “relevante” mas “um bocadinho tardia”.

“Nós estamos agora com risco eminente de morte por parte do meu marido porque ele tem as convicções dele. Ele já está preso há 115 dias, chegou a passar 85 dias numa solitária, como se fosse um criminoso de alto risco, um homicida. E só agora que ele pode estar perto de morrer é que as autoridades portuguesas disseram qualquer coisa.”

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