O escritor Ernest Hemingway chegou a dizer que o vinho é uma das coisas mais civilizadas do mundo, o que até faz sentido se se considerar que é, ao mesmo tempo, prazer momentâneo, tema de conversa e negócio que chega a servir de embaixador de uma nação. Um produto que ocupa lugar não só à mesa de jantar, mas também nas muitas feiras que, de tempos a tempos, marcam presença no calendário. O Mercado de Vinhos a acontecer no Campo Pequeno não é exceção e, entre 23 a 25 de outubro, vai aproximar 100 pequenos produtores dos cerca de 10 mil visitantes esperados.

À partida, o rácio parece pouco equilibrado, mas não faltam atividades para entreter quem por lá passar, desde as habituais provas de vinho aos workshops que mostram como combinar a bebida com comida ou que revelam os segredos de algumas regiões produtoras. A quarta edição do evento que pretende divulgar o melhor da produção nacional conta ainda com cinco novidades que merecem tempo de apreciação: desde o vinho comestível a uma nova geração de enólogos, passando pelo vinho que Eça de Queirós bebia.

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A feira ocupa a Praça de Touros do Campo Pequeno entre os dias 23 e 25 de outubro. / DR

1. O vinho que se trinca

Dizem os escanções que, uma vez servido no copo, o vinho deve ser agitado, cheirado, “bochechado” e só depois engolido. Mas imagine que, em vez de um golo, pudesse trincar o vinho? O que parece improvável ou até impossível é já uma realidade graças ao projeto Wine to Eat, marca lançada no final de setembro e integrada na empresa Sapiencia Romana. A ideia surgiu, muito a propósito, durante um jantar de amigos, onde o vinho servido era tão bom que alguém comentou “quase o comia”. Dito e feito. A Wine to Eat é responsável pela criação de caviar, geleias e trufas de chocolate à base de vinho do Porto, Moscatel ou vinhos monocastas (como a portuguesa Touriga Nacional ou as estrangeiras Pinot Noir, Syrah e Chardonnay). Os produtos são elaborados pelo chef António Mauritti, do restaurante do Hotel Spa Alfândega da Fé, e resultam de experiências no campo da cozinha molecular. E se no final se sentir tentado a repetir as trufas, o caviar ou as geleias, não se preocupe. É que as propostas não têm qualquer percentagem de álcool, embora mantenham os traços das castas que lhes emprestam carisma, sabor e aroma.

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2. As novas caras do vinho português 

Seis enólogos, seis regiões e cinco marcas. A conta que o vinho juntou (e não que Deus fez) resultou, em 2012, nos Young Winemakers of Portugal, um grupo de produtores na casa dos 30 anos que se uniu para promover a bebida que, extraída de uvas nacionais, já alcançou mercados externos. Vadio (Luís Patrão, Bairrada), Camaleão (João Maria Cabral, Lisboa) Conceito (Rita Marques, Douro), Hobby (Diogo Campilho e Pedro Pinhão, Alentejo e Tejo) e Clip (Pedro Barbosa, Minho) são os nomes a decorar, uma vez que cada um deles diz respeito a um projeto individual que é promovido a muitas vozes. Mas mais do que provar os vinhos dos “jovens enólogos” (incluindo aquele cujo rótulo muda de cor consoante a temperatura a que o vinho é servido, não se chamasse ele Camaleão), pode sempre ter dois dedos de conversa com quem ainda quer crescer muito mais no mundo da enologia.

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Os seis produtores representam um total de seis regiões. / DR

3. Os vinhos biológicos do Vale da Capucha

Esta é uma casa portuguesa, com certeza. Daquelas geracionais, que passa de pais para filhos que encontram no vinho uma paixão e forma de sobrevivência. Pedro Marques representa não só a quarta geração, mas também uma nova forma de produzir vinhos, assente em estratégias mais sustentáveis — foi em 2012 que as vinhas do Vale da Capucha foram convertidas para criar vinho biológico (a certificação oficial chegou este ano). A ideia, garante o produtor, é fazer vinhos com um perfil moderno sem recurso a poluentes: “Podemos usar produtos existentes na natureza, como o enxofre e o cobre, a argila e as algas” (e se a argila tem como função proteger os bagos, assumindo a forma de uma camada protetora, as algas são uma fonte de nutrição). Caso esteja curioso, Pedro Marques vai pôr à disposição, na feira, tintos e brancos biológicos, dos quais são exemplo os vinhos Pynga e Fóssil.

4. O chef que cozinha vinhos artesanais 

É caso para cantar “se tu bebesses o que eu bebi, do-mi-nó”. O chef Vitor Claro, com uma carreira de quase 20 anos entre tachos e panelas, deixou-se seduzir pelo vinho há coisa de cinco anos. A culpa é, sobretudo, do produtor Dirk Niepoort, amigo próximo que lhe deu a conhecer “vinhos inesquecíveis”. Nascida a vontade de criar para depois beber, Claro ganhou um contacto ainda mais direto com o universo da viticultura quando, entre 2008 e 2009, trabalhou na Herdade da Malhadinha — aí chegou a participar nas vindimas e a ver de perto o processo de produção. Foi assim que, em 2010, surgiu o primeiro Dominó, nascido de vinhas velhas da Serra de São Mamede, em Portalegre. E sendo este um vinho de um cozinheiro, Vítor Claro garante que o néctar pode acompanhar muitas coisas, desde que a comida, tal como o vinho, seja feita “com muito cuidado e pouca intervenção”.

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O primeiro Dominó surgiu em 2010. / DR

5. Os vinhos que Eça de Queirós bebia

A Adega Viúva Gomes ficou famosa nos finais do século XIX por fazer parte da região que resistiu à filoxera, uma epidemia que dizimou inúmeras vinhas por todo o país. O motivo da sua sobrevivência não é difícil de compreender, uma vez que as vinhas de Colares — a segunda região demarcada mais antiga do país — não só estão plantadas em terrenos de areia, como as suas raízes chegam a ter metros e metros de profundidade. A adega que se iniciou na produção de vinho no longínquo ano de 1808 ainda tem vinhos históricos guardados, de colheitas tão antigas que correspondem, por exemplo, aos anos 1931 e 1965. E é precisamente no Mercado de Vinhos onde vai poder provar tintos e brancos de 1969, um ano que deu origem a “vinhos com muitos taninos, com uma frescura que não é própria daquela idade”, diz José Baeta. O gerente da firma garante ainda que Eça de Queirós, o escritor, tinha um particular interesse nos vinhos daquela região: “Na obra Os Maias há, inclusive, referências ao Branco de Colares.”

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