Ténis, Benfica e Guerra das Estrelas. O trio de gostos ajuda a definir Armando Gomes, o pai de 32 anos que ainda gosta de jogar videojogos. Como ele há muitos. Pais e mães na casa dos 30/40 anos que mantêm uma vida social ativa, continuam a vestir-se como se o tempo não tivesse passado e ainda fazem das saídas à noite um hábito feliz, embora mais curto. Há chuchas e fraldas numa mão, comandos para jogar consolas na outra.
“Ser pai não influenciou a minha forma de vestir”, começa por dizer Armando do outro lado da linha do telefone. Talvez a única exceção tenha sido a utilização das chamadas “bolsas de kangaroo” assim que o pequeno Vasco nasceu, já lá vão quatro anos. Não que isso impedisse os ténis nos pés, o boné na cabeça e os óculos de sol escuros a completar o look. O estilo do pai é também o estilo do filho que começa agora a adotar tendências e manias. Metade das coisas que estão na cómoda da criança dizem respeito a duas temáticas: a saga cinematográfica Guerra das Estrelas e o desenho animado Faísca Macqueen. “Acho muita graça ao facto de, quando vamos às compras, ele escolher as coisas ao meu gosto. É um mini eu. Sinto muita compensação nisso.”
As influências vão além do armário. Vasco nasceu para ser um digital native (nativo digital) e, se ao início era divertido ver a rapidez com que o universo virtual se vergava às suas mãos minúsculas, com o tempo Armando começou a ganhar medo: “Quando eles estão com os tablets simplesmente não respondem, pelo que cortei com tudo isso. A única coisa que ele faz é o aquecimento nos jogos [de consola] da Fifa”. Por “aquecimento” entenda-se a simulação que antecede um jogo, quando é possível controlar os jogadores em campo por alguns segundos. Vasco não joga videojogos, mas vê o pai jogar. E sempre que há um golo, Armando interrompe a partida, levanta os braços agitados em sinal de festejo e pega num Vasco sorridente, feliz, ao colo. É disso que o pequeno gosta mais.
Quando é que as pessoas deixam de ser jovens?
No final de novembro deste ano, o espanhol El Mundo interrogava-se precisamente sobre os pais do século XXI, homens e mulheres que vivem numa sociedade que aos poucos começa a olhar de forma diferente para a questão da idade. Luís Rasquilha, CEO da Inova Consulting, empresa apostada em detetar tendências de mercado, é o primeiro a falar sobre isso, não sem antes explicar o conceito de “mega tendências”, ou seja, transformações que ocorrem na sociedade e que têm efeitos a longo prazo (10 a 20 anos). O português a viver no Brasil explica que o envelhecimento, a explosão demográfica e a intergeracionalidade são mega tendências.
“As pessoas vivem mais tempo e, por isso, relacionam-se com gerações diferentes”, diz Rasquilha, explicando que o palavrão intergeracionalidade remete para o facto de se assumir, cada vez mais, vários perfis geracionais. “Está muito claro que as pessoas já não se agrupam nos segmentos tradicionais — classes, idades e grupos ocupacionais. Já não é possível catalogar como dantes. Hoje é comum um homem de 30 anos jogar videojogos e, ao mesmo tempo, ser pai.”
Em causa pode estar uma espécie de “prolongamento da idade jovem”, tal como explica Sofia Aboim, socióloga e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Aboim avança que este fenómeno, se assim o pudermos chamar, não faz as pessoas menos adultas, deixa-as apenas mais permeáveis a uma continuidade de hábitos. Para que não haja dúvidas, o sentido de responsabilidade não sofre quaisquer alterações e não é para aqui chamado.
O estilo de vida mais jovem é uma espécie de erosão do ser adulto, no sentido em que não há seriedade a tempo inteiro. Há a manutenção de práticas que antes estavam associadas ao ter 20 anos, como os videojogos e o sair à noite. A transição entre a adolescência e o ser-se adulto pode estar a desvanecer-se“, atira Aboim.
