“Ricardo III”, de William Shakespeare, numa encenação de Tónan Quito, que desdobra a personagem bélica por diferentes atores, estreia-se quinta-feira, no Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), com interpretações de Romeu Runa e Miguel Moreira, entre outros.
“O espetáculo oscila, paradoxalmente, entre o desprezo e o fascínio por este ardiloso ser, Ricardo III, [que] é o centro de si próprio, a explosão do eu”, adianta o TNDM em comunicado.
“‘Ricardo ama Ricardo, ou seja, eu sou eu’, afirma Ricardo III na última cena desta tragédia, e assim se vai seguindo, de morte em morte, de mentira em mentira. Seremos todos, Ricardo?”, realçou à Lusa fonte do TNDM.
O ator e encenador Tónan Quito, no comunicado difundido pelo TNDM, explica como lhe surgiu a ideia de “desdobrar” a personagem Ricardo III por vários atores.
“Quando li pela primeira vez o texto, foi quando fiz ‘Arturo Ui’, com [o grupo] a Truta, na Culturgest [em Lisboa]. O ‘Arturo U’i é uma reescrita que Brecht fez do ‘Ricardo III’. Então fui ler o original e, na altura, disse: ‘Isto é fantástico, ‘bora lá fazer isto’. Depois li uma segunda vez, aí há cinco anos, e pensei que o que era ‘fixe’ era se fossem vários a fazer de Ricardo, se calhar muito levado pelo último discurso dele”, explica o encenador, num comunicado difundido pelo Nacional D. Maria II.
“O Ricardo é o vilão perfeito — fala connosco, seduz-nos, envolve-nos, faz, mata, acontece. Morre no fim. Mas fazendo só centrado nele, ficava muito pouco sobre a sociedade, sobre o que gravita à volta destas pessoas”.
No mesmo texto, Quito reconhece que a peça “tem um lado ‘punk’, sim, com ele [Ricardo III] a dizer ‘a minha alma’ a gritar… e os instrumentos da peça, bateria e trompete, também rasgam muito, são muito impositivos. E os figurinos, também”.
“O que eu queria era um espetáculo em que não houvesse preparação, em que as pessoas estivessem todas ali”, prossegue o encenador. “E agora é a minha vez e eu vou e entro… Porque é essa a energia da peça, a energia que o Ricardo tem. O que interessa é contar esta história, não interessam tanto as personagens individualmente”, acrescentou Tónan Quito, sobre o seu trabalho de direção artística.
Para o encenador, há um “grande risco” de fazer intervalo, pois considera que “quebra o fluxo da ascensão daquele homem, e daquelas mortes todas, e do encontro com ele próprio, na satisfação que ele tem com a guerra”.
As ossadas do monarca inglês, que viveu entre 1452 e 1485, foram encontradas em 2012, soterradas num parque de estacionamento em Leicester, Inglaterra, e, para o TNDM, “é o momento perfeito para fazer desenterrar a peça homónima de William Shakespeare, datada de 1592, que relata a mais maquiavélica subida ao trono de que há memória”.
Esta descoberta inspirou a encenação idealizada por Quito, segundo o qual a primeira imagem que teve para o cenário “foi um campo de terra, mesmo antes da descoberta dos ossos”.
“A primeira cenografia era para fazer uma reprodução exata do local onde os ossos foram descobertos, que é um parque de estacionamento em Leicester, mas todo esburacado, aquela imagem de valas. Era recriar aquilo. Uma coisa o mais realista possível em cima disso. Não foi possível, era terra que nunca mais acabava. Depois chegámos a esta versão, que está num misto. Vão ser cinco ou seis toneladas daquilo, e há um coveiro, que traça caminhos, que faz montes, que anuncia sempre alguma morte”.
“Ricardo III” é uma coprodução do TNDM com o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e conta com interpretações de António Fonseca, Márcia Breia, Miguel Loureiro, Miguel Moreira, Romeu Runa, Teresa Sobral e do próprio Tónan Quito, entre outros.
Os figurinos são de José António Tenente, a música original de Gonçalo Marques (trompete) e João Lopes Pereira (percussão).
Fica em cena na sala Garrett, do TNDM, de 15 de outubro a 01 de novembro.
A peça de William Shakespeare terá sido escrita em 1591 e a mais antiga representação que se conhece data de 1633, por ocasião do aniversário da rainha Henriqueta Maria, mulher de Carlos I, de Inglaterra.