À espera agora da decisão do Presidente da República, o ambiente entre dirigentes do PSD e CDS é de estupefação e revolta. “Tudo aquilo é uma vigarice”, dizia ao Observador um dirigente máximo do PSD, à saída do hemiciclo minutos depois do seu Governo ter sido derrubado pela moção de rejeição do programa de Governo apresentada pelo PS.
Sociais-democratas e centristas estão mais indignados com o acordo da esquerda que só esta terça-feira foi conhecido em detalhe do que pela queda já anunciada do Governo. A “vigarice” tinha a ver com os contornos do acordo que, a seu ver, não são aquilo que Costa anunciou aos órgãos do partido no fim de semana: as moções de censura não são blindadas entre partidos de esquerda e os orçamentos são para ser alvo de consulta.
“Ainda estamos na dúvida sobre se o Presidente irá dar posse ao PS”, confessava outro dirigente, dando voz aquilo que é a dúvida tanto nos partidos da coligação como do Governo. A cautela, pois, impera. O líder do CDS, Paulo Portas, por exemplo, em vez de comentar o que acabara de acontecer no hemiciclo com a aprovação por 123 votos da moção de rejeição do programa de Governo desviou a atenção para o outro lado. “Ainda vou ler os textos das moções de censura”.
Foi “uma manigância” nas palavras de Telmo Correia (CDS). Os partidos de esquerda “engendraram um dos mais perigosos embustes”, nas palavras de Paula Teixeira da Cruz (PSD). “Isto não é bem um Governo, é uma geringonça”, na descrição de Portas. Ao longo de dois dias de debate foi assim que a direita olhou para aquilo que a esquerda estava a desenhar. Primeiro, um acordo para derrubar o atual Governo e, em segundo, um acordo que permita governar em alternativa. Foi um debate tenso, às vezes exaltado, com muitos apartes que o presidente da Assembleia, Ferro Rodrigues, nunca censurou, de um lado aplausos, do outro vaias, de forma alternada. Há muito não se assistia a uma discussão assim com várias referências à luta do pós 25 de abril e até à revolução russa.
Quarta e quinta-feira, PSD e CDS vão andar na estrada a explicar aos seus apoiantes os planos que tinham para governar o país por mais quatro anos e as diferenças que existem entre PS, PCP e BE. “Desafiamos todos os grupos parlamentares a saírem da toca. Têm ou não têm uma coligação de Governo e um programa comum? Se não têm, isso significa que continua a haver uma maioria clara no Parlamento”, afirmou no final do debate, aos jornalistas, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, referindo-se à maioria PSD/CDS.
Primeiro, há que esperar por Cavaco, mas se este der posse a António Costa o passo seguinte já está prometido: os agora governantes que também foram eleitos deputados passam a ocupar as cadeiras em S. Bento. Passos já o prometeu e esse gesto será imitado por outros sociais-democratas. “Não abandono o meu país. Se não me deixam lutar por ele no Governo, como quiseram os eleitores, lutarei no Parlamento”, garantiu Passos momentos antes de 123 deputados se terem levantado para aprovar uma moção de rejeição contra o seu programa de Governo.
A decisão é aplaudida por dirigentes do PSD, pois trata-se de uma situação rara (o primeiro-ministro derrubado ficar em S. Bento) mas levanta também algumas reticências.
“Ao assumir que está disposto a vir para o Parlamento está a legitimar este Governo. Se vem no primeiro dia vai ter que ficar todo o tempo até ao Governo cair”, afirmou ao Observador fonte do PSD, defendendo que Passos devia retirar-se para mostrar que o que a esquerda fez esta terça-feira é um golpe.
Embora muitos dirigentes considerem que o acordo das esquerdas não vai durar uma legislatura, a dúvida perpassa. Se Passos der o exemplo, os atuais governantes que foram eleitos deputados dia 4 de outubro também deverão assumir o lugar no Parlamento. A ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, já assumiu o lugar e até se sentou na primeira fila da bancada apesar de não ser vice-presidente do grupo parlamentar.
De Portas, ainda não se ouviu uma declaração taxativa como de Passos, embora no CDS esteja assente que todos os governantes que podem regressar a S. Bento o façam. A ministra da Agricultura, Assunção Cristas, confirmou ao Observador que tenciona voltar a ser deputada, embora não garanta que fique com a área que agora tutela no Governo.
Por tradição, os membros do Governo que depois vão para deputados escolhem sentar-se na última fila, raras vezes intervir em plenário e adotam aquilo a que nos partidos se gosta de chamar o lugar de senador. Mas como a tradição parlamentar também já não é o que era, novos tempos poderão vir.