Quando é que se deixa de ser jovem e de sair à noite? A pergunta é colocada pela socióloga mas nem ela tem uma resposta na ponta da língua, uma vez que as idades próprias para uma ou outra coisa estão “muito difusas”. E dá o exemplo dos espaços noturnos que tanto recebem pessoas com 20 anos como com 40 anos.
É o caso da Pensão Amor, na rua do Alecrim, em Lisboa, desde 2011. “A Pensão Amor acaba por ter um público muito abrangente. Nas primeiras horas da noite, das 22h00 às 00h00, a faixa etária é mais velha, entre os 35 e os 65 anos. À medida que a noite vai avançado, diminui para idades entre os 25 e os 35 anos”, comenta Roger Mor, responsável de comunicação do estabelecimento. Já Gonçalo Riscado, um dos nomes por trás do Musicbox, garante que o Cais do Sodré é “um excelente exemplo de diversidade”, onde existem muitas ofertas para públicos de diferentes idades.
Armando Gomes, o pai de 32 anos, conta que sai à noite nas semanas em que não está com o Vasco (está separado e beneficia de guarda partilhada). Quando não têm o filho em casa faz por sair à sexta-feira e ao sábado, mas é dos dias em que o leva a passear ao parque ou a andar de bicicleta que diz sentir mais falta. “Tenho mais saudades na semana em que não estou ele. O quarto fica vazio e… ele é um amigo.”
Um mercado de olhos bem abertos
O facto de os comportamentos já não serem apenas influenciados pelas idades pode representar um problema para as empresas, uma vez que “o mindset empresarial continua voltado para a segmentação de produtos apostados nas faixas etárias”, diz Rasquilha. É ele quem dá o exemplo dos seguros de saúde, que estratificam os seus serviços consoante a idade das pessoas e não o seu estado de saúde.
Mas nem tudo pende para um lado menos positivo da balança, com marcas a fazerem uma feliz transição — as áreas mais sensíveis correspondem aos setores da tecnologia e da moda. Segundo a consultora Kantar Worldpanel, citada pelo El Mundo, as marcas de roupa passaram a considerar como jovens pessoas até aos 45 anos de idade. E se antes os 50 eram sinónimo de clientes sénior, agora é preciso chegar aos 65 para entrar nessa categoria. É também neste artigo que se lê que, de acordo com os dados divulgados pela Federação Europeia de Software Interativo, a idade média do jogador de videojogos pára nos 35 anos.
Sofia Aboim lembra ainda os livros do feiticeiro Harry Potter, que são lidos tanto por miúdos como por graúdos — uma crónica publicada no Telegraph datada de 2003 dava conta de que muitos dos fãs dos livros criados por J. K. Rowlling eram (e são), de facto, adultos. As obras citadas servem de exemplo para explicar que existem produtos que se adaptam a muitos públicos. “A própria pluralização do estilo de vida e a expansão da tecnologia podem tornar essas fronteiras mais difusas”, comenta Aboim.
A comparação entre gerações é, mais uma vez, chamada a debate. É que se antigamente havia uma oferta cultural e tecnológica muitíssimo menor, hoje a realidade é completamente diferente e interfere em níveis que vão além dos hábitos sociais. “Antes havia a questão do acompanhamento por parte do pai, de levar as crianças ao cinema, por exemplo. Hoje, além do acompanhamento, há a questão da partilha.” Ou seja, não deverá ser difícil ver pais e filhos na fila para o novo filme da saga Guerra das Estrelas no próximo dia 17.
Para suportar essa teoria, a socióloga recorda vários estudos que dão conta de uma mesma verdade, que as pessoas na casa dos 30/40 anos associam os seus pais a figuras de maior distância, mais autoritárias, modelo de educação que tendem a recusar. Hoje, o relacionamento entre pais e filhos parece assentar na noção de companheirismo, o que remete para uma presença lúdica na vida das crianças. “Esse brincar, esse estar próximo, implica a partilha de atividades”, acrescenta Aboim.
Um novo modelo de educação?
“Desde que a Francisca nasceu que saio em média duas vezes por semana. Às vezes até a levo comigo”, conta Filipe Pereira, pai há três anos e meio. “Se estiver sozinho com ela, seja porque motivo for, não me prendo. Pego na Francisca e vou beber uma imperial com os meus amigos. Mas depois das 21h00, a Francisca apenas está fora de casa se houver jantares em família.”
