1. O melhor râguebi vem do hemisfério Sul

during the 2015 Rugby World Cup Quarter Final match between Australia and Scotland at Twickenham Stadium on October 18, 2015 in London, United Kingdom.

O Rugby World Cup e o Rugby Championship não têm nada a ver. As diferenças são algumas e a única que é preciso mencionar é esta: uma junta 20 equipas de todo o planeta a cada quatro anos, a outra coloca apenas quatro seleções do hemisfério Sul a jogarem, anualmente, entre elas. Agora vem a parte engraçada, porque no Mundial apenas restam a Nova Zelândia, a Austrália, a África do Sul e a Argentina, equipas que competem no tal Quatro Nações. E a lição que se retira desta confusão toda é que as nações da metade mais a Sul do mundo estão a jogar melhor râguebi do que as seleções do Norte. Ou da Europa.

E nada serve o facto de ter sido por um triz que sul-africanos e australianos se livraram do País de Gales e da Escócia. Os galeses, com lesões atrás de lesões, confiaram no pé de Dan Biggar e na permeabilidade da África do Sul a defender para lutarem até ao fim pelo resultado (23-19). Foram derrotados nos últimos cinco minutos por uma formação ordenada no centro da sua área de 22 metros, em que tinham um médio de formação a dormir e um homem a menos do lado fechado. Os escoceses ficaram a refilar com o árbitro, que não pediu a ajuda do TMO (vídeo-árbitro) quando assinalou a penalidade que deu os três pontos da vitória à Austrália, a um minuto e tal do fim.

Estes embates foram renhidos, os restantes nem por isso. A Nova Zelândia mostrou que a fase de grupos foi como um passeio no parque e contra a França jogou a fundo. Os All Blacks apanharam a seleção europeia que mais tremeu no Mundial e vingaram-se da partida que os gauleses lhes pregaram em 2007 (eliminação nos quartos de final): marcaram nove ensaios, passavam quando queriam a linha da vantagem e a parte final do jogo já parecia um treino. Ganharam 62-13, humilharam os franceses e provaram que, até aqui, só tinham dado 50%.

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Depois há a Argentina e que bem lhe fez ter entrado, em 2012, para o Rugby Championship. Os sul-americanos entraram a abrir contra a Irlanda, marcaram dois ensaios em 10 minutos e a equipa foi atrelada a Juan Imoff e Santiago Cordero, pontas que trocam os pés e as direções das linhas de corrida como ninguém. O resto ficou a cargo de Nicolás Sanchez, um dos aberturas mais calmos que por aí há a chutar aos postes (apenas falhou um de nove pontapés). Pobre Irlanda, que lutou bastante para esquecer a falta que lhe faziam Paul O’Connell, Sean O’Brien e Jonathan Sexton, os três melhores da equipa que foram tramados por lesões. Perdeu 43-20 e deu-nos outra lição — a seleção que conquistou os dois últimos torneios do Seis Nações foi sempre pior que a equipa que só este ano conseguiu não ficar em último no Rugby Championship. Daí que, pela primeira vez no top-4 do ranking mundial da IRB (International Rugby Board) estejam quatro seleções do hemisfério Sul. Adivinhe lá quais são.

2. A arte argentina de placar

Argentina's players celebrate after winning a quarter final match of the 2015 Rugby World Cup between Ireland and Argentina at the Millennium Stadium in Cardiff, south Wales, on October 18, 2015. AFP PHOTO / DAMIEN MEYER RESTRICTED TO EDITORIAL USE, NO USE IN LIVE MATCH TRACKING SERVICES, TO BE USED AS NON-SEQUENTIAL STILLS (Photo credit should read DAMIEN MEYER/AFP/Getty Images)

Uma das coisas que os argentinos fazem e quase mais ninguém faz está na placagem. A primeira parte do encontro contra a Irlanda mostrou-o com fartura: os Pumas a baixarem-se e a colocarem os joelhos quase na relva para se atirarem às pernas dos adversários. Faziam-no assim, ao nível dos joelhos e até dos calcanhares. Porque os outros podem ser maiores, mais fortes e ter mais músculo, mas também caem e a melhor forma de os tombar é ir direto às pernas. A técnica de placagem argentina é baixinha e raro é ver alguém a agarrar um adversário no tronco, como o fazem os neo-zelandeses ou australianos, por exemplo.

