O último presidente do extinto Banif, Jorge Tomé, deu quarta-feira uma entrevista à SIC Notícias em que ataca duramente o Banco de Portugal e questiona o “contexto um bocado estranho” que levou a que o Santander Totta tenha ficado com “os melhores ativos” do Banif pagando, por eles, “o preço que quis“. Jorge Tomé sublinha que não percebe como foi feita a divisão de ativos e diz que “tinha propostas” melhores pelos que ativos passaram para o Fundo de Resolução. Ou seja, a venda dos ativos “vai gerar uma mais-valia” para os bancos que, assim, ajudará a compensar o eventual prejuízo com uma venda do Novo Banco.
No comunicado da venda emitido pelo Banco de Portugal no domingo, diz-se que a divisão de ativos foi feita “em resultado das opções acordadas entre as autoridades portuguesas, as instâncias europeias e o Banco Santander Totta, para a delimitação do perímetro dos ativos e passivos a alienar”. Mas Jorge Tomé diz: “para mim ainda é uma matéria que ainda é difícil de perceber, isto é, que ativos são aqueles“.
No âmbito da operação, foi criado um veículo chamado Naviget que recebeu ativos imobiliários que Jorge Tomé recusa que se possam chamar tóxicos. São, sobretudo, ativos imobiliários que o Banif há vários anos vinha procurando vender – e tinha vendido a um ritmo de cerca de 250 milhões por ano, segundo apurou em outubro o Observador. Outro dos ativos que passaram para o veículo é a participação de 48% na seguradora Açoreana. Segundo uma ata do Banco de Portugal, essa separação foi feita de forma “justa, prudente e realista“.
Ora, Jorge Tomé explica porque é que esta operação “desastrosa” poderá resultar numa “capitalização do Fundo de Resolução”. Algo que poderia ter sido evitado, menorizando os custos para os contribuintes mesmo tendo havido a opção pela resolução, com a qual Jorge Tomé não concorda.
Eis o que está em questão. O responsável revelou que no último plano de reestruturação apresentado a Bruxelas, já se previa uma separação de ativos. Foi lançado um concurso “nacional e internacional” no segundo semestre deste ano, diz Jorge Tomé, para “pedir cotações desses ativos não bancários, basicamente ativos imobiliários”. Eram ativos “de risco”, reconhece, mas não se podem chamar “tóxicos”. “Já tínhamos propostas de compra desses ativos, e a perda máxima não chegava a 300 milhões – o haircut (desconto) era de 20%”.
Tendo sido aplicado um desconto de 66% na passagem para o “tal veículo que foi criado, certamente vão gerar muitas mais-valias” à medida que forem vendidos. Esse desconto deveu-se, acredita-se, a imposição europeia, por prudência. Saliente-se, contudo, que Jorge Tomé diz que este corte no valor nas propostas que tinha pelos ativos incide sobre “um perímetro de ativos mais pequeno”, sem especificar quão mais pequeno.
O Banco de Portugal sabia destas propostas, garante Tomé.
O ex-presidente do Banif sublinha, portanto, que o Fundo de Resolução, que é composto pelos outros bancos e injetou 4.900 milhões de euros no Novo Banco, poderá beneficiar de “mais-valias” quando for feita a venda dos ativos que passaram para este veículo. Mais-valias que poderão, portanto, ajudar a mitigar eventuais perdas com uma venda do Novo Banco a um valor provavelmente mais baixo do que esses 4.900 milhões.
A operação está estruturada, do meu ponto de vista, exatamente assim. Esses ativos passam para esse tal veículo a preço de saldo (66%). São ativos que vão ser valorizados, vão ser vendidos com mais-valias e a diferença irá para esse veículo, que pertence ao Fundo de Resolução. Pelo processo de geração de mais-valias, o Fundo de Resolução vai ser capitalizado.
Terá sido esse o raciocínio – o racional – que esteve por base desta operação com o Banif? “É esse um dos racionais que se pode concluir – se houve outros, não sei“, diz Jorge Tomé.
Banif tinha propostas. Resolução não era necessária
Jorge Tomé revelou na SIC Notícias que tinha quatro propostas pelo banco, entregues antes do final do prazo. Isto apesar da notícia “criminosa” da TVI que, como o Observador tinha noticiado, levou a uma perda superior a 900 milhões de euros – Jorge Tomé diz que foram mesmo mil milhões perdidos.
Uma dessas propostas pelo banco era do Santander Totta, mas o que era um negócio para venda da posição do Estado transformou-se, subitamente, numa venda “no contexto de resolução”. Jorge Tomé diz que se “acabou por negociar numa estrutura da operação totalmente diferente, sem concorrência, num fim de semana”.
Isso fez com que o Santander, “com certeza”, tenha escolhido “os melhores ativos” e pago “o preço que quis”.
Em contraste, Tomé diz que tinha propostas pelo banco e “precisava de mais três ou quatro dias para negociar” e a resolução poderia ter sido evitada.
Fundo de Resolução apenas injetou 489 milhões. Porquê?
Quanto às perdas para os contribuintes, “parece que a resolução obedece a determinadas regras impostas pela Direção Geral da Concorrência, portanto, a partir do momento em que se enveredou por essa via, o resultado não poderia ser muito diferente”. Do ponto de vista do Estado, o máximo a recuperar ronda os 700 milhões depois de uma injeção estatal de 2.255 milhões de euros, 1.766 milhões dos quais injetados diretamente pelo Tesouro.
O Fundo de Resolução apenas injetou 489 milhões. Porquê? O ministro das Finanças, Mário Centeno, diz que há “legislação atual”, que não havia no tempo do BES, que diz que o Fundo de Resolução só pode financiar uma resolução num “montante que não seja superior a 5% do passivo e fundos próprios, o que coloca um limite à intervenção do Fundo de Resolução”.
Ficou, assim, limitada a responsabilidade do Fundo de Resolução. Mas as mais-valias com a venda dos ativos que foram para o veículo podem ser superiores, pelo que a operação poderá ser positiva para os outros bancos, sugere Jorge Tomé. Isto depois de uma resolução que, na ótica do antigo presidente, não era necessária. Até porque “as contas do Banif estavam limpinhas” e “eram auditadas semestral e anualmente por auditoras reputadas a nível internacional, primeiro a Ernst & Young e, depois, a PwC”.
Mais: tinham a “concordância do Banco de Portugal“. O governador do Banco de Portugal fez a sua defesa dos acontecimentos na noite de terça-feira. Leia mais aqui.