Filipe Pereira e a mulher, Inês Miranda, fazem questão de aproveitar a vida como podem. Ele vai jogar à bola duas vezes por semana, à segunda e quinta-feira, ela vai às compras com as amigas. Ele trabalha num banco vestido de fato e gravata, ela é educadora de infância e raramente anda de saltos altos porque a profissão não o “permite”. Ambos fazem por sair à noite e estar com os amigos — com os devidos intervalos para o Football Manager, da parte dele. Ambos admitem levar a Francisca para todo o lado.
Falar de pais que conservam uma vida social é, em muitos casos, falar de pais que apostam numa relação de maior proximidade com os filhos. “Não há dúvida que as pessoas têm cada vez mais formação e maior acesso a um conjunto de atividades nas quais é possível a participação dos filhos. Os pais gostam de enquadrar os filhos nas suas atividades”, comenta Fernando Almeida. O psiquiatra e professor no Instituto Universitário da Maia explica que é precisamente esta tendência que faz com que seja possível que muitos casais mantenham as suas rotinas sociais, algo que o profissional considera ser saudável, além de um estímulo eficaz para o crescimento individual dos mais novos.
“As funções dos pais estão menos padronizadas do que estavam há umas décadas. Antes havia um maior distanciamento entre pais e filhos. À mesa, e em certas situações, os filhos não eram supostos falar. Tinham de pedir permissão para se levantarem, tinham de se dirigir aos pais de uma forma respeitosa sem se sentirem completamente à vontade”, recorda Fernando Almeida. Se noutros tempos o pai (homem) era visto como uma figura mais autoritária, cuja palavra não podia ser questionada, hoje em dia isso é coisa do passado.
Atualmente, as crianças são educadas de uma forma mais aberta, participativa, estimulante. Há uma maior interação entre pais e crianças. As sociedades modernas exigem que os pais sejam amigos, mas estes nunca podem deixar de ser figuras de autoridade. Nunca pode faltar uma relação de respeito.”
É que se por um lado há a tal “erosão do ser adulto”, por outro comenta-se a “erosão do modelo de distanciamento geracional”, palavras de Sofia Aboim. A socióloga afirma que podemos estar perante uma substituição do modelo de parentalidade: em vez do pai patriarca, associado a uma figura mais rígida de outros tempos, existe um maior companheirismo, necessidade de comunicação e crescente preocupação para com o bem-estar dos filhos.
Sendo assim, há benefícios na relação com as crianças: “Ao diminuir a distância existe maior propensão para o diálogo, o que faz parte de relações paritárias”, diz Aboim. Mas nem tudo é bom, com a socióloga a apontar o dedo à possível diminuição da autonomia dos jovens devido à insistência da partilha, o que poderá ser o caso quando pai e filho são “amigos” na rede social Facebook. O importante é mesmo que pai e mãe sejam modelos de referência, não apenas nas palavras, mas também nos exemplos.
A idade ainda é um posto?
A ideia de imaginar os 50 anos como os novos 30, coisa que as marcas de roupa tendem a considerar, pode ser tida como”uma expressão mediática que permite reimaginar a idade de outra forma”, garante Sofia Aboim. “É uma consequência direta da longevidade. Também tem que ver com a incorporação de uma certa ideologia da juventude que tende a ser prolongada, a ideia de viver a vida, de aproveitá-la. É uma mudança de valores, embora isso não se aplique a toda a gente. Ter hoje 40 ou 50 anos não tem o mesmo significado que tinha há algumas décadas.”
Não é que a idade seja uma questão de opinião, antes de perspetiva que varia consoante a fase em que se está na vida, garante a também investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É ela que lembra que apenas a infância e a terceira idade estão muito definidas, enquanto o tempo entre ser jovem e adulto diz respeito a fronteiras muito ténues. “Há muitas leis que estabelecem a infância e a terceira idade, com a reforma a ir para os 67 anos. Temos leis e normas para essas fases, mas não há nada que nos diga quando é que deixamos de ser jovens.”