Antes de receber a carta rogatória das autoridades brasileiras a solicitar ajuda na investigação do caso Lava Jato, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) já tinha detetado movimentos suspeitos superiores a dois milhões de euros entre diversas sociedades offshore relacionados com o caso que está a abalar o Brasil. Estão em causa, ao que o Observador apurou, os crimes de corrupção ativa, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. No centro do circuito financeiro detetado estará o Grupo Odebrecht.
Tudo terá começado com a Operação Monte Branco. Diversos responsáveis da Bento Pedroso Construções (empresa detida pelo Grupo Odebrecht desde 1988 e que mudou o nome em 2013 para Odebrecht Portugal) foram identificados como clientes da rede de lavagem de dinheiro que está na origem daquele processo Estão indiciados pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais por terem recebido somas muito significativas a partir de contas bancárias localizadas em paraísos fiscais utilizados de forma corrente, segundo o DCIAP, pelo Grupo Odebercht, fixados em Antígua e Barracuda, no mar das Caraíbas.
A receção desses valores, avaliados em mais de 6,1 milhões de euros, fez-se, como era habitual entre os suspeitos da Operação Monte Branco, através da entrega em dinheiro vivo em Portugal depois dos mesmos fundos terem passado por uma conta do BPN IFI em Cabo Verde. O alegado esquema que é imputado pelo DCIAP ao Grupo Odebrecht terá durado entre 2007 e 2012.
As suspeitas do caso Monte Branco, contudo, cingem-se a fraude fiscal qualificada e a branqueamento de capitais.
Já este ano foram a sinalizados movimentos suspeitos superiores a dois milhões de euros, por informação transmitida pelo BANIF e Montepio Geral ao abrigo a legislação europeia de combate ao terrorismo e branqueamento de capitais, de um conjunto de empresas offshores com sede na Ilhas Caimão. Entre as sociedades identificadas encontravam-se duas que já constavam dos autos da Operação Monte Branco como sendo sociedades controladas pelo Grupo Odebercht, tendo sido igualmente detetada a utilização recorrente de instituições financeiras da ilha de Antígua, nomeadamente o Meinl Bank.
Para finalizar este quadro, surgiu a carta rogatória do Brasil na primeira quinzena de julho a solicitar a apreensão das contas e de documentos bancários das contas no BANIF em nome da Kingstall Finance – tal como o jornal i revelou este verão. Esta sociedade offshore terá sido utilizada para pagar alegados subornos a Renato Duque, responsável máximo pela Diretoria de Serviços da Petrobras que tratava da contratação de empreitadas de obras públicas, e que é apontado pelas autoridades brasileiras como suspeito de corrupção passiva por ter favorecido as grandes construtoras brasileiras como a Oderbecht, a Camargo Correa, entre outras.
Antes de receber a carta rogatória do Brasil, o DCIAP, contudo, já tinha identificado mais duas sociedades offshore que alegadamente terão recebido no “Meinl Bank” fundos das empresas do grupo Odebercht que não estarão devidamente contabilizados nas contas daquele grupo brasileiro – isto é, as saídas de dinheiro, segundo DCIAP, não estão devidamente registadas, logo não existem do ponto de vista contabilístico.
Tais fundos terão sido utilizados para realizar pagamentos com dois objetivos:
- pagamentos indevidos a responsáveis da Petrobras (administradores e diretores), tendo como contrapartida a adjudicação de obras relevantes da petrolífera brasileira
- pagamentos ‘por debaixo da mesa’ a responsáveis de diversas empresas do Grupo Odebrecht com o objetivo de omitir esses rendimentos da administração fiscal. Neste caso, estarão em causa suspeitas de fraude fiscal em Portugal e no Brasil
Daí que o DCIAP não tenha dúvidas de que existem indícios de que os fundos que circularam pelas contas dessas duas sociedades offshore no BANIF estão relacionados com a alegada prática dos crimes de corrupção ativa, fraude fiscal e branqueamento de capitais – suspeitas essas que estão a ser investigadas num inquérito autónomo aberto naquele departamento do Ministério Público.