Mais do que isto, os argentinos estavam constantemente a fazer placagens efetivas. Como? Encarando os irlandeses de frente e empurrando-os para trás cada vez que os derrubavam. A seleção europeia, sobretudo até ao intervalo, perdeu metros de terreno de cada vez que algum dos seus era parado por um argentino. Os Pumas não têm os jogadores mais corpulentos, nem dispõem de bichos que levam tudo à frente, e esta é a melhor forma de contrariar isso. Portugal, salvas as devidas diferenças, tentou fazer o mesmo no Mundial de 2007. E estava lá Daniel Hourcade, o treinador argentino que era adjunto de Tomaz Morais na seleção portuguesa. Esta forma de placar ajudou a levar os argentinos de volta às meias-finais de um Mundial, como o fizeram há duas edições.

3. Bernard Foley é mesmo de gelo

during the 2015 Rugby World Cup Quarter Final match between Australia and Scotland at Twickenham Stadium on October 18, 2015 in London, United Kingdom.

A alcunha apareceu em 2014. Jogava-se a final do Super Rugby, uma espécie de Liga dos Campeões que se joga entre as melhores equipas da Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Faltavam 30 segundos para terminar e os Waratahs de Sydney perdiam por dois pontos com os Crusaders de Christchurch. A final estava feia para os australianos até que, do nada, têm uma penalidade a seu favor. A bola está a 45 metros dos postes, o estádio cala-se, os nervos fervilham como nunca e a pressão cai em cima do chutador: se marcar ganha, se falhar tudo se perde. O pontapé sai, a bola voa e passa a rasar a barra que atravessa os postes. Os três pontos valem uma conquista.

Esta história conta-se porque o homem que deu o pontapé era Bernard Foley e o comentador televisivo chamou-lhe, na altura, The Iceman. Ou o Homem Gelo. A invenção ficou e o australiano tem feito por justificá-la neste Mundial. Contra o País de Gales, na fase de grupos, não falhou um pontapé e acertou um chuto nos últimos minutos para dar a vitórias aos wallabies. Agora, nos quartos-de-final, fez o mesmo contra os escoceces quando restavam menos de dois minutos para o fim. Foley parece que não treme mesmo — pelo menos nestes pontapés. Porque contra a Escócia o médio de abertura falhou três conversões e foi de uma tentativa sua de um Up and Under (chutar a bola alta, para o ar, e ir buscá-la mais à frente) que surgiu um dos ensaios escoceses.

4. Sim, a Nova Zelândia estava só mesmo a aquecer

New Zealand's flanker Jerome Kaino (C) celebrates after scoring his team's fifth try during a quarter final match of the 2015 Rugby World Cup between New Zealand and France at the Millennium Stadium in Cardiff, south Wales, on October 17, 2015. AFP PHOTO / DAMIEN MEYER RESTRICTED TO EDITORIAL USE, NO USE IN LIVE MATCH TRACKING SERVICES, TO BE USED AS NON-SEQUENTIAL STILLS (Photo credit should read DAMIEN MEYER/AFP/Getty Images)

Tomaz Morais bem o disse ao Observador, no fim de uma conversa sobre o Mundial, por telefone: “Até agora, a Nova Zelândia ainda só deu 50%”. A frase apareceu na sexta-feira, um dia antes de os All Blacks atropelarem a França nos quartos-de-final. O ex-selecionador português tinha razão, porque os campeões mundiais em título nunca abrandaram e foram mais consistentes do que tinham sido até aqui. Mal tiveram distrações a defender, não consentiram turnovers aos gauleses (recuperações de bola nos rucks) e fizeram o rodar de bola de um lado ao outro do campo parecer a coisa mais fácil do mundo.

Daniel Carter, finalmente, brilhou com as invenções que lhe saíram das mãos. Julian Savea mostrou ser a cópia até hoje mais fiel de Jonah Lomu, ao insistir em ir ao contacto e a derrubar adversários com o choque físico. Com 34 anos em cima, Richie McCaw ainda parece ser o melhor flanqueador do mundo. A tudo isto junta-se uma intensidade de jogo anormal e um ritmo que cansa só de ver. Os neo-zelandeses não param e os últimos 10 minutos do encontro frente aos gauleses já pareciam um treino, tanta era a facilidade com que ultrapassavam adversários e concretizavam jogadas arriscadas. Agora defrontarão os sul-africanos nas meias-finais e não parece que os springboks conseguiam discutir o jogo com os all blacks.

Os jogos das meias-finais:

África do Sul-Nova Zelândia (sábado, 24 de outubro, às 16h)

Argentina-Austrália (domingo, 25 de outubro, às 16h)