O ex-presidente executivo do Banif defende uma auditoria independente ao processo de resolução e venda do banco, em particular à atuação do Banco de Portugal e da DG Comp (direção-geral da concorrência europeia) porque os resultados são “muito negativos”. Uma auditoria independente já tinha sido sugerida por António Horta Osório, presidente do Lloyds, que liderou o Santander Totta em Portugal, banco que comprou a parte boa do Banif.
Jorge Tomé, em entrevista à SIC Notícias, esta quarta-feira à noite, descreve a solução encontrada para o banco como um “resultado desastroso”, para os trabalhadores, investidores e contribuintes, do qual não foi informado. E dá números: os obrigacionistas subordinados não foram acautelados e “vamos ter um problema de 256 milhões de euros. É a primeira vez que acontece na história financeira portuguesa”, nem os obrigacionistas do BES perderam o seu investimento, lembra.
Em entrevista ao programa Negócios da Semana, Jorge Tomé antevê mesmo um movimento de lesados do Banif, inspirado no clientes do BES que investiram em papel comercial, considerando que este é um dos “aspetos mais negativos” da operação aprovada no fim de semana, à revelia da gestão do banco.
O gestor alerta ainda que os contratos de 600 a 700 trabalhadores ficam “fragilizados” com a transferência para o veículo público dos ativos que o Santander não quis. Jorge Tomé descreve a venda ao banco espanhol como uma solução “estranha”, muito diferente da proposta inicial feita. Sem concorrência e com a pressão do tempo do lado do vendedor, o Santander Totta escolheu os melhores ativos ao preço que quis, realça.
Contas “limpinhas”
O gestor assegura ainda que as contas do banco estavam “limpinhas”, garantindo que não havia nenhum buraco. O Banif sempre foi auditado por empresas de reputação e tinha representantes do Estado, um dos quais foi António Varela que tinha funções de auditoria antes de ir para o Banco de Portugal. “Não há nenhum problema nas contas do Banif, o Banco de Portugal fazia vigilância diária do crédito, de operações financeiras, via todas as avaliações de ativos, tinha acesso ao sistema do Banif”.
O ex-presidente executivo assegura ainda que os ativos, agora designados de tóxicos, estavam corretamente valorizados no balanço do Banif e que a perda reconhecida (haircut) era de apenas 20%, o que contrasta com o corte de 66% imposto na resolução. “A operação está estruturada de forma a trazer ganhos para o Estado, os ativos foram transferidos para o veículo a preço de saldos e vão ser vendidos com mais-valias. O fundo de resolução vai se capitalizado por esta via”, diz.
Tomé diz também que havia propostas mais favoráveis para a compra do Banif que precisava apenas de uma recapitalização de 340 milhões de euros. Acrescenta que sem os ativos problemáticos, o banco poderia ter sido vendido por 400 milhões e deixa a questão: “Não se poderia ter esperado quatro ou cinco dias para concluir o processo negocial competitivo?”
Tomé afirma-se “chocado” e reafirma que o valor que saiu é “um desastre para o Estado, contribuintes e para os trabalhadores”. O gestor admite que vai dar mais elementos na comissão de inquérito e fazer perguntas sobre um processo que qualifica de “estranho”.
A venda da participação do Estado foi retirada do Banif pelo Banco de Portugal na sexta-feira passada. Para Jorge Tomé, o BdP defende-se muito com as instâncias europeias e realça que não nos “devemos deixar de esconder nos biombos das autoridades europeias”.
Tomé reconhece ainda que a DG Comp era contra a recapitalização do banco, sobretudo depois deste ter falhado o reembolso do pagamento dos Cocos no final de 2014, que atribui ao impacto negativo de 120 milhões de euros resultante do colapso do BES/GES. Mas assinala a recuperação feita ao nível dos resultados de exploração e da liquidez desde 2012.