Além da cooperação internacional com o Brasil, o objetivo dessa investigação passa, para já, pela identificação de todos os intermediários ou destinatários finais do circuito financeiro que tem origem em fundos do Grupo Odebercht depositados em contas bancárias de Antígua. O alvo do DCIAP são cidadãos portugueses, ou de outra nacionalidade, que tenham praticado ilícitos criminais em território nacional, ficando assim sobre a jurisdição do Ministério Público português.
Ao que o Observador apurou, não existem neste momento indícios de que a Odebrecht Portugal faça parte desses circuitos financeiros. Contactada, a empresa diz “desconhecer quaisquer diligências judiciais do DCIAP” e “refuta integralmente” as imputações do Ministério Público descritas nesta peça. Veja aqui as respostas na íntegra da construtora.
Presidente do Grupo Odebrecht detido no Brasil
Recorde-se que o caso Lava Jato investiga o maior esquema de corrupção alguma vez descoberto no Brasil. No centro do caso está a empresa estatal Petróleo Brasileiro (Petrobras) e os respetivos administradores e diretores suspeitos de receberem subornos das grandes construtoras brasileiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Correa, OAS, entre outras) que agiriam em cartel para dividir entre si as empreitadas daquela petrolífera. Pelo meio, existem ainda suspeitas do esquema de corrupção também ter sido alargado a titulares de cargos políticos dos principais partidos, como o Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva e de Dilma Roussef (no poder desde 2003), do Partido Movimento Democrático Brasileiro, do Partido da Social Democracia Brasileira e do Partido Progressista.
O Grupo Odebrecht é uma das quatro grandes construtoras brasileiras. Com mais de 70 anos de história, fundada por Norberto Odebrecht, bisneto do engenheiro alemão Emil Odebrecht que chegou ao Brasil em 1856, o Grupo Odebrecht detém ativos que superam os 142 biliões de reais (cerca de 33 mil milhões de euros) nos mais diversos setores de atividade como a construção, petroquímica, transportes, defesa, financeiro, entre outros, e emprega mais de 175 mil funcionários em 25 países.
Marcelo Odebrecht, presidente executivo do grupo, foi detido em junho numa das operações mais mediáticas da Operação Lava Jato que levou igualmente à detenção de Otávio Azevedo, líder da construtora Andrade Gutierrez e ex-adminstrador da Portugal Telecom, por suspeita de crimes económico-financeiros. Ambos foram constituídos arguidos pela Justiça brasileira por suspeitas dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude a licitações e crime económico – ilícitos criminais que existem no Código Penal no Brasil mas que nem todos têm tradução para o sistema penal português.
Lula da Silva visado pela investigação
O ex-presidente brasileiro Lula da Silva é visado em várias frentes da Operação Lava Jato. Seja na investigação original, sob a liderança do Ministério Público Federal do Estado do Paraná, seja noutras regiões do Brasil.
Em Brasília, por exemplo, e de acordo com o jornal Valor Económico, o Ministério Público abriu um procedimento investigatório criminal – o equivalente ao inquérito criminal do Código de Processo Penal português – no qual Lula da Silva já prestou depoimento por sua vontade e no qual está em questão uma suspeita de tráfico de influências a favor do Grupo Odebercht.
Existem também suspeitas de que o seu filho, Luís Cláudio Lula da Silva (mais conhecido por Lulinha), terá recebido dinheiro de uma empresa lobista relacionada com a industria automóvel – caso que ficou conhecido como “Operação Zelotes” e que envolverá também o ex-ministro Gilberto Carvalho.
Na investigação original do Lava Jato existem ainda suspeitas de que Lula da Silva terá recebido dinheiro de diversas construtoras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobrás através do Instituto Lula – uma organização não governamental que foi criada pelo ex-presidente para fomentar a cooperação do Brasil com África e a América Latina. O mesmo terá acontecido com uma empresa do ex-chefe de Estado chamada LILS (Luíz Inácio Lula da Silva).